Pisa menos!

Repórter do UOL investiga o tesão por pés, como candidata infiltrada em concurso fetichista de podolatria

Helena Bertho Do UOL

Nunca achei meus pés atraentes, nem os incluí ao meu repertório sexual. Mesmo assim, ou exatamente por isso, decidi me candidatar ao Miss Feet, um concurso de podolatria, que acontece em São Paulo. Seria um bom jeito de entender o erotismo que alguns fetichistas têm por um belo par de patinhas e, quem sabe, me convencer de que as minhas têm lá o seu sex appeal.

Para me lançar na experiência sem preconceitos, pisei em parte do meu ativismo. Feminista que sou, me afligia a ideia de participar de uma competição entre mulheres. Por mais que fossem só os pés em julgamento, esse tipo de disputa é uma forma de objetificação feminina, coloca nosso corpo em uma vitrine e... Deixei pra lá. Tiraria minhas conclusões após ser coroada Miss Feet!

"Feetselfie" deu início à minha aventura podólatra

Minha saga fetichista começou na inscrição online para o concurso. Além do nome da candidata, o site oficial pedia fotos dos pés concorrentes. Lá fui eu cortar, lixar e pintar as unhas como não fazia há tempos. Julguem-me.

Usei o efeito blur do Photoshop para desaparecer com as manchas e dar o close certo na #feetselfie. Acredite: essa hashtag existe e entrega mais de 70 mil imagens às arrobas podólatras do Instagram.

Enviei a foto com a sensual-sem-ser-vulgar alcunha de "Lady Hell" e voilà! Fui selecionada pelos organizadores. A partir daquele momento, eu era a candidata número 11 da competição.

Na página oficial foram divulgadas todas as feetselfies que seriam submetidas aos likes populares. Em meio às imagens de pés sensualmente mergulhados na espuma, adornados por tatuagens incríveis, joias, envolvidos em lingerie chique e até em algemas, os meus pezinhos tímidos por cima do edredom soavam franciscanos...

Ganhei cinco modestos likes e dois comentários. Um deles dizia que o pé de uma rival era mais bonito que o meu. Lady Hell não curtiu isso. 

Pela primeira vez, secaram mais meus pés que o meu decote

Noite de sábado, palco armado na boate Dominatrix - um inferninho no coração da Rua Augusta, em São Paulo. As etapas do Miss Feet seriam divididas em desfile, análise in loco pelo júri e "performance artística" com os pés. Seja lá o que isso significasse.

Eu tinha chances e estava confiante. Nas unhas, investi no Seta Vermelha, da Colorama, lambuzei o calcanhar de creme hidratante e apostei em um salto finíssimo de 10 centímetros. De causar vertigem perto das rasteirinhas que costumo usar. 

Na entrada da boate, colaram uma etiqueta com o número "11" na minha blusinha de balada, que combinei com uma calça de couro justa. "Isso é para que o público saiba que você é uma das candidatas e vote", me explicou alguém da produção. E lá estava eu, de novo, dependendo do like alheio...

Ao passar pelo bar, notei em minha direção gulosos olhares masculinos (e alguns femininos também). As secadas, no entanto, não tinham como alvo o decote ou o bumbum - focavam os pés. Constrangida, quase tropecei.

Ganhei o primeiro admirador podólatra na Masmorra

Num tour pela boate, cheguei ao lugar onde estavam concentradas minhas adversárias. Era uma sala estreita carinhosamente chamada de "Masmorra".

O ambiente tinha paredes pretas descascadas e decoradas com fotos de casais na pegação. Adereços sadomasoquistas espalhados por ali fariam dos 50 tons de cinza de Christian Grey um bege opaco. 

Uma luz vermelha iluminava os sofás da mesma cor, em um dos quais uma morena, com a etiqueta "01" colada no corpete de couro, recebia uma massagem. Nos pés, evidentemente.

Um homem, de uns 50 anos, veio puxar papo comigo e soltou uma frase que eu jamais imaginei que poderia soar como cantada. "Que número você calça?", perguntou, para em seguida elogiar minhas patinhas 35. "Namoro uma vencedora do Miss Feet. É como estar com a Miss Universo!".  

