Em toda Mossul, a sociedade se reunia atrás de portas fechadas, vivendo vidas noturnas e virtuais e dormindo até tarde durante o dia. Até o pai de Ferah foi apanhado. Ele não tinha mais emprego porque o EI fechou as universidades. E sua barba não crescia. Por isso, sair à rua apresentava o risco do assédio do Hisba, que exigia que os homens usassem barbas imitando o profeta Maomé. Ele passava os dias principalmente em seu escritório, escrevendo um livro.
Ferah lia. Ela baixou traduções em árabe de livros de autoajuda, que prometiam sucesso e felicidade com fé e dedicação.
Ela gostou de "Os 7 Hábitos de Adolescentes Altamente Eficazes", tanto que o leu duas vezes. Hábito número 1: "Seja proativo". Isso significava dizer: "Eu sou a força. Eu sou o capitão da minha vida. Eu posso escolher minha atitude".
Ela recorreu a livros sobre adolescência porque queria entender a fase de desenvolvimento que estava vivendo. Soube que esses eram seus anos de formação, quando sua personalidade se define.
Ferah percebeu: não posso continuar assim. Se sou deprimida e aterrorizada, esse modo de pensar ficará comigo para sempre.
Não adiantava se queixar, ela disse a si mesma. Tinha de usar esse tempo para realizar alguma coisa que ficaria consigo. Ela seria uma sonhadora no meio do Daesh, seria a capitã de sua vida.
Esse seria seu projeto.
Seu diário no Facebook cresceu. Mais de 6 mil seguidores elogiavam seus textos, fortalecendo-a.
Certa noite ela percebeu uma nova seguidora, uma menina iraquiana. Ferah enviou uma mensagem perguntando por que tinha ficado sua amiga. "Porque eu olhei o seu perfil e vi que você é uma boa pessoa", disse a garota.
Era Rania. Também era de Mossul, mas sua família tinha fugido para Dahuk, em território curdo. Ferah e Rania começaram a conversar com frequência, de início coisas superficiais, depois floresceu uma amizade.
Mas todos esses passos pareciam pequenos demais para evitar a realidade do EI.