E agora, PT?

Com Lula preso, partido deve apostar em discurso de perseguição política e descarta posto de vice em aliança

Aiuri Rebello e Leandro Prazeres Do UOL, em São Paulo e em Brasília
Arte/UOL

Encruzilhada eleitoral

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva coloca o PT em uma encruzilhada eleitoral. Mas o partido já indicou qual direção pretende seguir: o aprofundamento do discurso de perseguição política como argumento de campanha, em detrimento da defesa do legado dos governos petistas.

O UOL ouviu três juristas, quatro cientistas políticos e três parlamentares do PT --os petistas pediram anonimato por não poderem falar em nome do partido. Eles concordam que será mantida a estratégia demonstrada até agora de vitimização. Procurada, a presidência do partido não quis se posicionar oficialmente.

Os entrevistados dizem que o PT gostaria de fazer alianças com outros partidos de esquerda, mas não cogita ser vice em nenhuma chapa.

Qual o impacto da prisão de Lula sobre o futuro do PT? Ainda há muitas dúvidas. Sem mencionar os efeitos do mensalão, os últimos dois anos foram particularmente difíceis para o PT. Em 2016, o partido viu a então presidente Dilma Rousseff ser afastada do poder por meio do impeachment, que boa parte da militância petista continua a chamar de "golpe".

No mesmo ano, o partido perdeu 60% das prefeituras que comandava nas eleições municipais. O partido deixou o comando de capitais importantes como São Paulo, onde o então prefeito Fernando Haddad (PT) foi derrotado no primeiro turno para o estreante em eleições João Doria (PSDB).

No ano seguinte, o cerco ao ex-presidente Lula aumentou com o aprofundamento das investigações contra ele. Em julho, Lula foi condenado em primeira instância pelo juiz Sergio Moro no caso do apartamento tríplex em Guarujá (SP).

Cientista político e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Cláudio Couto diz que o impacto da prisão do Lula sobre o PT será "devastador". Ele explica que a ida de Lula para a cadeia pode gerar um processo inicial de "vitimização" ou "martirização" que pode ser explorado pelo partido, mas os efeitos de a legenda ter seu candidato mais competitivo fora das eleições presidenciais são muito negativos.

"O Lula é alguém que se confunde com a imagem do PT. Ele está indo para a cadeia sem que a gente saiba quanto tempo ele vai ficar lá. Isso é uma imensa fragilização, sobretudo porque não está claro quem vai suceder o Lula nesse trabalho de liderança", afirma.

Couto lembra as derrotas do partido nas últimas eleições e diz que, em certa medida, o PT vem perdendo espaço para partidos como o PSOL dentro da própria esquerda.

"A falta de uma liderança de referência aprofunda essa queda do partido. A gente já vê o PSOL assumindo espaços que antes eram ocupados pelo PT", disse.

O que tem mais chance de dar certo? Fazer um longo e incerto trabalho de transferência de votos do Lula para alguém ou mantê-lo como candidato até o último momento e tentar fazer uma transferência direta de votos, na base da desinformação?

Wálter Maierovitch, jurista

Para um político petista ouvido pelo UOL, a crença dentro do partido é que o PT sairá mais forte após as eleições deste ano.

Ele defende que o eleitorado já teve tempo de comparar os projetos políticos dos grupos que gravitam em torno do presidente Michel Temer (MDB) com os dos governos petistas.

Essa comparação, segundo ele, fará com que mais pessoas voltem a apoiar o partido ao se lembrarem dos anos em que o país foi governado pelo PT.

Além disso, ele afirma que a ida de Lula para a prisão vai ter um efeito colateral sobre a classe política. Segundo ele, as pessoas vão começar a se perguntar: se todo mundo parece ser corrupto, por que só o ex-presidente Lula foi preso?

O raciocínio não leva em conta, porém, a prisão de outros políticos como os ex-presidentes da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral, todos do MDB.