Na Masmorra também estava a minha rival "06", uma ruiva estonteante. Ela conduzia por um par de coleiras um homem e uma mulher, que a obedeciam em tudo. "Vai lá buscar minha bolsa". "Traga uma bebida para mim, escravo". 

Aí sim, entendi o que os organizadores queriam dizer com "performance artística" para o concurso. E me toquei de que não havia trazido nenhum apetrecho especial para esse momento. Nem ao menos um escravo para chamar de meu...

Fetichista e ex-misses julgam curvatura e gostosura dos pés

Éramos 15 candidatas. Altas, baixas, magras, gordas, tatuadas, ruivas, loiras, morenas, negras. Diferentemente do Miss Universo, o Miss Feet não peca pela falta de diversidade. 

Quando chegou minha vez de desfilar, entrei com o pé direito no salão principal da boate. Me lancei aos holofotes em passos rápidos, tentando sorrir e, claro, não cair. O trio de jurados me observava em um ponto estratégico.

Voltei para a Masmorra envaidecida com os aplausos empolgados que recebi. Notei que a salinha parecia ainda mais apertada, com gente do público passando para ir ao banheiro e algumas concorrentes se espremendo para ver como se saíam as adversárias.

Fim da etapa de desfile, início da análise in loco. A candidata à minha frente, uma dominatrix, sofria para remover as tiras da sandália amarradas em várias voltas no tornozelo. Ainda bem que ela tinha um escravo, que se ajoelhou e resolveu o drama.

Precavida, deixei minha sandália desatada e, quando chamaram "Lady Hell", fui destemida à mesa do juri. Sentei no banco alto que estava diante deles e fui arrancando o calçado. "Deixa que eu tiro para você, meu bem", protestou o juiz. Sim, ele era um podólatra apaixonado pelo ofício.

Coloquei meu pé descalço sobre a mesa e ele começou a tocar e analisar. Os critérios eram higiene, maciez, beleza e curvatura – até tentei fazer um pezinho de bailarina para ganhar pontos.

Então o inesperado: tive meu dedão chupado de surpresa. Tentei disfarçar o desconforto enquanto a outra juíza, uma ex-vencedora do Miss Feet, interrompeu o climão. Cortou o barato do colega, puxando meu pé para dar seu veredito. 

Antes que eu deixasse o palco, o juiz pediu para ver minha sandália novamente. Cheirou, beijou e devolveu como se fosse o sapatinho de cristal da Cinderela.

Diante de uma "pénheta" e um casal feito de tapete, amarelei

Hora da performance artística. Nos bastidores da Masmorra, observei minha primeira adversária fazer um footjob (em bom português, uma "pénheta") em um dildo. A segunda, uma dominatrix, pisoteou frutas embebidas em cachaça e fez uma caipirinha. Seus dois escravos beberam com gosto.

Fui me misturar à plateia que vibrava com o desempenho das meninas. Gritos, aplausos e assovios para uma candidata, também dominadora, que convocou seu submisso para simular uma cena do filme "Um Drinque no Inferno". Ela servia cerveja pelo pé para que o rapaz bebesse. Arrasou.

Ainda na categoria gastronômica também se destacou outra concorrente, que esmagou bolinhos Ana Maria com os pés. Um cara comia e lambia os dedos da gata com vontade.

No entanto, quem mais me impressionou foi a "07" – aquela ruiva que circulava na Masmorra com um um homem e uma mulher presos pela coleira. 

No palco, o casal se ajoelhou e beijou os pés da ruiva. Eles se deitaram e ela caminhou sobre um e outro até que começou pular, cravando o salto agulha no tapete humano. Alguém poderia ter se machucado feio naquele ménage"

Decretei ali o fim da minha jornada como musa podólatra. Isso mesmo, dei W.O. Percebi que nunca seria capaz de fazer nada à altura. Informei ao júri que Lady Hell estava fora.

