As duas operações irregulares sobre as quais o UOL teve acesso aconteceram em 2010. No início daquele ano, três trabalhadores rurais oriundos da Bahia conseguiram fugir de uma fazenda na região cafeeira do Espírito Santo e reportaram às autoridades baianas que outros colegas estavam sendo submetidos à situação análoga à escravidão no Estado vizinho.
A denúncia feita pelo trio deu origem a uma série de fiscalizações e ao resgate de dezenas de trabalhadores em situação similar.
Uma delas aconteceu no dia 12 de maio de 2010. Naquele dia, fiscais do MTE chegaram à fazenda Barra Seca, no município de Jaguaré, interior do Espírito Santo. A fazenda, segundo os autos de infração lavrados pelo ministério, era de propriedade dos irmãos Luiz Carlos e Osmar Brioschi. À época, Luiz Carlos era secretário municipal de Agricultura de Jaguaré.
Lá, os fiscais encontraram 20 trabalhadores rurais submetidos à situação análoga à escravidão. Entre as irregularidades encontradas por eles estava o fato de que as carteiras de trabalho haviam sido retidas pelos empregadores, prática comumente adotada nesse tipo de caso para impedir que o empregado deixe a fazenda.
Ainda segundo os fiscais, os trabalhadores, oriundos do interior da Bahia, teriam sido obrigados a pagar por uma compra inicial de alimentos feita pelo empregador e pelas passagens de ida até o Espírito Santo, o que é conhecido na legislação como "servidão por dívida".
Ao encontrarem os fiscais, os trabalhadores insistiram para que eles também fiscalizassem o alojamento em que eram mantidos. Chegando lá, encontraram o grupo alojado em duas casas na zona urbana de Jaguaré. As duas casas estavam em "ruínas".
"Faltavam portas, havia apenas um banheiro para todas as pessoas [e havia] alimentos jogados pelo chão", disse um dos fiscais.
Os irmãos recorreram das infrações aplicadas pelo MTE alegando que jamais utilizaram mão de obra escrava em sua propriedade. Os recursos, porém, foram negados e, no dia 30 de dezembro de 2011, seus nomes foram formalmente incluídos na chamada lista suja do trabalho escravo.
Menos de um mês depois, porém, contrariando as regras do Banco Central, Osmar e Luiz Carlos conseguiram dois empréstimos totalizando R$ 60 mil. O dinheiro saiu de duas linhas de crédito diferentes e foi liberado pela cooperativa CCLA Leste Capixaba, uma instituição financeira ligada ao Sicoob.
Procurada, a CCLA Capixaba disse que foi comunicada pelo Banco Central sobre as operações envolvendo os irmãos Brioschi em agosto de 2012, um ano e meio depois da liberação do empréstimo. A instituição disse que fez a liquidação imediata dos empréstimos e que comunicou as providências ao BC.
Segundo a CCLA Capixaba, os empréstimos foram concedidos porque a análise de crédito dos irmãos Brioschi foi feita dias antes da inclusão dos seus nomes na lista suja do trabalho escravo.
"O fato foi ocasionado em função de a análise do crédito ter sido realizada nos primeiros dias de dezembro de 2011 [...] durante o processo de contratação, houve a inclusão dos nomes na lista [...] quando o crédito foi liberado, em janeiro de 2012, não foi realizada nova análise. Atualmente, a lista é verificada novamente nesta etapa", disse o banco.
Procurado, Osmar Brioschi disse por telefone que não iria comentar o assunto. A reportagem tentou, entre os dias 28 de abril e 2 de maio, contatar por telefone Luiz Carlos Brioschi, mas as ligações não foram atendidas.
O advogado dos irmãos Brioschi, Geovalte Lopes de Freitas, afirmou que os dois não violaram a legislação trabalhista e que as denúncias que levaram à autuação feita pelo MTE tiveram motivações políticas. "O Luiz Carlos tinha um cargo público na época. Quem fez essa denúncia era adversário político. Eles jamais usaram mão de obra escrava", disse.
As infrações registradas pelos fiscais deram origem a um processo criminal que tramita na Justiça Federal do Espírito Santo. Em primeira instância, Osmar foi condenado a três anos de prisão, pena revertida em prestação de serviços à comunidade e pagamento de multa. Mesmo assim, sua defesa recorreu. O caso tramita agora na segunda instância da Justiça Federal capixaba.