A última barreira

Donald Trump precisa dos votos do Colégio Eleitoral para assumir a Casa Branca

Marcelo Freire Do UOL, em São Paulo
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O extenso processo eleitoral americano tem seu último capítulo em 19 de dezembro, quando os 538 membros do Colégio Eleitoral, chamados 'grandes eleitores', revelarão os votos que deverão confirmar a presidência de Donald Trump, vencedor da eleição contra Hillary Clinton em 8 de novembro.

O resultado, em tese, já é conhecido: Trump tem 306 votos contra 232 de Hillary. Mas três grandes eleitores democratas iniciaram um movimento para convencer colegas republicanos a rejeitar Trump em prol de um 'republicano alternativo', como John Kasich.

Pela Constituição, os membros do Colégio Eleitoral podem votar em outro nome. Mas até pelo vínculo dos grandes eleitores com os partidos, isso se torna praticamente impossível.

O UOL ouviu dois membros do Colégio Eleitoral: Bret Chiafalo, de Washington, um dos articuladores do movimento anti-Trump, e o republicano Brian Westrate, de Wisconsin. Eles revelam a última barreira que Trump deve romper para chegar à Casa Branca.

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Bret Chiafalo

Partido: Democrata
Idade: 37 anos
Profissão: técnico de engenharia na Microsoft

É um dos 12 grandes eleitores de Washington. Votou em Bernie Sanders na primária democrata. Chiafalo foi escolhido para o Colégio Eleitoral por meio de um caucus em seu distrito estadual. Diz que se envolve com a política como cidadão e nunca ocupou cargo público.

Como surgiu este movimento que vocês chamam de 'Hamilton Electors', que tenta convencer os republicanos a votarem em outro candidato que não seja Donald Trump?

Esse é algo sem precedentes na história americana, com grandes eleitores de diferentes Estados se juntando. Eu e Michael Baca, do Colorado, conversamos na noite da eleição e decidimos fazer isso porque, quando o Colégio Eleitoral foi criado pelos fundadores da Constituição, teve duas intenções: que todos os Estados estivessem bem representados e que candidatos que não fossem aptos para assumir a Presidência pudessem ser barrados. O nome 'Hamilton Electors' é uma alusão ao fundador Alexander Hamilton, um dos idealizadores do sistema.

Antes da eleição eu estudei muito sobre o Colégio Eleitoral e vi que muitos grandes eleitores não entendem que têm o direito garantido pela Constituição de votar em quem eles acharem melhor. É uma espécie de 'sistema de emergência', justamente para impedir que um cara como Donald Trump seja eleito. A imensa maioria dos americanos não entende e nem sabe disso, e eles precisam conhecer a história. Nosso sistema é estruturado e está escrito na Constituição dessa maneira.


Vocês precisam conseguir convencer pelo menos 37 grandes eleitores republicanos a escolher outro nome, como John Kasich, para impedir a confirmação da eleição de Trump. Você acha que é possível? Como convencê-los a fazer isso?

Acho que é possível. É uma chance pequena, mas real. A meta é atingir eleitores republicanos que não gostem de Donald Trump e desconfiam dele. Achamos que se pudermos educar 37 eleitores republicanos sobre o Colégio Eleitoral, eles entenderão e votarão em outro nome. Veja, sou liberal, apoiei Bernie Sanders. Se eu me comprometo a apoiar e votar em um republicano mais moderno, essa pessoa não fará políticas que eu goste. Mas ainda prefiro isso ao Trump. Tenho muitos amigos muçulmanos, negros, e também brasileiros, e essas pessoas têm algo a temer com Trump no poder. Racistas e brancos supremacistas tentarão aterrorizá-los. Quero fazer tudo que posso para que eles se sintam seguros no país.


Depois de ser eleito, Trump começou a recuar de algumas propostas mais radicais que lançou na campanha. Você acha que a mudança de discurso, agora mais conciliatório, não inviabiliza essas chances?

Não, porque as pessoas ouviram o que ele disse nos últimos 18 meses. Mesmo que mude o discurso agora, não altera o fato que ele deu poder a pessoas, uma pequena parcela de seus apoiadores, que são racistas, brancos supremacistas e promovem o ódio. Independentemente de qual Trump a gente tenha como presidente, essas pessoas ainda pensarão que está tudo bem em atacar as pessoas por causa de sua raça ou religião.


Vocês não temem uma reação violenta de seguidores do Trump caso a estratégia funcione?

Se um candidato republicano alternativo fosse selecionado, acho que os apoiadores do Trump ficariam tristes, só que isso não seria duradouro ou significativo. Eles ainda teriam um presidente republicano que indicará juízes conservadores à Suprema Corte e vai desfazer muitas coisas que Obama fez.

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Brian Westrate

Partido: Republicano
Idade: 38 anos
Profissão: gerente de uma pequena empresa

É um dos 10 grandes eleitores de Wisconsin. Votou em Ted Cruz na primária republicana. É diretor regional do partido de seu distrito e foi indicado para o Colégio Eleitoral por membros desse distrito. "Aqui, são eles quem decidem, por meio de uma convenção, e contatam a pessoa por telefone para convidá-la", diz

Um grupo de democratas tenta impedir a eleição de Trump sob o argumento de que o Colégio Eleitoral foi criado justamente para discutir a aptidão do presidente antes de referendar o voto do cidadão comum. O que você acha?