Insistiram para que eu não desistisse, alguns homens ali perto até me encorajaram, se oferecendo para serem pisados por mim. Mas preferi continuar apenas assistindo.

Pertinho da mesa dos jurados, estava minha pequena vitória. Na prancheta de um deles, vi que em minha avaliação na etapa anterior havia atingido a nota máxima.

Natália cobra R$ 300 para que beijem e chupem seus pés

Reencontrei Natália Guedes, uma das juradas, misturada às candidatas do Miss Feet. Descobri que sua história na podolatria não se resumia às participações no concurso.

Além de ser hors concurs na disputa, ela trabalha profissionalmente com o fetiche. Deixou o cargo de assistente administrativa em uma empresa para realizar as fantasias de podólatras abastados. 

Meu cachê é de R$ 300 por meia hora de sessão. Eles pagam para beijar, lamber meus pés, serem pisados... Faço tudo, menos sexo"

Fiquei curiosa para ver o instrumento de ofício de Natália. Metidos numa sandália meia-pata de acrílico transparente, eram pés 34 de pele aveludada, dedos longos e as unhas pintadas à francesinha. Dignos de uma miss!

Rejane realiza as fantasias eróticas do marido podólatra

A bancária Rejane Schiavinatto Lopes, uma das candidatas, me motivou a voltar para a competição. Assim como eu, ela não havia preparado uma "performance artística". Mas improvisou com o marido, Fabio Lopes, um número de adoração aos seus pés. 

O casal estava no Miss Feet com o intuito de apimentar o romance. Ele é podólatra e ela, adora realizar suas fantasias. 

"Em casa o Fábio vive elogiando meus pés. Não sai para trabalhar antes de beijá-los", revelou Rejane. "Não beijo só os pés, beijo tudo!", completou o marido. "Mas é a parte do corpo dela que mais gosto. Foi amor à primeira vista. Pelos pés", esclareceu.  

Minha adversária então fez uma sugestão generosa. "Chame seu marido para ajudá-la como eu fiz! Ele está aí?", propôs, compartilhando a ideia.

Achei comovente aquele momento de sororidade entre misses. Uma mulher querendo que a outra brilhasse. Meu feminismo estava a salvo!

Morena Rosa, a vencedora, faturou um vale-compras numa loja de sapatos

Já eram duas da manhã quando as concorrentes terminaram de se apresentar. A festa continuava rolando na boate, com rock pesado bombando. Para onde se olhasse, havia homens massageando, beijando e lambendo pés femininos.

De repente, o juiz e outros rapazes formaram um "corredor polonês na horizontal". Pediram que nós, candidatas, caminhássemos sobre eles. Ainda com o salto nos pés, subi no torso de um deles e dei alguns passinhos, hesitantes.

Parei no meio do percurso. É bem estranha a sensação de pisar em alguém, mesmo sabendo que a pessoa está excitada com aquilo. 

O tapete humano se dispersou quando chegou a hora do anúncio da vencedora. Morena Rosa, aquela que saltou sem medo de lesões sobre seu casal de escravos, foi a campeã.

Recebeu a coroa e a faixa de Miss Feet 2017. E um vale-compras numa loja de sapatos.

O que os chupões no dedão e as pisoteadas me ensinaram

Até agora discuto internamente minha questão em relação aos concursos de misses e a posição da mulher como objeto. Eu me senti como carne no açougue ali, em vários momentos. Mas as outras participantes não.

Elas estavam felizes, satisfeitas e curtindo pra caramba a possibilidade de ter os homens, literalmente, aos pés. Sem falar em toda a dinâmica de dominação e submissão – claramente, a podolatria coloca os homens no papel de submissos. A mulher é a dona do jogo.

Não senti nenhum prazer sexual com meu pé ali, sendo cobiçado e levando chupões-surpresa. Mas entendi que todas aquelas pessoas se excitavam e extravasam seu erotismo em pénhetas, saltos cravados na pele, além da gastronomia de guloseimas pisoteadas.

Tudo era feito com consentimento, sem esconder nada de ninguém. Sexualidade vivida de um jeito saudável e sem preconceito.

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