Saúde sem remédio

Superficiais, programas de governo de presidenciáveis não trazem soluções para a saúde, dizem pesquisadores

Wanderley Preite Sobrinho Do UOL, em São Paulo
Agência Brasil

Principal preocupação dos brasileiros, a saúde não recebeu a atenção esperada dos candidatos à Presidência da República em seus programas de governo, considerados “genéricos, superficiais e omissos”. A conclusão é de três professores de saúde pública que avaliaram as propostas que os presidenciáveis entregaram ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Um dos pesquisadores, Mario Scheffer, professor do departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, ficou com a impressão de que os programas “foram feitos para cumprir a obrigação de apresentar o documento como pré-requisito ao registro de candidatura”. “Em países em que a eleição é levada a sério, o programam de fato contém o que os partidos e candidatos têm como prioridade se ganharem a eleição.”

Scheffer lamenta a omissão de assuntos que mobilizam a opinião pública, como a legalização do aborto e a necessidade de combater o alcoolismo. Os candidatos também decepcionaram ao não apresentarem propostas para melhorar a qualidade dos serviços de saúde.

Um dos grandes problemas é a fila, a dificuldade de acesso e atendimento. Também faltam médicos e remédios e há demora na atenção ambulatorial especializada. A fila de exames e consulta com especialistas são outros problemas do sistema. Os programas não falam como resolver isso.

Mario Scheffer, professor do departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

A boa notícia é que os candidatos se comprometem com a “expansão do SUS” e, com exceção de dois candidatos, todos defendem aumento de verba para a saúde.

Veja as principais propostas dos candidatos:

Marcelo Fonseca/Folhapress Marcelo Fonseca/Folhapress

Recursos para a saúde

Quando o assunto são os recursos federais para o setor, só Bolsonaro e Amoêdo são contrários ao aumento de verba. O estudo afirma que Ciro Gomes (PDT), Cabo Daciolo (Patriota), Henrique Meirelles (MDB) e Marina Silva (Rede) são generalistas demais sobre o assunto, enquanto Guilherme Boulos (PSOL) sugere “aumentar o financiamento federal de 1,7% para 3% do PIB (Produto Interno Bruto)". João Goulart Filho (PPL) quer “dobrar” o orçamento em quatro anos, enquanto o Fernando Haddad (PT) fala em “6%” do PIB (Produto Interno Bruto) para a saúde pública.

Marina promete “reverter a tendência de retração de recursos federais”, enquanto os programas de Boulos, Ciro, Goulart Filho e Haddad falam em revogar a Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os gastos com saúde e educação.

Boulos, Ciro e Daciolo ameaçam rever os subsídios e desonerações fiscais às operadoras de saúde, enquanto o programa petista quer os recursos do pré-sal para financiar o SUS.

Os únicos que propõem o oposto são Bolsonaro e Amoêdo, para quem os gastos com o setor já são “excessivos”. Segundo os pesquisadores, “Bolsonaro fundamenta seu diagnóstico em dados mal interpretados de um gráfico comparativo de países desatualizado e sem legenda”.

Outros três candidatos “são omissos em relação ao financiamento do SUS”: Geraldo Alckmin (PSDB), Álvaro Dias (Podemos) e Eymael (DC).

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Aborto

Tema em discussão em diversos países do mundo, como a Argentina, o aborto passou ao largo da maioria dos programas de governo. A omissão da palavra aborto nos programas de Ciro e Haddad “sugere pouca atenção dos partidos políticos aos principais problemas de saúde do país”, escrevem os professores.

Os únicos a mencionar a “descriminalização do aborto” são João Goulart Filho e Guilherme Boulos.

A impressão é que os candidatos não querem entrar em assuntos que dividem opinião, que podem tirar votos. É ruim não saber a proposta dos candidatos sobre esse assunto, uma omissão dos programas.

Mario Scheffer, professor do departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

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Planos de saúde

Enquanto Ciro Gomes sugere a necessidade de melhorar a gestão dos planos, Boulos promete “limitar” a oferta de convênios que exijam pagamento de franquia, pede auditoria das dívidas das operadoras com o SUS e a proibição de investidores estrangeiros nesse mercado.

O programa do PT critica a “criação de planos populares de saúde” por “afrontar” a universalidade do Sistema Único de Saúde. Já Daciolo quer o “fim dos subsídios públicos aos planos e seguros privados de saúde”.

Daniel Guimarães/Folhapress Daniel Guimarães/Folhapress

Hospitais filantrópicos

O papel dos hospitais privados e filantrópicos consta em seis programas de governo. Ciro e Daciolo propõem corrigir os valores pagos ao SUS para, assim, comprar serviços do setor privado e filantrópico. Meirelles quer “a recuperação financeira dos hospitais filantrópicos e Santas Casas”, enquanto Boulos só pretende manter a isenção fiscal das unidades que atenderem exclusivamente o SUS.

