As críticas de Ibama e Anvisa ao projeto que avança no Congresso também apontam a falta de estrutura nas duas agências para avaliar os riscos de novos produtos em um cenário em que a oferta de agrotóxicos no país seja maior.
"O Brasil já tem uma dívida histórica com a população brasileira em relação aos controles que tinha de estar fazendo e não faz, e à assistência que tinha de prestar ao trabalhador e não presta", afirma Meirelles, da Fiocruz. "O que estão querendo fazer é agravar esse quadro ou fingir que ele não existe."
Para os defensores da proposta, a legislação e a fiscalização são duas etapas diferentes, e uma não deve servir de obstáculo para a outra. "É função do Estado proteger a saúde da população e o trabalhador", diz Angelo Trapé, da Unicamp.
"Temos profissionais competentes em várias unidades acadêmicas e institutos de pesquisa no Brasil", acrescenta. "Basta a Anvisa e o Ibama se organizarem e começarem a chamar esse colegiado de inteligências para colaborar e contribuir com isso que a gente vai ter sucesso."
Os críticos do projeto destacam que atualmente cerca de 30% dos ingredientes ativos autorizados no Brasil são proibidos na União Europeia. Entre os dez mais vendidos no país, dois deles não podem ser comercializados na Europa. O temor é que, com uma legislação mais flexível, essa diferença aumente ainda mais.
Crítica do novo projeto de lei discutido na Câmara, a geógrafa Larissa Mies Bombardi, da USP (Universidade de São Paulo), destaca que mesmo a legislação atual chega a permitir uma quantidade de resíduos de agrotóxicos na água potável muito maior do que os permitidos na Europa.
Em um atlas sobre o uso de agrotóxicos no Brasil, Bombardi aponta que o limite máximo de resíduos da substância glifosato na água potável é 5.000 vezes maior no país do que na União Europeia. O glifosato é um herbicida e, em 2015, foi classificado pela IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, na sigla em inglês) como "provavelmente cancerígeno para humanos".
"O Brasil não tem um bom histórico de dizer o que é um produto seguro ou não", afirma a geógrafa da USP. "A legislação deveria seguir os padrões adotados na União Europeia e no Japão, por exemplo, para restringir mais os limites máximos de resíduos. O projeto não indica esse caminho, e sim o contrário, de flexibilizar."