Carolina, aos 50

Os tropeços, as tragédias e os recomeços da atriz dizem muito sobre como ela aprendeu a domar a vida

Natacha Cortêz Do UOL
Carine Wallauer/UOL

Quando você olha para Carolina Ferraz, vê elegância, beleza, um sorriso inesquecível e logo lembra dos papéis (Norma de "Beleza Pura" e seu famoso bordão "Eu sou rica!" só pra começar a lista) que ela viveu na TV. É mais ou menos isso? Se sim, então Carolina fez o serviço direitinho.

Não que as adversidades não fizessem parte de sua história; a questão é que a atriz não é de dar cartaz para as mazelas. “Posso até padecer nas dificuldades, mas algo me movimenta adiante. É uma resiliência aquariana, uma capacidade de me reinventar.” Resiliência essa que ela experimentou pela primeira vez aos 14 anos, quando perdeu o pai, assassinado à queima-roupa com seis tiros em Goiânia. A mesma resiliência a ajudou, aos 26, a superar a morte do irmão para a Aids

Hoje, uma segunda maternidade, vivida plenamente aos 50, e uma quebra de contrato com a Rede Globo, emissora onde trabalhou por 27 anos, são seus chamados para uma nova reinvenção. 

Nesta entrevista, Carolina fala de como é ser uma atriz que passou dos 30 num país que supervaloriza a juventude, das suas duas experiências como mãe e da ação trabalhista que move contra a Globo.

"Na dramaturgia, não existem papéis para uma mulher como eu"

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"Tragédias aconteceram, mas não me tornei vítima delas"

Carolina até poderia, mas não poupa ninguém das tragédias que marcaram seu passado. Aquela em que o pai foi assassinado com seis tiros, “três deles na cabeça”, em um crime de vingança que marcou a cidade de Goiânia nos anos 80; ou aquela em que o irmão mais velho perdeu a vida para a Aids - na época, início dos anos 90, ainda uma doença sem tratamento. 

Sou o que sou devido a tudo que me aconteceu. Inclusive o fato de terem matado meu pai da forma violenta que foi, inclusive a dolorosa perda do meu irmão ainda tão jovem. Não que eu ache fácil viver. Mas, vamos lá, respira fundo. Vai dar tudo certo.

Não sou feminista, mas sou feminista. Não sou feminista naqueles conceitos arcaicos do que é uma feminista. Não sou contra homem, nem acho que mulher é melhor que homem. Somos diferentes e quero respeitar as diferenças. Quero é que cada mulher, como indivíduo, consiga suas conquistas.

Carolina Ferraz

"Nada além da maternidade foi tão transformador em minha vida"

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Grávida aos 26 e aos 47

Aos 26 anos, quando esperava Valentina, sua primeira filha, não fazia parte dos planos de Carolina ser mãe novamente. Quanto mais ser mãe novamente vinte e um anos depois. Acontece que nesse meio tempo, houve o artista plástico Marcelo Marins, o cara com quem ela quis namorar, casar, dividir a casa e ter uma nova criança. Então, aos 47, Carolina entrou em um tratamento hormonal para engravidar e teve Anna Isabel, hoje com três anos.

Nada supera a experiência de ter e criar minhas filhas. Nada foi tão transformador quanto elas.

Já sobre as duas gestações, em diferentes idades, Carolina não tem dúvidas:

Fisiologicamente fomos feitas para parir cedo. Por causa da idade, a gravidez de Isabel foi muito mais difícil e dolorosa.

Valentina e Isabel

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Valentina é a filha do primeiro casamento de Carolina, com o publicitário Mario Cohen

"A Valentina é uma lady. Quando era pequena, conversava qualquer coisa com ela e a gente resolvia em dois minutos. É uma menina esperta, quase CDF."

