Assim como criminosos comuns se dividem por facções dentro das penitenciárias do Brasil, o mesmo ocorre no presídio militar Romão Gomes, segundo informação de promotores do MP (Ministério Público) e de juízes do TJM (Tribunal de Justiça Militar). As gangues dos PMs são os “matadores” e os “ladrões”, de acordo com o MP, que aponta que os matadores são mais respeitados dentro da prisão por matar "bandidos" ou "amigos de bandidos".
A diferença das gangues do presídio militar para as demais do Estado é que não há alas específicas para cada uma delas. Os presos estão todos juntos, mas, durante atividades, como partidas de futebol, os ânimos costumam se acirrar, apontam investigadores. À reportagem, um promotor revelou que "já ocorreu oportunidade em que um preso por homicídio, por exemplo, ajudou os PMs que exercem as funções no Romão Gomes a conter presos por outros crimes".
Um dos presos mais respeitados, segundo a Promotoria, é o soldado da Rota Fabrício Emmanuel Eleutério, condenado a 255 anos, 7 meses e 10 dias de prisão por participação em 17 das 23 mortes da maior chacina de São Paulo, ocorrida em agosto de 2015. Ele foi reconhecido por uma testemunha como um dos atiradores. Entre 2012 e 2015, ele havia sido investigado por 34 mortes na mesma região. Por ser lotado na tropa de elite da corporação e pelas acusações de homicídio, tornou-se um homem respeitado no Romão Gomes.
Segundo um promotor que investigou Eleutério, o soldado quase foi exonerado da PM –o que lhe causaria uma transferência para um presídio comum— depois de se envolver em uma briga no presídio com um PM preso por roubo. “Eu sou da Rota. Você saber o que a Rota faz com ladrão. A Rota não gosta de ladrão”, disse Eleutério durante a briga, segundo o MP.
Durante seu julgamento, em setembro de 2017, o soldado se defendeu. "Ele chegou mais forte em mim [durante um jogo de futebol], me deu uma cotovelada, houve um empurra-empurra, me mandou para aquele lugar, eu mandei de volta. Depois soube que ele tinha me denunciado."
O outro PM envolvido na briga seria da gangue dos ladrões e tinha uma única testemunha a seu favor, contra várias outras do “bonde” dos matadores. Eleutério foi inocentado da briga por falta de provas. No entanto, para o MP, isso reforça a divisão existente dentro do presídio. Apesar de ter sido condenado pela chacina de Osasco, Eleutério permanece membro da PM paulista.
Outro PM que goza de prestígio entre os presos é o cabo Victor Cristilder Silva dos Santos, condenado a 119 anos, 4 meses e 4 dias de prisão, por participação em 12 homicídios consumados na mesma chacina. Por ser da Força Tática, não da tropa de elite, é menos admirado que Eleutério, segundo o MP.
“O policial militar que mata, que se vinga, não é ladrão. Para ele [policial], ele está sendo um herói, matando ladrões ou quem tenha algum tipo de ligação [com bandidos], nem que seja apenas o bairro. Ele [acha que] é o homem de bem, que está limpando as ruas, ajudando a sociedade”, afirmou em plenário que condenou Cristilder o promotor de Justiça Marcelo Alexandre de Oliveira.
Para o juiz Luiz Alberto Moro Cavalcante, do TJM (Tribunal de Justiça Militar), “a questão do respeito, consideração e prevalência entre eles pode até haver, mas não é permitida e nem tolerada pela administração" do Romão Gomes. "É entre eles.”
Em sua tese de doutorado, o pesquisador Bruno Paes Manso, do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo), já havia detectado, em 2012, a diferença entre esse tipo de preso. “Isso faz parte da história do presídio militar. Os policiais que ficam no chamado ‘seguro’, ou seja, que precisam de maior proteção, são os ladrões, porque o matador é valorizado. Isso faz parte da cultura daquele local”, disse.
A advogada de Fabrício Eleutério, Flávia Artilheiro, afirma que isso “não expressa a realidade do ambiente em que Fabrício está inserido”. Segundo a advogada, “dividir os internos em duas categorias de supostos infratores demonstra claro desconhecimento da realidade”. Ainda segundo a defensora, “a unidade militar é referência entre os estabelecimentos prisionais do Estado, especialmente no que tange à disciplina, e jamais admitiria a formação de grupos ou facções, formal ou informalmente”.
Para o advogado de Victor Cristilder, João Carlos Campanini, ficou provado, em júri, que seu cliente “não é chefe de gangue alguma. Inclusive o júri absolveu ele disso”. “Ele [promotor] tem essa mania feia de não combater o bom combate. Ele não tem coragem de fazer suas alegações na ‘cara’ da pessoa. Depois, vai choramingar por outros meios. Para mim é um promotor medroso e covarde”, disse o advogado, que presta serviços a PMs há mais de 10 anos.
Após petição enviada ao MPM (Ministério Público Militar) sobre a suposta divisão no presídio militar, a Promotoria informou que não há investigações em curso sobre o assunto. O Romão Gomes também informou que não houve investigações sobre o assunto no local.