Vida longa ao Magnata

Magno Alves venceu tragédia e tentativa de suicídio antes de virar o terceiro artilheiro do futebol mundial

Bruno Freitas Do UOL, em São Paulo
Ana Carolina Fernandes/Folhapress

A comunidade do futebol adora exaltar a longevidade de nomes como Zé Roberto e Verón, astros em atividade além da casa dos 40. Mas existe outro valente jogador que ousou romper essa barreira, lutando para jogar em nível de competição. Aos 41 anos, Magno Alves vem de uma temporada na Série A e atravessará 2017 no Ceará.

Uma das marcas do ídolo da torcida do Fluminense é a discrição. Por isso talvez não exista tanta badalação em torno de uma façanha pessoal – Magno Alves é hoje o terceiro maior artilheiro do futebol mundial, daqueles em atividade, só atrás de Cristiano Ronaldo e Messi. São 437 gols na conta do baiano de Aporá.

Mas possivelmente o que faz de Magno Alves um vencedor no futebol é sua história fora das quatro linhas. Primeiro, o atacante franzino venceu numa trajetória comum a brasileiros que saem debaixo da linha de pobreza. Adiante, já na rotina de clube grande, viveu uma sequência de acontecimentos que moldou sua personalidade. O artilheiro teve que superar a perda do melhor amigo e uma tentativa de suicídio.

Reprodução Reprodução

Virou livro

A trajetória do atacante do Ceará virou livro em 2016, com "Magno Alves - O menino de Aporá que se tornou um dos maiores artilheiros da história", com prefácio de Romário, ex-colega de ataque no Fluminense. Coube a Gustavo Penna contar a história cinematográfica do atacante. Habilmente, o roteirista narrou a vida de privações da infância até o improvável êxito do baiano como um dos ídolos recentes do Tricolor das Laranjeiras.     

Foram quase dois meses de conversas, uma hora por dia por telefone, já que o autor reside na região metropolitana de São Paulo. Gustavo Penna conta que Magno Alves demorou um tempo até estar à vontade para se abrir do outro lado da linha. Mas, depois de sentir confiança, o biografado concedeu acesso a territórios preciosos de sua intimidade.

É um herói e ponto. Um cara que saiu de uma cidade com 30 habitantes por km², de repente estava jantando com o xeque do Qatar, usando talheres de ouro. Que curva é essa? Veio de uma infância de pobreza extrema, sem luz, sem água encanada, sem espaço para tomar banho dentro de casa. Tomava banho de balde, no quintal

Gustavo Penna

Gustavo Penna, autor do livro, questionado se Magno Alves encarna um típico herói brasileiro

A seguir, a reportagem seleciona um dos episódios mais marcantes do livro, pouco conhecido até o lançamento da obra. O trecho trata do acidente automobilístico que mudou a trajetória de Magno Alves – e o fez pensar sobre desistir de viver. O UOL também ouviu o atacante a respeito do caso. 

Reprodução/Livro Reprodução/Livro "Magno Alves"

Acidente numa noite feliz

A vida sorria para o jovem Magno Alves. Depois de perambular por alguns clubes pequenos, o baiano conseguiu se projetar com a camisa do Criciúma e foi parar num grande do país. Em 1998, chegou ao Fluminense e logo atuou diante de 90 mil pessoas no Maracanã – quase cinco Aporás, pensou. Vestido de tricolor, "Magnata" fez sucesso rapidamente e pôde até comprar uma Mercedes último modelo.

O sucesso no Sudeste fez Magno Alves ser homenageado em sua terra. De férias, foi com três amigos até Esplanada, cidade próxima de Aporá, receber uma placa de reconhecimento. A turma voltou às 4h da manhã, feliz e cansada. Um dos ocupantes do carro era Cristiano, amigo de infância do atacante, parceiro de bolinha de gude (de camiseta azul na foto acima, à direita). Na direção estava a revelação do Flu. 

Magno, no volante, observava a floresta de eucaliptos. O cheiro da mata entrava no carro como se a própria noite fosse um presente. Trazia conforto. Conforto e sonolência", descreve a biografia do atacante.