Marina deseja incluir esses hospitais na rede pública, enquanto o programa do PSDB propõe credenciar ambulatórios e hospitais “amigos do idoso”.

“Divergências ente os candidatos gravitam em torno da gestão direta ou terceira de serviços de saúde”, diz o estudo ao se referir às OSs (Organizações Sociais). Para Goulart Filho e Boulos, elas são ineficientes, enquanto Amoêdo defende a “ampliação das parecerias público-privadas e terceiro setor para a gestão de hospitais”.

Haddad pretende manter as OSs, mas aumentar o controle governamental sobre elas.

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Medicamentos

Boulos e Ciro propõem revisar as normas de propriedade intelectual. A ideia é fabricar no Brasil medicamentos hoje encarecidos pela proteção de patentes.

O programa de Haddad defende a “ampliação do programa Farmácia Popular”. Marina quer oferecer contraceptivos em farmácias populares, enquanto Álvaro Dias promete “medicamentos genéricos sem impostos até 2022”.

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Médicos sem concurso

Dos 13 programas, cinco sugerem a contratação de mais médicos e sua melhor distribuição pelo Brasil.

Marina quer fixar profissionais “em localidades remotas”, proposta parecida com a de Haddad, que defende o aprofundamento de outra bandeira petista, os Mais Médicos.

Ciro quer contratar profissionais generalistas, enquanto Bolsonaro promete incluir um professor de educação física nos programas de atenção básica. Marina prefere contratar nutricionistas.

A proposta mais polêmica também é do candidato do PSL. Bolsonaro pede o “credenciamento universal de médicos”, que seriam contratados e pagos por demanda. “Os médicos seriam profissionais liberais que atenderiam em seus consultórios, remunerados pelo governo por cada atividade.”

Indranil Mukerjee/AFP Indranil Mukerjee/AFP

Prevenção

De acordo com o documento elaborado pelos especialistas em saúde, as ações preventivas são “quase sempre genéricas”, sem propostas que superem diferenças sociais. Henrique Meirelles e Eymael vinculam a prevenção “à redução de gastos com saúde”.

O PT propõe taxar sal, açúcares, gorduras e tabaco. Marina quer reduzir a poluição do ar e agrotóxicos nos alimentos, ideia também defendida por Boulos. Já Bolsonaro “propõe pontualmente o exercício físico”.

Ricardo Borges/UOL Ricardo Borges/UOL

Organização do sistema de saúde

A maioria dos candidatos defende investimentos em atenção básica, como criação de UBS (Unidade Básica de Saúde) e saúde da família. Alckmin e Haddad prometem a incorporação de especialidades à atenção básica. Na contramão, surge Álvaro Dias, para quem a organização da assistência à saúde começa nos postos de pronto atendimento e emergência.

Marina quer uma rede articulada de serviços públicos, filantrópicos e privados, além de integrar a saúde mental à atenção básica.

Haddad, Ciro e Marina propõem ampliar o serviço móvel de urgência e emergência, como o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Boulos, Marina e Haddad falam em “expandir” os cuidados à saúde mental.

Todos defendem a expansão da rede básica: a ideia é estruturar a saúde a partir da rede primária, da saúde preventiva. Não é inovador, mas o compromisso unânime é importante.

Mario Scheffer, professor do departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

Pablo Jacob/Ag. O Globo Pablo Jacob/Ag. O Globo

Regionalização

Prevista na Lei 8.080/90, a regionalização da saúde – quando um grupo de municípios é atendido por uma rede de saúde em comum – foi mencionada por alguns candidatos.

Marina defende “dividir o país em cerca de 400 regiões de saúde com gestão compartilhada entre União, estados e municípios”. Haddad fala em “fortalecer a regionalização dos serviços de saúde”, enquanto Álvaro Dias, Amoêdo e Ciro querem consórcios intermunicipais ou regionais, quando cidades se unem para cuidar de determinado assunto em comum.

Para Scheffer, a defesa da regionalização da saúde é uma boa notícia, embora ninguém apresente “como fará isso, de onde vai tirar os recursos e como será a articulação com estados e municípios”.

O médico conclui que “os dirigentes são motivados por interesses não expressos no programa, mesmo aqueles com boas intenções”. “Há unanimidade com o SUS, mas em nome da governabilidade e alianças, o interesse passa a ser particular depois que se ganha a eleição.”

Além de Mario Scheffer, participaram do estudo a professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), Ligia Bahia, e a professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Fiocruz), Ialê Falleiros Braga.

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