No meio do caminho, o cientista político Alberto Carlos Almeida diz que ainda é cedo para prever os impactos da prisão de Lula sobre o PT e que os resultados vão depender, em grande medida, de como a "história" em torno desse evento vai se desenrolar.

"Essa história não termina com a prisão do Lula. Ela começa aí. Porque não é apenas prender o Lula. Isso vai gerar habeas corpus, isso vai ter outros desdobramentos. A depender de como a história se desenvolver, o PT pode se fortalecer ou se enfraquecer", afirmou o cientista político.

Estefan Radovicz/Agência O Dia/Estadão Conteúdo Estefan Radovicz/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Campanha na cadeia

"O pedido de registro da candidatura tem que ser julgado pelo TSE até 20 dias antes da eleição. Considerando que vá ser negado, ainda cabem recursos ao STF. E, até sair a decisão, o Lula pode conseguir ir para a urna eletrônica", afirma o advogado Guilherme Ruiz Neto, que também atua no ramo do direito eleitoral.

A partir daí, o partido e Lula têm duas opções. "Ou troca o candidato até 20 dias da eleição, ou concorre sob a iminência de ter seu registro indeferido por conta da inelegibilidade. Se, no dia da eleição, Lula for alcançado pelo indeferimento, seus votos não serão computados para fins de ser declarado eleito ou participar de eventual segundo turn. Essa judicialização até o final é possível, mas é muito arriscada e a chance de dar certo é muito pequena. Se forem sensatos, trocam de candidato no último momento."

Para Roberto Romano, há outro risco: caso o PT insista até o fim, aposte em decisões favoráveis do STF e efetivamente ganhe, na Justiça e nas urnas, ainda assim Lula não será presidente. "Se eles forem até o fim, o Lula ganhar e conseguir na Justiça o direito de assumir, vai ter um golpe civil militar para impedir."

Vice em outra chapa? Nem pensar

"Não existe nenhuma possibilidade de o PT aceitar ter um vice na chapa presidencial de outro partido, nenhuma", diz, categórico, um deputado federal do partido que conversou com a reportagem, mas pediu para não ser identificado. "Está rolando um clima estranho, meio de controle e caça às bruxas quando alguém não respeita a orientação de não falar sobre isso com a imprensa. Então quero evitar 'encheção de saco'", explica-se.

O UOL procurou o PT, por meio de sua assessoria de imprensa, para solicitar uma entrevista com sua presidente, a senadora Gleisi Hoffmann (PR), mas a sigla se recusou a comentar sobre a participação nas eleições.

A presidente da sigla e outras lideranças têm repetido um mantra quando perguntados qual a alternativa do PT a Lula. "Nós temos sido claros desde o princípio, não tem nenhum truque, o Lula é nosso candidato até o fim e não há plano B", afirma o deputado. 

Apontados como possíveis substitutos, Jaques Wagner (BA) e Fernando Haddad (SP) têm tido atuação discreta até agora. Quem está em campanha mesmo é Lula, como evidencia a última etapa da caravana do petista, atacada a tiros na região Sul do país.

Para um senador do PT, que igualmente preferiu falar sem ser nomeado na reportagem, não há na legenda nenhuma resistência a costurar alianças com parceiros tradicionais para enfrentar a eleição presidencial.

Principalmente com o tradicional parceiro PCdoB, que lançou a ex-deputada federal Manuela D'Ávila (RS) como pré-candidata à Presidência, e o PSOL, que, apesar do tom crítico aos governos do PT em tempos recentes, lançou como postulante à vaga Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). Ambos os partidos têm participado ativamente da defesa do ex-presidente em atos públicos.

"A questão é: nós temos o Lula, líder isolado das pesquisas eleitorais. Não tem como retirarmos a candidatura dele, apresentar outro nome e ainda cair para vice na chapa de alguém. Isso seria suicídio político. Não temos alternativa e vamos em frente até o fim", disse. 