Foi neste cenário que o carro capotou. O automóvel girou no ar, mas acabou caindo em posição normal, com as rodas no asfalto, parando na terra, felizmente antes da queda na encosta. Com pedaços de vidros no rosto, Magno Alves constatou que não tinha nenhum osso quebrado, apesar da dor nas costas. O atacante também percebeu que o amigo Wagner tinha a boca cortada. Atrás, Negreiros estava desmaiado, mas respirando. Mas cadê Cristiano?

Na capotagem, o amigo de infância havia sido projetado para fora do carro. Magno encontrou Cristiano no matagal e escutou ele reclamar de dores na barriga. Os jovens foram levados até Esplanada, mas seu parceiro precisava ser transferido para a capital Salvador. Vinte minutos depois, no entanto, outro colega recebeu um telefonema. Cristiano havia morrido no caminho, com hemorragia interna. Devastado, o atacante do Flu sentou no chão e chorou como um bebê.  

Ana Carolina Fernandes/ Folha Imagem. Ana Carolina Fernandes/ Folha Imagem.

Depressão e álcool

Apesar da dor, Magno Alves precisava voltar a vestir a camisa do Fluminense. O sonho de fazer carreira num grande time do país tinha que prosseguir. Mas a lembrança do acidente não deixava o atacante em paz. Assim, o jovem acabou desenvolvendo uma rotina desaconselhável – todo dia depois dos treinos voltava para casa para beber, sozinho, escutando música. Era uma forma de "anestesiar" qualquer sentimento de culpa.  

Jogador iniciante, Magno Alves ainda não desfrutava da boa vida na Zona Sul ou na Barra da Tijuca. O atleta do Flu residia num apartamento mais simples em Botafogo. Certo dia, pelo telefone, a mãe percebeu que a solidão estava afetando o filho. Dona Gerusa então mandou Renata e Ana Paula ao Rio para fazer companhia ao irmão.

"Quando você volta ao passado, começa a lembrar de muitas coisas. E a vida é assim, tem o lado negativo, que vem para a gente ser melhorado. E também tem muitas coisas boas. É a vida, são ensinamentos e aprendizado", disse Magno Alves, em contato com a reportagem.

A tentativa de suicídio

Desembestou no meio da sala, jogou a bebida no caminho e correu, com pressa, na direção da janela. O impulso era importante! Para não haver vacilo! Só chegar e saltar! E esperar que a morte, logo mais, acontecia (...) Dois amigos, por impulso, pularam na frente de Magno. Abraçaram o rapaz com força e se derrubaram no chão", descreve o livro.

Contando Magno Alves e as duas irmãs, eram sete pessoas na festinha no apartamento em Botafogo, numa noite como tantas outras no Rio de Janeiro. Todos haviam bebido consideravelmente. Em certo momento, o atacante se desconectou totalmente da conversa da turma, não escutava mais o que os amigos falavam. Naquele instante, sentiu o impulso de se jogar pela janela.

A cena fez as irmãs irem chorar no banheiro. A festa subitamente acabou. Mas aquele episódio dramático viria a pautar o amadurecimento de Magno Alves, na construção da personalidade e da fé pessoal, segundo o biógrafo do atleta: "Ele ficou mais fechado, acabou desenvolvendo um senso de responsabilidade que pôde ser visto até em sua vida como jogador". 

Reflexão

Eu não me sentia responsável, mas perder alguém assim é bem complicado. Morte, isso machuca. Quem já perdeu algum ente querido sabe. Isso deixa você assim... vivendo uma certa intolerância

Magno Alves

Magno Alves, atacante do Ceará, sobre o falecimento do amigo Cristiano

Reprodução Reprodução

Recuperação na fé

A partir daquele episódio, Magno Alves nunca mais bebeu uma gota sequer de álcool. Logo depois, o atacante acabou se encontrando graças à fé, como relata a biografia lançada no final de 2016:

"Quando chegou à escadaria da igreja, reparou que ninguém lançou qualquer olhar que dissesse: 'Olha o rapaz que tentou se jogar pela janela', ou 'Olha o jogador do Fluminense'. Ainda mais importante que isso, ninguém parecia pensar 'Olha o cara que matou seu melhor amigo'.

Magno, ali, era só mais um. E que paz!".

