Cassada, com direitos

Após impeachment, Dilma pode concorrer a cargos como de senadora ou prefeita?

Felipe Amorim, Gabriela Voskelis e Gustavo Maia Do UOL, em Brasília e no Rio
Arte UOL
Pedro Ladeira/Folhapress Pedro Ladeira/Folhapress

O que pode e o que não pode?

Dilma Rousseff (PT) sofreu o impeachment e agora é ex-presidente da República. Entretanto, o Senado manteve os direitos políticos da petista --diferentemente do que aconteceu com Fernando Collor de Mello, hoje senador pelo PTC-AL, que sofreu impeachment em 1992 e ficou inelegível por oito anos.
 
A abrangência da manutenção dos direitos políticos é polêmica: senadores de oposição levantaram em plenário a questão de que, sofrido o impeachment, Dilma seria enquadrada como ficha suja e, portanto, não poderia se candidatar a cargos elegíveis. Senadores dilmistas afirmam que a petista preserva o direito de disputar eleições, votar e ocupar postos na administração pública. Professores de direito constitucional e eleitoral ouvidos pelo UOL não veem a questão com consenso e dizem que há pontos a serem esclarecidos.

Afinal, Dilma está inelegível?

  • "SIM"

    Na opinião de Carlos Eduardo Gomes Callado Moraes, advogado das áreas de Direito Eleitoral e Administrativo e professor da EPD (Escola Paulista de Direito), o Senado tornou a agora ex-presidente inelegível. "Essa é outra lei, a Lei complementar 6.490, que fala que os cassados por crime de responsabilidade estão inelegíveis por oito anos. Essa pena da inabilitação é automática. O que eles [senadores] tentaram fazer ali foi uma manobra jurídica, um jeitinho brasileiro para não apená-la tão duramente", declarou. Para Moraes, a inelegibilidade se verifica, no entanto, apenas no momento em que a pessoa registra a candidatura.

  • "NÃO"

    Para o professor de direito constitucional da USP (Universidade de São Paulo) Rubens Beçak, Dilma mantém "todos os direitos de qualquer cidadão normal". "Ela pode votar, ser votada, participar de partidos políticos em cargos de direção, comícios, ser nomeada para cargos públicos", explicou. No entendimento do jurista, a presidente tem condições, inclusive, de concorrer nas eleições de 2018, mas "vai ter que haver uma consulta ao STF". Beçak interpretou a decisão como fruto de uma questão política: "Afastou-se, como queriam fazer, mas na hora de fazer uma condenação política, aceitaram a tese da defesa. Foi completamente heterodoxo".

  • "INCERTO"

    A professora de direito constitucional da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Vânia Aieta, que também atua como advogada na área do direito eleitoral, afirmou que a decisão "pioneira" dos senadores abre espaço para intepretações diversas e incertezas. A jurista disse acreditar que, em tese, Dilma pode concorrer a qualquer cargo e que não seria enquadrada na Lei da Ficha Limpa, por exemplo. "Várias questões alcançadas pela Lei da Ficha Limpa dependem da interpretação do caso concreto. Eu vejo muita possibilidade de que a lei não alcance essa condenação [o impeachment]", afirmou Aieta.

O que dizem os advogados do processo

Ela não está enquadrada na Lei da Ficha Limpa, a meu ver. Logo, pode ser candidata.

José Eduardo Cardozo

José Eduardo Cardozo, advogado de defesa de Dilma

Ela está inviabilizada de ser candidata. Se aplica porque lá está estabelecido que é condenação por órgão colegiado, e aqui é um órgão colegiado.

Miguel Reale Junior

Miguel Reale Junior, um dos autores do pedido de impeachment

Quem decide

Por seu ineditismo, a questão é controversa e cercada de dúvidas. E, por isso, deverá parar no Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte do Brasil, que julga questões constitucionais. É esse o entendimento de especialistas em direito constitucional e eleitoral ouvidos pelo UOL.

Para Carlos Eduardo Gomes Callado Moraes, essa questão só começa a se concretizar caso Dilma tente se candidatar: "A inelegibilidade se verifica apenas no momento em que a pessoa registra a candidatura. Apenas no processo de candidatura verificaremos se ela está inelegível ou não".

"Quem vai dirimir essa dúvida é o Supremo", disse Ricardo Ismael, professor de ciência política da PUC-Rio. "Até porque a jurisprudência poderia ser usada em outros casos." Durante manifestação na sessão da votação final do impeachment, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que "as portas do Supremo estão abertas".

O que acontece com Dilma?

  • O que vai fazer?

    Segundo a colunista da "Folha de S.Paulo" Mônica Bergamo, a ex-presidente estuda passar alguns meses em países da América do Sul. A intenção não foi confirmada por assessores de Dilma.

  • Dilma mantém algum benefício?

    Apesar do impeachment, como ex-presidente, Dilma vai manter os direitos atribuídos aos antigos ocupantes do cargo: dois carros com motorista e seis assessores pagos pelo governo federal. O ex-presidente Fernando Collor, o primeiro a sofrer impedimento no país, também usufrui das benesses.

  • Onde ela vai morar?

    A petista terá que desocupar a residência oficial da Presidência, em Brasília, e deve voltar a morar em Porto Alegre --lá, vivem sua filha e seus netos, e a ex-presidente também tem um apartamento. O prazo para desocupar o Palácio do Alvorada deve ser de um mês, um período visto como adequado pela equipe do governo. Após a mudança, Temer poderá deixar a residência oficial de vice e se mudar para lá.

  • Quem paga a mudança de Dilma?

    Nem o Planalto nem assessores próximos a Dilma souberam dar uma resposta definitiva sobre a questão, e o provável é que a mudança seja negociada com o governo Temer. Ex-presidentes tiveram a mudança custeada pela União.

  • Dilma leva os presentes que ganhou na Presidência?

    Ela deve ficar com seu acervo pessoal, que contém de documentos a presentes recebidos de cidadãos, empresas e entidades. Os mimos dados por representantes de outros países pertencem à União.

Pedro Ladeira/Folhapress e Arte/UOL Pedro Ladeira/Folhapress e Arte/UOL

O pior já passou?

André Borges/Folhapress André Borges/Folhapress

Outras batalhas na Justiça

Há investigações em curso sem relação direta com o impeachment, mas que podem complicar a vida de Dilma na Justiça. No STF, o ministro Teori Zavascki autorizou a abertura de inquérito para apurar se ela atuou com intenção de atrapalhar a Operação Lava Jato. Entre atos para embaraçar a operação, estaria a nomeação do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil. Dilma e Lula sempre negaram que tentaram obstruir a operação. Com a perda do cargo no Executivo, Dilma deixa de ter o direito de ser julgada apenas pelo STF.

Maria Luisa Guido/Reprodução Facebook Maria Luisa Guido/Reprodução Facebook

Julgamento das pedaladas

Existe um outro inquérito para apurar se a prática das chamadas "pedaladas fiscais" como um caso de improbidade administrativa. Essa investigação ainda não foi concluída e não tem Dilma como investigada, mas ministros e servidores do governo. Os mesmos fatos que levaram ao impeachment --pedaladas e decretos orçamentários sem autorização do Congresso-- causaram a rejeição das contas de 2014 do governo federal pelo TCU. O tribunal recomendou ao Congresso que reprove a contabilidade. Se isso acontecer, a ex-presidente pode ficar oito anos inelegível

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