Sobras do amianto

STF decide futuro da fibra cancerígena; relatora vota por barrar material usado em telhados de todo o país

Larissa Leiros Baroni Do UOL, em São Paulo
Juca Varella/Folha Imagem
Fernanda Giannasi/Abrea Fernanda Giannasi/Abrea

A continuidade da produção do amianto no Brasil pode estar perto do fim. O STF (Supremo Tribunal Federal) voltou a julgar nesta quinta (17) se a lei federal que autoriza a comercialização da crisotila é ou não constitucional, com o voto da relatora da ação, a ministra Rosa Weber, contrária ao uso do material.

A fibra é proibida em mais de 60 países por ser considerada cancerígena.

Weber disse entender que a permissão por lei federal da produção e comercialização de um dos tipos do material é incompatível com os direitos à saúde e ao meio ambiente equilibrado. A discussão sobre o amianto está no STF há pelo menos 13 anos e vai ser retomada na próxima quarta-feira (23) para o voto dos demais magistrados. 

O amianto, também chamado de asbesto, é o mineral usado como matéria-prima em produtos como telhas, forros, pastilhas de freios e caixas d'água. A substância é utilizada pela indústria brasileira por ser abundante e de baixo custo. O país está entre os maiores produtores, consumidores e exportadores mundiais. Segundo seus defensores, é possível usar o material com segurança.

Começou a ser incorporado pela indústria brasileira na década de 1960, induzido pelo governo militar, quando outros países já o usavam há anos. "Era uma época em que os efeitos nocivos da exposição à fibra já começavam a vir à tona nos Estados Unidos e na Austrália, por exemplo", afirma Francisco Pedra, pesquisador da Fiocruz.

Por já saber de seus efeitos nocivos à saúde, a onda internacional de proibições do amianto começou em 1980, com a Islândia, Noruega, Suécia e Suíça. A lista, atualmente, tem cerca de 60 países, incluindo países da União Europeia. Na América do Sul, por exemplo, a Argentina (2001) e o Uruguai (2002) também baniram a matéria-prima.

No Brasil, a primeira restrição ao amianto aconteceu em 1995, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei federal de nº 9.055, que vedava a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte de todos os tipos de amianto, com exceção do crisotila, que seria "seguro". 

Segundo o Instituto Brasileiro do Crisotila, mais de 150 países ainda permitem o uso do tipo do amianto permitido no Brasil.

Nos anos seguintes, alguns Estados começaram a proibir todos os tipos de amianto. São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, bem como uma lei municipal na capital paulista, proibiram em seu território.

Essas leis são questionadas no Supremo desde 2004 pela CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria), com o argumento de que apenas a União poderia legislar sobre a produção de amianto e que a lei federal autoriza a comercialização do produto. 

Já a lei federal é questionada por uma ação movida por associações dos juízes e procuradores do trabalho, argumentando principalmente que o material provoca dano à saúde dos trabalhadores dessa indústria.

"Meu maior medo é que a discussão volte a ser adiada, o que poderia levar mais quatro anos para voltar para a pauta", diz Fernanda Giannasi, fundadora da Abrea (Associação Brasileira de Expostos ao Amianto). 

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Sua saúde está em xeque?

O que preocupa as autoridades da área da saúde são os efeitos nocivos da matéria-prima à saúde dos trabalhadores e consumidores. O mineral é feito de fibras e, quando cortado ou manuseado, gera um pó que pode ser facilmente inalado ou engolido. E uma vez dentro do corpo humano, nunca mais é eliminado.

O Inca (Instituto Nacional de Câncer) lista o amianto como "reconhecidamente cancerígeno". A exposição à poeira do mineral pode causar doenças como câncer de pulmão, de laringe, do trato digestivo e do ovário, mesotelioma (câncer raro da membrana pulmonar e outras membranas do corpo humano) e asbestose (doença que provoca o endurecimento do pulmão e afeta a capacidade respiratória).

"Não há nenhuma dose de exposição considerada segura. Obviamente que o risco do desenvolvimento de doenças é maior com o aumento da exposição", explica Francisco Pedra. O risco surge principalmente quando o material é partido ou rachado e seu pó é liberado no ambiente.

Não há nenhum estudo científico que comprove que beber água de uma caixa d’água de amianto ou dormir em uma casa coberta com uma telha de amianto represente dano ao consumidor.

Segundo um levantamento feito pelo pesquisador da Fiocruz, entre 1980 e 2010, 3.718 pessoas morreram de mesotelioma no país.

A maior preocupação está relacionada aos trabalhadores do setor. A OMS estima que mais de 107 mil profissionais morrem por ano pelas doenças relacionadas ao material.