Nós temos o Lula, líder isolado das pesquisas eleitorais. Não tem como retirarmos a candidatura dele, apresentar outro nome e ainda cair para vice na chapa de alguém. Isso seria suicídio político

Senador petista, sob a condição de anonimato

Calendário eleitoral favorece candidatura de Lula

  • 7 de abril

    Limite para pré-candidatos que pretendem disputar as eleições se filiarem a algum partido e/ou para que ocupantes de cargos públicos do Executivo deixarem suas funções para se dedicarem à campanha. Lula já é filiado e não ocupa nenhum cargo público.

  • 18 de junho

    Divulgação pelo TSE do valor disponível no Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, que a partir deste ano bancará todas as campanhas políticas com dinheiro público. A divisão é feita proporcionalmente de acordo com a bancada dos partidos no Congresso Nacional. Como uma das três maiores legendas do país (ao lado de PSDB e MDB), o PT deve contará com um dos maiores valores do fundo para financiar a campanha presidencial.

  • De 20 de julho a 5 de agosto

    Período no qual as convenções partidárias devem oficializar a indicação de seus candidatos para todos os cargos em disputa nas eleições de 2018. A partir daí, se confirmado, Lula será o candidato oficial do PT.

  • 15 de agosto

    Essa é data limite para pedir à Justiça Eleitoral o registro de uma candidatura. Na estratégia de "esticar a corda até o fim", é a data ideal para o PT entrar com o requerimento para a candidatura de Lula e, assim, deixar os julgadores com menos tempo para decidir se aceitam o registro ou não.

  • 16 de agosto

    Começa a campanha eleitoral nas ruas, com comícios, carreatas, distribuição de material gráfico e propaganda na internet --a prisão não impede Lula de fazer campanha.

  • 31 de agosto

    Começa a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV. A legislação brasileira não impede Lula de gravar participações para os programas de TV e rádio.

  • 17 de setembro

    Limite para a Justiça Eleitoral julgar todos os pedidos de registro de candidaturas. Mesmo se tiver o registro negado pelo TSE, Lula pode entrar com recurso no STF e continuar com a campanha e a candidatura até o resultado na Corte Suprema --não há prazo para julgamento de um eventual recurso e, se demorar, seu nome será inserido na urna eletrônica. Este também é o último dia para o PT trocar Lula por outro candidato na chapa presidencial. Com o registro negado, se o partido não trocar o candidato e não houver decisão favorável a Lula no STF, todos os votos dele no primeiro turno serão computados em separado, anulados, e o segundo turno será disputado entre os outros dois candidatos mais bem votados. Se houver decisão favorável no STF e ele for bem votado, Lula disputa o segundo turno normalmente.

  • 7 de outubro

    Dia da votação em primeiro turno. No caso de algum candidato não obtenha 50% mais 1 voto dentre os votos válidos na corrida presidencial, a disputa é decidida em segundo turno (assim como nas disputas estaduais e nas cidades com mais de 200 mil eleitores) no dia 28 de outubro.

Diego Padgurschi/Folhapress

PT, o "novo velho"

O processo de "envelhecimento" do PT --no sentido de ser encarado como o "novo", uma alternativa a "tudo o que está aí"-- data desde pelo menos 2005, quando estourou o escândalo do mensalão ainda no primeiro governo de Lula. A condenação de sua principal liderança histórica também é um marco importante dessa degradação simbólica da sigla.

"A prisão de Lula marca o fim de um processo, iniciado lá atrás durante o mensalão, no qual o PT se torna apenas mais um 'partidão', sem nenhuma diferença clara em relação aos outros", afirma Roberto Romano.

"É um processo de degradação histórico pelo qual passam os partidos que nascem como novidade e ascendem ao poder. O mesmo caminho já havia sido percorrido pelo MDB e pelo PSDB, por exemplo", diz o professor de ética da Unicamp.

"Hoje, estas grandes agremiações, o PT inclusive, fecharam-se em oligarquias partidárias com interesses, próprios, completamente dissociados dos interesses da população em geral. Não representam ninguém a não ser a si mesmos", afirma o professor.

