As crianças da guerra

3,3 milhões de crianças vivem em áreas com risco de bombardeio na Síria, que enfrenta guerra há 7 anos

Carolina Ingizza Do UOL*, em São Paulo
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Sete anos de guerra

Crianças sírias de sete anos não conhecem a vida longe da guerra. Desde o dia 15 de março de 2011, uma guerra civil complexa, financiada por potências mundiais, assola a Síria.

Estima-se que hoje 3,3 milhões de crianças vivam em áreas com risco de explosões e bombardeios no país, segundo a Unicef. Além disso, cerca de 1 milhão e 750 mil crianças sírias estão fora da escola hoje. 

O ano passado foi o mais mortífero entre os pequenos: 910 crianças morreram no país por causa da guerra civil, o maior número até então.

A Síria é um dos lugares mais perigosos do mundo para ser uma criança hoje.

Geert Cappelaere, Diretor regional da Unicef para Oriente Médio e Norte da África

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Os dois primeiros meses de 2018, no entanto, já quase se igualaram ao ano anterior, com cerca de mil crianças reportadas como mortas ou feridas.

Se o nível de violência continuar no mesmo ritmo pelos próximos meses, este vai ser o ano mais mortal para as crianças sírias desde o início da guerra.

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"Inferno na Terra"

Hoje, um dos principais focos de violência na Síria é o enclave rebelde de Ghouta Oriental, região perto da capital Damasco onde vivem cerca de 420 mil pessoas. Desde o dia 18 de fevereiro, as forças do governo Assad e seus aliados têm bombardeado a região constantemente.

Para Henrietta Fore, diretora da Unicef, o enclave hoje é “um inferno na Terra” para as quase 200 mil crianças que vivem ali.

Os bombardeios são incessantes, as crianças estão vendo mortes e mutilações todos os dias. Agora há falta de água e comida, o que indica que as doenças vão se proliferar.” 

Henrietta Fore, no dia 8 de março

A organização Médicos Sem Fronteira diz que 15 dos 20 hospitais que atendiam a região de Ghouta Oriental foram atingidos por bombardeios aéreos, o que diminuiu significativamente a capacidade de atendimento para os feridos na região. 

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Diário de guerra

Abdulmonam Eassa, fotógrafo da AFP, conta o que viu nos primeiros dias de bombardeio em Ghouta Oriental

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Ghouta Oriental

"Hoje caiu uma bomba muito perto. Quando saí para ver, toda a área tinha virado cinzas. Durante alguns segundos, depois de um bombardeio, é comum pensar que não há mortos. Só se vê cinzas e destruição. Logo os voluntários conhecidos como "capacetes brancos" chegam e começam a retirar os escombros. Um deles carrega um menino em seus braços e eu fico impressionado ao ver alguém tão jovem ferido."

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19 de fevereiro

"Quando estou indo, vejo um 'capacete branco' com um menino em seus braços que identifico como filho de um amigo. Chego perto dele, pego o menino e o levo ao hospital. Quando chegamos, tento tirar uma foto dele, mas ele não quer soltar minha mão. Me solto, mas ele continua agarrando meu braço e então me dou conta que estou chorando."

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"Já não tenho medo"

Quando volto para casa, vejo que o edifício em que vivem minhas irmãs e outros familiares foi bombardeado, o lugar está envolto em uma nuvem de pó e não vejo nada.

Encontro meu irmão e pergunto se mamãe está viva. Ele responde que sim. “Estão todos bem?”, pergunto. Ele responde que sim.

Com um suspiro de alívio entro e vejo um corpo no chão. É um amigo meu. Tem uma ferida na cabeça. Está morto. Somos obrigados a deixá-lo porque precisamos levar ao hospital as crianças feridas.

Sou incapaz de tirar fotos da situação.

As portas e janelas explodiram. Quando olho em volta, me dou conta que já não tenho medo da morte. Há um avião no céu. Ele pode nos bombardear a qualquer momento. Já não tenho medo. Depois de tudo que vivi, não me cabe esperar nada mais."

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Evacuação

Mais de 46 mil pessoas deixaram a região

O governo sírio, com ajuda da Rússia, organiza uma evacuação da região de Ghouta Oriental desde o fim de março. No dia 3 de abril, cerca de 1.200 rebeldes e civis deixaram Duma, o último reduto rebelde da região, o que permitirá ao regime sírio retomar dessa área perto de Damasco.

A agência oficial Sana destacou que no total teriam saído 24 ônibus da região de Duma em direção a cidade de Jarablos, no norte do país.

Nos últimos dias de março e começo de abril, mais de 46 mil pessoas, quase 25% delas combatentes, deixaram Ghouta Oriental, agora controlada em 95% pelas forças do governo.

As cinco semanas de intensos bombardeios, desde o fim de fevereiro, deixaram mais de 1.600 civis mortos, de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH).

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Depois dos porões

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Segundo informações de uma missão da Unicef, as crianças que estão chegando aos abrigos estão desnutridas e com problemas de saúde. Muitas, inclusive, chegaram sem nenhuma bagagem ou pertences.

Para sobreviver em uma região sob bombardeios, muitas famílias foram obrigadas a viver nos porões dos edifícios.

Uma das nutricionistas que foi a uma missão de entrega de comida disse que durante uma conversa com moradores, uma mãe comentou que cerca de 200 pessoas estão dividindo o banheiro no porão em que ela vive com os filhos.

Quase todas as crianças pequenas que saíram da região têm deficiência de vitamina D. Segundo uma avaliação da Unicef, as crianças do abrigo Harjeleh mostram sinais de deficiência de nutrientes, estão com a pele rachada e têm lesões nos cantos das bocas.

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Futuro incerto

As crianças e adultos que saíram de Ghouta Oriental deixaram para trás o grande risco de serem bombardeadas diariamente pelo governo Assad. As perspectivas fora do enclave rebelde, no entanto, não são muito mais promissoras.

Como relembrou Geert Cappelaere, diretor regional da Unicef para Oriente Médio e Norte da África, a violência continua em outras áreas do país. “Há bombardeios em Idlib, Adrin, Deir-ez-Zor, Damasco e em partes de Aleppo, além de Ghouta Oriental”, disse em nota o diretor.

(Com agências internacionais)

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