Sai gestor, entra político

Bruno Covas diz que assumirá metas de Doria e que rombo na Previdência pode provocar aumento de imposto

Aiuri Rebello Do UOL, em São Paulo
Lucas Lima/UOL

Pode colocar na conta dele

Apesar de definir seu governo como de continuidade ao que foi feito até agora pela gestão do correligionário e ex-prefeito João Doria (PSDB-SP), o novo prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB-SP), diz que vai imprimir personalidade própria à administração. "Não tenho a menor dúvida de que sou um pouco mais discreto do que o ex-prefeito João Doria, quanto a isso não há a menor dúvida." 

Sobre o que o paulistano pode esperar sobre sua gestão, ele resume: "O avião segue na mesma rota, só mudou o piloto", analogia que repetiu em pelo menos três entrevistas e no discurso de posse uma semana atrás, quando Doria lhe passou o bastão para se tornar pré-candidato ao governo do estado.

"Soaria muito falso eu dizer que não sou político, sou gestor", afirma, em referência ao mote que ajudou a eleger Doria --e ele como vice na mesma chapa. "Quer dizer, ele podia dizer isso porque era verdade naquele momento, em 2016. Eu não posso, como é que agora vou dizer que não sou político? Então, em vez de renegar, tenho que fazer o oposto, afirmar."

Essa atitude mais política, diz o prefeito, é fruto de sua vivência parlamentar --aos 38 anos, Covas já foi deputado estadual em São Paulo por duas legislaturas consecutivas (de 2007 a 2014) e se elegeu deputado federal em 2014 (cargo ao qual renunciou para assumir a vice-prefeitura).

"Não é por acaso. Qualquer um que chega ao Executivo, tendo passado pelo Legislativo, tem uma visão diferente de enfrentar as coisas. Está preparado para muito mais diálogo", diz sobre o estilo conciliador que pretende seguir daqui para a frente, em contraposição a Doria, que entrava em enfrentamentos públicos com oposição, jornalistas e até aliados. "O diálogo está aberto com todo mundo, com todos os partidos."

Seja qual for o estilo, Covas assume uma gestão com mais de cem metas ambiciosas a cumprir. Entre elas, está levar a cabo a desestatização do estádio do Pacaembu, do Anhembi e do autódromo de Interlagos, entre outros equipamentos públicos, assim como fazer a reforma da Previdência dos servidores municipais, estruturar a bilionária licitação dos ônibus da cidade, reduzir as filas no sistema de saúde e melhorar a zeladoria urbana, um dos pontos mais criticados da gestão até agora.

"Soaria falso dizer que não sou político, e sim gestor"

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Aumento de impostos no horizonte?

O raciocínio do prefeito é simples: a prefeitura não tem mais de onde cortar recursos para cobrir o deficit da Previdência dos funcionários públicos municipais, de R$ 6 bilhões em 2017. "Ou a gente faz a reforma ou vamos ter um problema de caixa e ter de reduzir investimento da educação, da saúde, da segurança, da habitação, ou vamos ter que aumentar imposto", afirma Covas.

"Não é que no nosso íntimo tenhamos algum desejo de aumentar o valor da contribuição, uma vontade pessoal, não é isso. Mas nós temos uma situação, um problema de caixa", diz o prefeito. Ele afirma que o deficit com a aposentadoria dos servidores da cidade é o dobro do que é gasto com o subsídio das passagens de ônibus, que é de R$ 3 bilhões.

Para Covas --que sofreu críticas quando era o secretário responsável pela coordenação das subprefeituras regionais e a conservação da cidade e acabou afastado da função por Doria--, os problemas de zeladoria urbana enfrentados pela gestão são fruto do rombo da Previdência.

"No último ano da gestão [Gilberto] Kassab [(PSD-SP), prefeito de 2006 a 2012], o orçamento da zeladoria urbana era de R$ 1,35 bilhão. No ano passado foi de R$ 350 milhões, e neste ano deve cair ainda mais", diz.

