Caça ao tesouro

Escavações em reserva ambiental de litoral de Alagoas colocam em risco mangue e preservação histórica

Aliny Gama Colaboração para o UOL, em Piaçabuçu (AL)
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A ressaca do mar descobriu uma área de mangue que contém “tesouros” escondidos na praia do Peba, litoral do município de Piaçabuçu (a 134km de Maceió). Escavando, moradores encontraram moedas antigas, joias, pedaços de cerâmicas e louças e até o dente fóssil de um animal de 11 mil anos.

A descoberta tem levado dezenas de pessoas a fazer escavações na área de proteção ambiental, o que coloca em risco o manguezal e o passado arqueológico ali enterrado. 

O local da caça ao tesouro está dentro da APA (Área de Proteção Ambiental) de Piaçabuçu, criada em 1983, para preservar os 9.114 hectares de microfauna, entre os municípios de Feliz Deserto e Piaçabuçu. Na APA estão a foz do rio São Francisco, dunas, mangues, aves migratórias costeiras e desova de tartarugas marinhas.

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De boca em boca

Há duas semanas, o morador da praia do Peba, Tone Madson Melo Barros, 37, vai diariamente na maré baixa, quando o mangue aparece, procurar relíquias. 

“Quando eu soube que um amigo encontrou uma moeda inglesa, resolvi ir ao local para procurar objetos. Para minha surpresa, só usando as mãos, fui encontrando as moedas, as cerâmicas, as louças, um pedaço de uma corrente de ouro e uma aliança com brilhantes. O mais incrível foi esse dente pré-histórico”, conta Barros.

Ele afirma ter interesse em criar uma espécie de museu na cidade, para impulsionar o turismo. 

Contudo, o fluxo de pessoas na área parece buscar mesmo peças preciosas. No dia 10, a reportagem do UOL esteve na praia e viu dezenas de pessoas escavando o mangue. Em lugar proibido, nenhuma quis informar se havia encontrado objetos de valor.

 

 

 

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Rainha

Entre os achados de Tone Barros estão 22 moedas da época do Brasil colônia, pedaços de cerâmicas e louças antigas. O material veio à tona após ressacas marinhas que aflorou uma camada de uma antiga floresta de mangue.

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Joias

Essa aliança cravejada em brilhantes também foi achada na área. Moradoras antigas, Antônia Silva, 90, e Conceição Silva, 99, acreditam que ?botijas de moedas de ouro? foram enterradas no local antes de 1822.

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História colonial sendo levada

O biólogo e professora da Ufal, Cláudio Sampaio, observa que, além dos objetos antigos encontrados, há presença de restos de troncos fossilizados e moluscos que reforçam a identificação do local como um manguezal antigo.

Na época do Brasil Colônia a área próxima ao rio São Francisco era usada por embarcações e que existia um comércio no local, que podem justificar a presença das moedas e louças antigas.

Pesquisadores precisam isolar a área e iniciar estudo para tentar entender o que aconteceu no manguezal ao longo do tempo com o dinamismo da maré. Os naufrágios de embarcações na época do Brasil Colônia no litoral sul de Alagoas podem explicar a presença dessas moedas e pedaços de louças, que são típicas usadas em barcos.”

A engenheira de pesca e professora da Ufa, Taiana Kramer observa que no mangue descoberto na praia do Peba existem várias camadas de depósito de objetos colocadas em tempos diferentes.

“É necessário estudo da área para saber o que ocorreu ali para haver esse depósito de objetos diferentes e de idades também diferentes. As correntes marinhas podem explicar esse depósito de objetos no local, mas precisamos estudar como ocorreram e porque pararam ali”, explica a professora da Ufal do Campus Penedo.

Material é da União, mas quem fiscaliza?

Apesar de serem materiais arqueológicos, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) afirmou que não é de sua competência preservar o local e recolher o material que foi encontrado pelos moradores no mangue. O órgão afirmou que a Marinha do Brasil seria a responsável por se tratar de bens submersos.

“Esse material pertence à União e a população não deve fazer a retirada, pois trata-se de crime, nos termos da Lei 3924/1961”, informa o Iphan, destacando que já notificou a Marinha do Brasil para que seja feita a fiscalização, de acordo com a lei nº 7542/1986.

Apesar de estar dentro de uma APA (Área de Proteção Ambiental), o ICMBio diz que fiscaliza a área terrestre apenas até o limite da água do mar.

Por sua vez, a Marinha do Brasil, por meio da Capitania dos Portos de Alagoas, negou que a área da praia do Peba pertence à instituição por se tratar de “área de marinha" e não "da Marinha" porque não contém organizações militares e áreas de interesse das Forças Armadas.

No entanto, a Marinha em nota informou que a Capitania dos Portos vai enviar uma equipe de Inspeção Naval ao local para levantar dados que possam contribuir para avaliar a possível causa da chegada do material àquela praia. Entretanto, a data da inspeção não foi informada.

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