É importante dizer que quando o sistema foi escrito, não havia comunicação em massa - era por meio de cartas, enviadas por homens a cavalo. Nada viajava mais rápido que o cavalo. Na história dos EUA, nenhuma eleição foi alterada no Colégio Eleitoral. Nem naquela época se desrespeitou a vontade das pessoas. Existe o argumento de que os grandes eleitores conhecem mais política do que o cidadão comum. Talvez exista um pouco de verdade nisso - eu acabo sabendo mais sobre um candidato simplesmente porque me envolvo mais com o assunto -, mas vivemos num mundo com transmissão instantânea de informação. Não dá para dizer que sei coisas sobre o Donald Trump que o cidadão comum não sabe.


Em alguma circunstância, existiria a possibilidade de você não votar de acordo com a população do seu Estado?

Sim, poderia haver exceções. Se ficasse provado que o Donald Trump não nasceu nos Estados Unidos ou cometesse algo como um assassinato até o dia em que eu darei meu voto. Claro que há possibilidades, mas seria sob circunstâncias extremas. Nunca porque pessoas que não votaram nele no dia da eleição agora não querem que ele seja presidente - isso é natural. Tenho milhares de pedidos para mudar meu voto, normalmente vindos da Califórnia ou de Nova York. Acho legal essas pessoas se envolverem e me importo com o bem delas, mas não com suas opiniões. Elas não são nem de Wisconsin. Trump recebeu mais de 1,4 milhão de votos no meu Estado, e estou no Colégio Eleitoral para representá-lo.

Você votou em Trump nas primárias republicanas? Acha que ele será um bom presidente?

Nas primárias, apoiei o governador do Wisconsin, Scott Walker, e depois Marco Rubio. Quando houve a votação no meu Estado, havia apenas Ted Cruz e Trump e votei no Cruz. Trump foi minha última opção. Mas depois que ele foi escolhido na convenção republicana, me tornei um apoiador 100% dele, porque acho que será um bom presidente - e muito melhor do que seria Hillary Clinton. Trump tem tudo para ser um ótimo presidente, porque tem condições para isso e é uma pessoa de fora da política, com ideias novas. Ele também tem chance de ser um presidente medíocre. Mas não acho que será, de jeito nenhum, um presidente terrível.


Wisconsin não escolhia um candidato republicano desde 1984, na reeleição de Ronald Reagan. Por que o Estado mudou de lado?

O Estado é basicamente rural, com fazendeiros no interior, e tem um grande número de trabalhadores da classe operária em locais como a capital Milwaukee. Acho que essas pessoas se cansaram de ouvir o governo dizendo como devem viver suas vidas, e por isso votaram no Trump. Pessoas de classe média que trabalham duro - encanadores, eletricistas, professores, policiais, que basicamente acordam cedo, criam suas famílias e vão à igreja e ao trabalho, se sentiram ignoradas pela classe política. São pessoas que possivelmente votaram nos democratas a vida inteira e trocaram dessa vez porque o Trump é um 'outsider', enquanto Hillary representa uma classe política corrupta. Bill [Clinton] e Hillary são políticos há 40 anos e têm muitos escândalos de corrupção no passado.

Que colégio é este?

O Colégio Eleitoral dos Estados Unidos foi estabelecido na Constituição do país, de 1787, e diverge do tradicional sistema de votação popular, onde o candidato mais votado no pleito automaticamente vence a eleição. Duas características fundamentam essa diferença:

Primeiro, o Colégio Eleitoral divide seus 538 membros levando em conta a população dos 50 Estados e da capital Washington. Como em quase todo o país (Maine e Nebraska são as exceções) o candidato que vence em um Estado leva todos os grandes eleitores respectivos no Colégio Eleitoral, o resultado geral das urnas fica em segundo plano. Isso permite a um candidato ganhar no voto popular e perder no Colégio Eleitoral - o que aconteceu com Hillary Clinton em 2016.

Essa característica fortalece o poder dos Estados, que se tornam protagonistas no processo, e condiz com a estrutura política norte-americana, onde o governo federal tem menos poder legislativo do que em países como o Brasil. Os Estados norte-americanos, por exemplo, regulam leis próprias sobre proibição ou legalização da maconha.

Na prática, o Colégio Eleitoral também dá mais força a Estados rurais e menos populosos do interior do país, apesar da divisão proporcional. A comparação entre os Estados mais e menos populoso mostra isso: Wyoming tem 0,18% da população do país (586 mil) e 0,55% de representatividade no Colégio Eleitoral (3 grandes eleitores); na Califórnia, com 12,6% da população norte-americana (39 milhões), a representatividade no Colégio Eleitoral cai para 10,2% (55 grandes eleitores).

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Segundo, a intenção dos criadores do Colégio Eleitoral também foi de referendar a escolha feita pela população e impedir a eleição de candidatos que os grandes eleitores considerassem não-aptos para assumir a Presidência - como alegam, em 2016, os opositores de Donald Trump.

Mas nas 58 eleições presidenciais da história do país, nunca o Colégio Eleitoral alterou o resultado da votação geral. Houve casos isolados de grandes eleitores contrariando o voto da população de seu Estado - por causa de erros, ou como forma de protesto - sem, no entanto, desequilibrar a disputa num nível que alterasse de fato a escolha do presidente.

Nesse contexto, o movimento anti-Trump busca dar um protagonismo inédito para essa instituição complexa e abstrata. Tão abstrata que não possui sede física; os membros do Colégio Eleitoral se reunirão no dia 19 de dezembro e darão seus votos em seus próprios Estados.

Você é a favor ou contra o sistema do Colégio Eleitoral?

Sou contra. Mas antes de pensar em extingui-lo, precisamos explicar aos americanos como ele funciona. Vamos usá-lo, não mexeremos nele agora

Bret Chiafalo, grande eleitor democrata do Estado de Washington

Sou a favor. Assim, o presidente precisa prestar atenção para o país inteiro em vez de governar apenas para as populações das grandes cidades

Brian Westrate, grande eleitor republicano do Estado de Wisconsin

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