Para ele, com o cobertor curto e para evitar calote nos aposentados, o dinheiro é tirado de outras áreas como a zeladoria urbana. "Falar em aumento de impostos é horrível, mesmo porque a sociedade está no limite da carga que consegue pagar. Por outro lado, estamos chegando a uma situação de onde não teremos mais de onde tirar [dinheiro]."

Para ele, a responsabilidade agora é da Câmara Municipal. "A solução que propomos é a reforma, de acordo com o projeto que foi enviado para lá. Agora [a bola] está com os vereadores."

Rivaldo Gomes/Folhapress Rivaldo Gomes/Folhapress

A gente passa pelas ruas e ainda vê mato alto, problemas nas calçadas... Eu não moro em Marte. É óbvio que não estou satisfeito, vivo na cidade e a gente percebe isso na rua. O trabalho de zeladoria melhorou mas ainda não está perfeito

Bruno Covas, prefeito de São Paulo

"População não vai sentir diferença"

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Não tenho a menor dúvida de que sou um pouco mais discreto do que o prefeito João Doria

Bruno Covas, prefeito de São Paulo

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Qual o principal problema da cidade?

Bruno Covas - É como perguntar para um pai para qual filho ele vai dar mais atenção. Os principais problemas da cidade de São Paulo são três: saúde, educação e mobilidade. Acho que esses são os três grandes desafios a serem vencidos. São as três principais reclamações da população e merecem mais atenção. Claro que existem inúmeras outras questões importantes. Mas, se for focar, restringir, seriam estes três problemas.

Qual a solução para esses problemas?

Bruno Covas - Na área da educação nós conseguimos vencer a fila da pré-escola no ano passado, São Paulo foi a segunda capital do Brasil a acabar com essa fila, vamos criar 85 mil vagas de creche ao longo dos quatro anos... Eu inclusive fui no Tribunal de Justiça assinar um Termo de Ajuste de Compromisso, um processo que começou nas gestões anteriores e culminou nesse compromisso. A gente quer chegar à nota mais alta do Ideb [exame nacional da qualidade do Ensino Fundamental] dentre as capitais ainda nesta gestão. 

Na saúde vencemos um grande desafio com o Corujão da Saúde, o que zerou a fila dos exames no ano passado. Estamos no meio do processo do Corujão das Cirurgias e a rede deve passar aí por um momento de readequação nos equipamentos de saúde. Se houver necessidade, [o Corujão] volta. A gente admite um prazo de até 30 dias para a realização de um exame. Se começar a passar muito disso, o Corujão volta.

Na questão da mobilidade, a principal ação é sem dúvida o novo contrato dos ônibus na cidade de São Paulo.

Está confirmado o lançamento do edital da licitação dos ônibus para o dia 16 de abril?

Bruno Covas - Está confirmado o edital no dia 16 de abril. Não é um processo inteiramente nosso, iniciou-se ainda na gestão [Fernando] Haddad [(PT-SP), ex-prefeito da capital]. No ano passado, o projeto foi discutido com a cidade toda. Foram 42 reuniões nas regionais, com muita participação popular, as pessoas dando ideias, sugestões... Então esse edital não é da cabeça de A, B ou C, é fruto do debate de toda a sociedade. Estudos da secretaria mostram que ao final do processo de reorganização das linhas de ônibus da cidade de São Paulo, nós vamos conseguir diminuir o tempo que o trabalhador leva no trajeto até o trabalho.

O que vai bem com São Paulo?

Bruno Covas - Sem dúvida nenhuma o que vai bem é a população. Aqui a gente tem uma população empreendedora, dinâmica, que vai atrás, que busca trabalho. Não tem nada que nos diferencie mais de outras grandes cidades do mundo do que a vontade e a garra do paulistano. Isso sempre vai bem.

