O berço dos dinos é aqui

Dos Pampas à Amazônia, o Brasil reúne ao menos 27 espécies de dinossauros - incluindo as primeiras do planeta

Stefhanie Piovezan Colaboração para o UOL, em São Carlos (SP)
Rodolfo Nogueira / Reprodução

Volte no tempo alguns milhões de anos, e não é preciso ir à Ilha Nublar, o local fictício da série Jurassic World, para se deparar com animais pré-históricos que pesam o equivalente a até três elefantes. Antes da queda do asteroide que dizimou os dinossauros, 66 milhões de anos atrás, o parque dos dinossauros era por aqui.

Paleontólogos já identificaram pelo menos 27 espécies de dinossauros que pisaram no que corresponde, hoje, ao território brasileiro.

Como, naquela época, os continentes estavam conectados, uma espécie poderia se espalhar do Rio Grande do Sul à Alemanha, pisando terra firme. Alguns dinossauros, aliás, fizeram isso: parentes próximos do Unaysaurus tolentino, espécie da região de Santa Maria (RS), foram descobertos em território alemão.

Com as evidências paleontológicas coletadas até agora, os pesquisadores acreditam que os animais fizeram o trajeto Brasil - Europa, e não o contrário. Na região que corresponde à área que vai do Rio Grande do Sul à Argentina, é grande a concentração dos fósseis mais antigos do planeta, o que sugere que os dinossauros podem ter surgido por aqui.

Berço gaúcho

A principal evidência [de que os dinossauros surgiram aqui] é a presença de um registro muito rico de fósseis com uma compleição mais 'primitiva', encontrados em rochas sedimentares do Triássico

Jonathas de Souza Bittencourt, Paleontólogo da Universidade Federal de Minas Gerais

Até agora, os cientistas identificaram em território gaúcho oito espécies com idades que podem variar de 237 a 208,5 milhões de anos.

“Eles podem ter ocupado todo Centro-Sul da América do Sul, mas esse material não se preservou”, diz Max Langer, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto.

No Rio Grande do Sul, ao contrário, se formou um pacote rochoso a partir dos sedimentos que soterraram essas espécies, protegendo partes de seus esqueletos das intempéries.

Carla Borges / UOL
Rodolfo Nogueira / Reprodução Rodolfo Nogueira / Reprodução

Mundo triássico

Brasil tinha mais

O paleontólogo Rodrigo Miloni Santucci, da Universidade de Brasília, conta que o Triássico foi um momento de transição: o mundo deixou de ser tão marinho e passou a ser mais seco. Nesse período surgem os primeiros dinossauros do Brasil e do planeta.

Em um cenário semiárido, com alguns rios, viveram dinossauros como o Pampadromaeus barberenai (ilustração ao lado), de pouco mais de um metro de comprimento, o Buriolestes  schultzi, de 1,5 metro, e o Bagualosaurus  agudoensis, de até 2,5 metros. Os fósseis foram localizados na região de Santa Maria (RS).

Depois deles, no período Jurássico, há uma lacuna e não se sabe qual era a fauna nessa parte do globo. “No Brasil, há poucas rochas sedimentares do Jurássico. Havia grandes desertos que poderiam limitar a distribuição geográfica dos dinossauros e, consequentemente, diminuir o processo de fossilização desses animais nas rochas sedimentares”, explica Bittencourt.

Bruno Domingos/Reuters Bruno Domingos/Reuters

Retratos do passado

Segundo Langer, enquanto nossos fósseis triássicos estão entre os mais importantes do mundo por retratarem o surgimento dos dinossauros, os exemplares mais recentes, do Cretáceo, se destacam pelo estado de conservação. Foi possível, por exemplo, reconstituir um esqueleto de Maxakalissauro (foto acima), gigante que chegava a 20 metros de comprimento, encontrado no interior de Minas Gerais.

Os fósseis também nos ajudam a entender uma etapa importante do planeta: a separação dos continentes e a diversificação das espécies.

“Dados geológicos indicam que África e América do Sul ficaram unidas até cerca de 100 milhões de anos atrás. Isso é confirmado pela descoberta de dinossauros similares no Norte e no Nordeste do Brasil e no Norte da África”, diz Bittencourt.

Nesse período após o triássico, os dinossauros ocuparam diferentes partes do Brasil, incluindo áreas do Nordeste, do Centro-Oeste e do Sudeste. Esses animais chegavam a alcançar 40 metros de comprimento. 

Silva Junior/Folhapress

Identidade regional

“Tão maravilhoso quanto os próprios dinossauros é tudo o que eles nos ensinam sobre a nossa pré-história”, opina o paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, que recentemente lançou um livro com o paleoartista Rodolfo Nogueira sobre os dinos brasileiros. São de Nogueira as ilustrações de dinossauros presentes nesta reportagem.

Natural de Uberaba, Nogueira afirma que, entre todas as espécies nacionais retratadas, o Uberabatitan ribeiroi é seu favorito por conta do tamanho – chegava a 25 metros – e por ter sido encontrado perto da sua cidade. Daí o nome: Uberaba, “titan”, devido às dimensões, e ribeiroi como uma homenagem ao paleontólogo Luiz Carlos Borges Ribeiro.

A nomenclatura de vários dos dinossauros brasileiros remete a locais e profissionais da paleontologia. Santucci, que participou da definição de nomes em três casos, explica que o Adamantisaurus mezzalirai, por exemplo, que chegava a 12 metros, foi batizado assim por conta da região em que foi achado – a formação Adamantina – e como homenagem a Sérgio Mezzalira, uma referência na área.

“Geralmente, o nome da espécie é uma homenagem, faz referência a uma localidade ou a uma característica”, diz.

O Brasil ainda pode guardar resquícios de outros dinossauros, ainda por descobrir. Eles podem estar, por exemplo, em locais de mata densa.

Áreas já mapeadas têm potencial de revelar novos animais. “Todo o interior de São Paulo pode de ter fósseis, por isso é preciso procurar constantemente e revisitar as áreas a cada um ou dois anos”, diz Santucci.

Os pesquisadores aguardam o período de chuva, que pode lavar o solo e expor novas faixas. Eles também costumam visitar áreas de duplicação de estradas, em que a grande movimentação de terra pode trazer à tona camadas mais profundas.

“Temos muita coisa para pesquisar ainda, há muitas perguntas. Como os dinossauros chegaram a um tamanho tão gigantesco, quanto tinham que comer para sobreviver?”, exemplifica Santucci.

“Do que já foi coletado, falta uma porção pequena ser analisada. É importante continuar a coletar e fazer o monitoramento. Há muito mais enterrado do que nas gavetas”, afirma Langer.

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