"Essa crise de legitimidade da democracia representativa, que acontece no mundo todo, traz desilusão e o risco de captura dessa insatisfação geral por um líder carismático e populista, que busca uma ligação direta com os eleitores", avalia. 

Na opinião dele, a conexão propiciada pelas redes sociais favorece este movimento. "A eleição de [Donald] Trump nos EUA e a real possibilidade de vitória de [Jair] Bolsonaro [PSL] por aqui são exemplos disso", diz Romano.

No cenário brasileiro, Romano não vê hoje nenhuma liderança partidária de estatura nacional no PT (e em nenhum partido) fora Lula.

"Assim que o Lula sair de cena, o que eu vejo é o partido se fragmentando em um aglomerado de núcleos de poder com caciques regionais, nos moldes do que acontece com o MDB e um pouco com o PSDB, sem ninguém para unificar nacionalmente", analisa. 

Vala comum na opinião pública

"Hoje a figura do partido político tradicional, como o MDB, o PSDB e o PT, está muito desgastada, não adianta trocar de nome ou fazer maquiagem", concorda o advogado Arthur Rollo. "Todos os partidões estão em uma espécie de 'vala comum' da opinião pública, ninguém faz distinção entre eles ou dá algum crédito."

"O Brasil precisa de uma nova Constituinte, um novo sistema jurídico e um novo sistema político, com novos partidos", afirma o jurista Wálter Maierovitch.

"O grande mérito da Operação Mãos Limpas [que investigou e puniu a relação de políticos com a Máfia italiana] foi ter destruído o sistema político italiano, todos os partidos foram extintos e novos tiveram de ser criados. Lá dizia-se que a cadeia era colorida com todas as bandeiras partidárias. Aqui, a Operação Lava Jato ainda não logrou destruir o sistema político e falta cor na cadeia, só temos o vermelho do PT e essa cor meio indefinida que é parte do MDB."

Essa judicialização da campanha até o final é possível, mas é muito arriscada e a chance de dar certo é muito pequena. Se forem sensatos, trocam de candidato no último momento

Guilherme Ruiz Neto, advogado de direito eleitoral

O que Lula já disse sobre sua condenação

Arte/UOL

Vitimização dificultará defesa de legado

Com a prisão, a tônica da campanha presidencial petista deve ser o aprofundamento do discurso da perseguição política e judicial a Lula. É a única forma de defender e justificar um candidato atrás das grades.

Pode funcionar, mas terá um custo: a defesa das conquistas sociais e de crescimento econômico nos governos do ex-presidente perderá força e espaço, assim como a tentativa de dissociar os dois mandatos de Lula dos de Dilma.

De acordo com o professor Malco Camargos, da PUC-MG, a questão da prisão influencia apenas no peso que a narrativa da perseguição política terá na campanha eleitoral de Lula e do partido como um todo.

"Não tivesse sido preso, seria possível focar mais a campanha no resgate do legado dos governos do Lula, buscando dissociá-los dos da Dilma", diz ele. "Com a prisão, o PT se vê obrigado a aprofundar o discurso do golpe e da perseguição política, o que vai tensionar ainda mais o ambiente eleitoral."

"É uma irresponsabilidade muito grande do Lula e do PT seguir com essa candidatura e isso tem poder para trazer ainda mais instabilidade institucional para o país, mas é exatamente o que estão fazendo", afirma o jurista Wálter Maierovitch.

"Em última instância, dependendo da votação que o Lula tiver, pode ser criada uma situação muito difícil para o TSE e o STF: se ele tiver uma vitória acachapante, seja no primeiro ou no segundo turno [caso consiga disputá-lo com uma liminar], como é que fica? Como vão explicar para os eleitores que o candidato escolhido pela população não vai assumir? Será que a população vai entender? Ou vão passar por cima da lei e tomar uma decisão política? Essa situação tem potencial para implodir de vez a democracia brasileira, vamos ver o que vai acontecer."

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