Willian Moreira -14.ago.2017/Futura Press/Estadão Conteúdo Willian Moreira -14.ago.2017/Futura Press/Estadão Conteúdo

Cracolândia não acabou

"O prefeito João Doria não conseguiu acabar com o problema, mas hoje ele é menor do que era em janeiro de 2017. Vamos reconhecer que houve algum avanço. Não é uma coisa simples de ser resolvida. Não há a menor dúvida de que a eliminação gradual do programa Braços Abertos, aderindo ao programa Redenção, do governo do estado, é algo que está surtindo efeito.

O Braços Abertos virou a bolsa crack, não havia nenhuma ação efetiva de redução de danos. Havia a perpetuação de danos. Ação de redução de danos é feito hoje nos Atende-se, que é o espaço que a prefeitura criou nessa gestão para avaliar e atender as pessoas. A gente tem feito essa política de redução de danos, como também estamos trabalhando com os assistentes sociais e encaminhando para internação quando é o caso. Não acabou, mas melhorou.

Temos que fortalecer as iniciativas, não deixar de lado. Não tem nada mais contra os direitos humanos do que deixar aquelas pessoas na situação em que se encontram. É necessária uma ação cada vez mais firme e enérgica, o que tem surtido efeito. O problema não foi resolvido mas está melhor."

Renato S. Cerqueira/Estadão Conteúdo Renato S. Cerqueira/Estadão Conteúdo

Racha tucano chegou à família Covas

Não é de hoje que os integrantes do PSDB em São Paulo vivem em meio a atritos. Na eleição de 2016, o racha ficou evidente quando o tucano histórico Andrea Matarazzo deixou a legenda e migrou para o PSD, depois de ter sido preterido na candidatura à prefeitura da capital pelo recém-chegado João Doria, que venceu a disputa no primeiro turno. Neste ano, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB-AM), subiu o tom após ser preterido na pré-candidatura presidencial por Geraldo Alckmin (PSDB-SP), a quem acusou de antidemocrático. 

"Acho que essa situação toda de conflito é muito ruim para o partido", diz Bruno Covas. "Essa discussão toda deveria estar ocorrendo internamente, e não nas páginas dos jornais. Acho natural haver disputas por espaços e posições, mas, quando isso extrapola do ambiente interno, passa a impressão para os eleitores de um bando de gente que não consegue se entender."

Conhecedores do ninho tucano apontam que a indicação de Bruno Covas como vice na chapa de Doria ajudaria a unificar os tucanos de novo. Então com 37 anos, o jovem político poderia ser uma ponte entre os membros do partido mais jovens representados por Doria e o "PSDB histórico", já que é um dos herdeiros políticos do avô, o ex-governador de São Paulo e fundador do PSDB, Mario Covas (morto em 2001).

Aparentemente o plano de união não deu certo, e o racha atingiu em cheio a família Covas. No início do mês, o vereador Mario Covas Neto (na foto), o outro herdeiro político de Mario Covas e tio de Bruno, filiou-se ao Podemos, depois de abandonar o PSDB. De saída, fez pesadas críticas a Doria e ao partido, que diz não reconhecer.

O prefeito coloca panos quentes na situação. "A minha relação com ele é excelente, do ponto de vista pessoal não existe nenhum problema", diz. "Do ponto de vista politico, ele foi buscar uma outra alternativa, um novo caminho para a carreira dele, eu respeito, eu não tenho nenhum problema em relação a isso. Cada um sabe o que faz. Não significa que deixamos de ser tio e sobrinho."

Niels Andreas/Folhapress Niels Andreas/Folhapress

Tal neto, tal avô?

O meu avô [Mario Covas, à esquerda de Lula na imagem, fundador do PSDB e ex-governador de SP morto em 2001] já me dizia que a população perdoa tudo em um político, ela só não perdoa falta de coerência. Não teria coerência agora a gente se apresentar conjuntamente, ficaria muito estranho ter uma candidatura apoiada tanto por PT quanto por PSDB em qualquer esfera

Bruno Covas, prefeito de São Paulo

Saiba quem é Bruno Covas

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