Uma história de gols

Próximo a dois grandes

Retrans, Valinhos, Independente de Limeira e Araçatuba. A peregrinação por clubes pequenos faz parte da vida da maioria dos brasileiros que tentam emplacar uma carreira como jogador profissional.

Para Magno Alves, a "chance de ouro" veio em 1997, pelo Criciúma. Foi a catapulta para levar o baiano ao Fluminense. Adiante, no Rio de Janeiro, logo mostrou sua vocação para fazer gols, como artilheiro do time nos Brasileiros de 2000 e 2001.

Após passar por 12 equipes, incluindo três países estrangeiros (Coreia do Sul, Japão e Qatar), Magno Alves ostenta hoje o retrospecto de 437 gols marcados. Este desempenho o coloca na terceira posição entre os jogadores em atividade no futebol mundial, só atrás dos craques Cristiano Ronaldo (575 gols) e Messi (539).  

O goleador discreto

Eu queria ter um pouquinho desse lado do Túlio, que gostava muito (de se promover). Cada um é da sua maneira. São marcas que têm ocorrido. Até recentemente, no Fluminense, passei a ser o nono artilheiro. Você vai batendo marcas, e algumas delas você passa a saber depois

Magno Alves

Magno Alves, atacante do Ceará, sobre as façanhas como artilheiro

AFP PHOTO/KAZUHIRO NOGI AFP PHOTO/KAZUHIRO NOGI

É Aporá na seleção

A pequena cidade a 3 horas de Salvador teve um de seus filhos vestindo a camisa da seleção em 2001. Em boa fase no Flu, Magno Alves foi levado pelo técnico Emerson Leão para a disputa da Copa das Confederações daquele ano. E assim foi à Coreia do Sul, numa extenuante viagem de avião, que havia demorado "mais tempo do que de Aporá a São Paulo de Kombi", pensou.

Na Ásia, logo nos primeiros treinos, Magno Alves sentiu como é o estilo de trabalho do técnico: "Corre que aqui não é Fluminense".

O atacante estava próximo de realizar o sonho de defender a seleção num torneio oficial. No entanto, sofreu uma lesão muscular numa partida de preparação. Mesmo assim, guardou o tamanho do sofrimento só para si mesmo.

A dias da estreia, Magno tinha que convencer o chefe que tinha condições físicas de jogar a Copa das Confederações. Numa manhã, Leão chamou o atacante para ir a campo – os dois sozinhos. Lá, o treinador obrigou o comandando a efetuar chutes de 10, 30 e 50 metros. No último teste, o jogador precisava acertar o peito do técnico em um disparo de longa distância. O jovem conseguiu, mesmo com muito sacrifício. "Doeu no cérebro", relata ao livro sobre sua vida.  

Tricolor de coração

Edison Vara/Pressphoto/Folha Imagem Edison Vara/Pressphoto/Folha Imagem

Nono maior artilheiro

Em duas passagens pelas Laranjeiras, Magno Alves acumula 124 gols em 331 partidas disputadas. Cinco deles aconteceram no mesmo jogo, em vitória sobre o Santa Cruz por 6 a 1, em 2000. Na última temporada, mesmo aos 40 anos, o baiano honrou sua história no clube carioca, com algumas boas atuações.

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Trio da Série C

Parte do respeito da torcida tricolor por Magno Alves se dá pela participação do atacante na conquista da Série C do Brasileiro, em 1999, uma época complicada do clube. Foi a fase do trio entrosado com Roger e Roni. Este foi um de seus três títulos pelo Flu (os outros foram o Carioca de 2002 e a Primeira Liga de 2016).

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Quem para o Magnata?

O quarentão Magno Alves ainda tem fome de bola. Pela terceira vez na carreira, o atacante veste a camisa do Ceará. A principal meta na temporada é levar o time de volta à Série A do Brasileiro. Realizado também na vida pessoal, com um segundo casamento e cinco filhos, o "Magnata" evita projetar a hora de parar como jogador.  

"No decorrer desse último ano que passou, eu falei: enquanto eu estiver feliz, com alegria, vou trabalhando. Só não quero enganar. Já falei que não quero passar por isso, estar jogando só por jogar. Não posso dizer se [a aposentadoria] vai ser o ano que vem, porque o amanhã a Deus pertence", respondeu o atacante ao UOL.

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