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Anna Isabel é fruto da união com o artista plástico Marcelo Marins

"Isabel é uma espoleta! É engraçada, mesmo sendo ainda um bebê. Com a Isabel, basta dizer não para que ela queira exatamente aquilo que você disse que não pode."

"Se eu não estivesse movendo essa ação (contra a Globo), ainda estaria lá"

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Não há nada de positivo que venha da fama. A fama é pernóstica. Sucesso e prestígio são ótimos e a gente trabalha para isso, mas nunca trabalhei para ser famosa.

Carolina Ferraz

"Tive sorte de não ter sofrido assédio, mas sei de quem sofreu"

O que falta para as denúncias de assédio acontecerem aqui como acontecem em Hollywood?

Eles têm uma consciência civil que não temos. Por isso movimentos como o "Time's Up" não chegam aqui. Temos é que chamar para nós a responsabilidade da cultura do assédio. Estamos longe das americanas que se organizaram contra ela.

Você já sofreu assédio na profissão?

Eu tive a enorme sorte de não ter sofrido disso até hoje. Juro! Graças a Deus! Mas sei, sim, de pessoas que sofreram e não denunciaram. Sabe por quê? Nas outras sociedades se você assedia alguém sexualmente, meu amor, você vai ter que arcar com as consequências do que você fez. Aqui não, aqui as pessoas contam com a impunidade.

Nem uma cantada na hora errada aconteceu? Alguém insistir sem o seu consentimento.

Cantada na hora errada é o quê? Alguém te importunar?! Nunca foram abusivos, nem me importunaram no meu trabalho. Aliás, nem fora dele. No máximo houve uns meninos desavisados que não estavam entendendo porcaria nenhuma e tentaram flertar comigo sem meu interesse.

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Casamento, desejo e liberdades

Carolina é casada com o artista plástico Marcelo (o da foto acima) há oito anos. Esse, ela conta, "oficialmente" é seu segundo casamento. O primeiro foi aos 19 anos, com o publicitário Mario Cohen, e durou doze anos. Quando perguntada sobre a possibilidade de abrir a relação, Carolina é categórica: qualquer dinâmica que fuja da monogamia, não lhe serve. 

Sou fiel e acho que vale a pena ser. Mas coisas podem acontecer. Posso ter sido traída e nem saber. Mesmo sabendo disso, não dou conta de uma relação aberta.

Já quando o assunto é se relacionar com mulheres, Carolina conta que com ela nunca aconteceu, mas que não há preconceito algum de sua parte.

Nunca quis transar com mulher. Acredito que pessoas se apaixonem por pessoas, acho natural que meninas gostem de meninas e meninos gostem de meninos, mas comigo ainda não rolou.

Voto nulo

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"Francamente: eu não voto há 16 anos"

"Todas as vezes vou até lá e anulo meu voto. Não me sinto representada. Acho que estou dizendo algo quando anulo. Amigos me criticam, dizem que eu deveria escolher alguém em quem votar. Mas gente, eu sempre anseio por escolher alguém."

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"Não me diria de esquerda, muito menos de direita"

"Talvez eu seja do centro, se é que existe isso. Estou tão cansada dessa sociedade que não faz nada por si mesma. Dessa situação terrível da nossa política. Por mim, juro, jogava uma bomba em Brasília e recomeçava de alguma outra maneira."

Todo mundo fala: "Mas você é outra pessoa aos 50!". Sou uma pessoa com 20 anos a mais de quilometragem, mas sou a mesma Carolina. E, graças a Deus, hoje posso gostar ou não de certas coisas sem aquele compromisso que a juventude traz de você querer agradar a todos -- no fim, você já sabe que não vai mesmo.

Carolina Ferraz

Em cena

Com direção de Isser Korik, Carolina e Otávio Martins contracenam a peça "Que tal nós dois?" a partir de 2 de Março no Teatro Folha, em São Paulo. "É uma comédia sobre um casal que se encontra anualmente na convenção da empresa em que trabalham", diz a atriz. 

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