Ainda assim, segundo Marcondes Braga de Moraes, presidente do Instituto Brasileiro do Crisotila, se extraído, manipulado e usado de forma correta, o amianto não é nocivo à saúde.

"Há mais de 2.000 produtos classificados como cancerígenos pela OMS, incluindo a salsicha e a pílula anticoncepcional. E nem por isso esses produtos são proibidos de serem comercializados", defende ele.

Há uma manipulação totalmente segura, que é mantida em toda a cadeia produtiva. Essa questão de saúde já foi solucionada há décadas."

Marcondes Braga de Moraes, presidente do Instituto Brasileiro do Crisotila

Os contrários ao amianto argumentam que os riscos não estão apenas dentro das fábricas ou na cadeia produtiva.

Uma telha pode quebrar seja na mão do consumidor, na mão do pedreiro ou até na mão do entregador do depósito"

Fernanda Giannasi, da Abrea

De acordo com Pedra, há cinco categorias consideradas mais vulneráveis à exposição do amianto: "trabalhadores das minas de amianto, da construção civil, da manutenção de freios de automóvel, da limpeza urbana e do comércio de material de construção."

 

 

Material (in)substituível

Quem defende a legalidade diz que a matéria-prima é insubstituível. "Um material com a performance do amianto não existe. O que existe são outras fibras com performance bem inferiores", diz o presidente do Instituto Brasileiro do Crisotila. "Em dez anos de pesquisa, não se encontrou nenhum material que tenha o mesmo desempenho do amianto".

No entanto, a indústria vem reduzindo a produção progressivamente, contrariando o argumento. Só de 2011 para 2016, a produção caiu 42% (saindo de 306 mil toneladas para 177,6 mil toneladas. 

"Atualmente, das 10 empresas do setor, só 2 continuam a trabalhar com o amianto. As demais já substituíram a fibra pelo polipropileno ou pelo PVC", afirma Roberto Luiz Correa Netto, presidente da Abifribro (Associação Brasileira das Industrias e Distribuidores de Fibrocimento). 

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Marcado pelo amianto

O amianto deixou marcas muito profundas no aposentado Mário Necci, 72, que dedicou mais de 30 anos à indústria naval e conviveu quase que diariamente com as fibras cancerígenas sem ao menos saber dos seus efeitos nocivos. Marcas que demoraram a aparecer, mas que, agora, não param de progredir. 

"Para se proteger contra possíveis incêndio, boa parte da estrutura dos navios da época eram a base de amianto, das portas dos camarotes à tubulação, à rede de vapor, à máquina de dispersão térmica, à caldeira", afirma o engenheiro mecânico, que trabalhava em embarcações.

Há dois anos, Necci vem lutando contra o mesotelioma, câncer raro da membrana pulmonar. Uma doença que não tem cura e com uma expectativa de vida de em média um ano. "A minha maior sorte foi ter descoberto a doença ainda em seu estágio inicial, o que não é muito comum", afirma o aposentado, que conta que a descoberta foi acidental.

Tenho feito o máximo que posso para segurar a doença e ganhar tempo até que apareça algum remédio que consiga vencê-la de vez. Tenho que tentar ficar vivo o máximo possível."

Mário Necci

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Pelo nível de comprometimento de sua pleura (membrana do pulmão), bem como por sua idade, Neri não pode recorrer à cirurgia para a retirada do câncer.

Como explica Clarissa Baldotto, oncologista e membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, por ser uma doença rara e comprometer um órgão tão sensível, a intervenção cirúrgica é muito complexa, que oferece muitos riscos ao paciente. "O jeito, no caso do italiano, foi recorrer aos tratamentos paliativos."

Ele faz sessões de quimioterapia para tentar estagnar o câncer, bem como as dores no tórax e as tosses corriqueiras. "É uma dor física mesmo, provocada pelo espessamento da pleura [membrana pulmonar], que ainda é suportável, mas que parece progredir aos poucos", descreveu ele, que em 30 minutos de entrevista tossiu pelo menos umas 50 vezes (sim, a repórter do UOL contou).

O italiano afirma ainda que parece ter o pulmão preso por não conseguir expandir o peito durante as inspirações, o que dificulta a respiração. 

"Às vezes acordo de madrugada e penso: quanto tempo de vida ainda tenho? Mas sei que não resolve nada ficar pensando nisso", conta ele. "Estou vivo e relativamente bem. Tenho que evitar aglomerações por causa do risco que tenho em pegar infecções", afirma ele, que lamenta não mais poder viajar para a Itália para visitar a filha.  

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