A conquista do Brasil

Tite revela assédio acima do normal na seleção, mas rejeita rótulo de unanimidade: "Tenho inimigos"

Por Pedro Ivo Almeida Do UOL, no Rio de Janeiro
Reprodução/UOL Esporte

Em um país dividido nos mais diversos assuntos e discussões, um nome surge como rara unanimidade: Tite. Com seis vitórias em seis jogos à frente da seleção brasileira, o treinador recuperou o interesse do povo pelo time nacional e se tornou figura das mais populares.

A timidez do técnico tenta rechaçar o rótulo de celebridade, mas o assédio de senhoras de idade avançada em uma simples ida ao aeroporto prova que o momento é diferente para Tite.

Ao receber o UOL Esporte na sede da CBF, Tite tenta desconstruir a imagem de super querido. Ele revela ter inimigos no futebol, fala de rancores e comenta polêmicas. Ainda sobrou tempo para avaliar o início de trabalho na seleção, buscando exaltar as estrelas de dentro das quatro linhas – como os super elogiados Gabriel Jesus e Neymar.

Não há campos compatíveis a serem copiados. Não há campos compatíveis a serem copiados.

O queridinho das vovós

Tite tenta se esquivar, diz que não tem jeito para celebridade e fica envergonhado ao falar sobre o assédio. Mas admite: a rotina mudou bastante desde que assumiu a seleção e, principalmente, começou a vencer. “Fica um assédio de torcedor maior, um carinho de torcedor maior e que bom que seja dessa forma. E tento retribuir na medida do possível, mas com um pouco mais de reserva, porque fica mais difícil no restaurante, no aeroporto, fica mais difícil se não estiver em uma sala um pouquinho mais reservada…”, conta.

A situação mais curiosa aconteceu em um aeroporto, antes de um embarque. O festival de selfies se tornou inevitável. “Deveria ter umas 15, 20 senhoras e tiramos foto. Daqui a pouco uma disse: ‘Agora quero individual’. E então começamos a tirar uma com cada. Eu digo: ‘Aaah, não diga [risos]”. Aí as outras falavam: ‘Eu quero também, eu quero também’. Mas legal, porque é gratificante. Talvez elas nem conheçam o meu passado, mas é o cargo que dá essa visibilidade e talvez o momento da seleção também”.

"Eu tenho inimigos no futebol"

Ele assume erros... até na vitória sobre a Argentina

Tite não cansa de repetir que não é perfeito. Assume erros e se diz insatisfeito com algumas coisas. Um dos equívocos aconteceu justamente naquela que foi apontada com a grande atuação da seleção até aqui.

“Você quer ver? Contra a Argentina, erramos tudo na marcação daqueles primeiros 20 minutos. E dali saiu a solução, a marcação revezada no Messi. A proposta não foi mesclar, não foi fazer pressão baixa. Circunstancialmente aconteceu porque o time se fragilizou com o cartão amarelo do Fernandinho e porque o setor do Messi estava sendo um setor difícil de marcação em função disso. O acerto saiu de um erro”.

Fora de campo, um outro problema: guardar rancor. “Não consigo, sou um cara incompleto”. Ao menos uma mágoa, no entanto, ele diz ter superado. “Não tem mais nada com o Felipão [Scolari]. Passou.

Linguagem de boleiro conquista jogadores

Você tem que saber como falar com os atletas. Eles gostam que você fale algo, mas prove porque está pedindo aquilo. E aí tu começa a mostrar. Essa é a língua do boleiro, fala e mostra. Eu fui educado numa universidade que dizia: ‘Me dá uns argumentos, me convença’. E isso é o que passo para os atletas

Jim Rogash/Getty Images/AFP Jim Rogash/Getty Images/AFP

O que mudou da era Dunga para Tite

Tite insiste em falar do “legado do antigo treinador” e valoriza a base deixada por Dunga. No entanto, muita coisa mudou no time que esteve ameaçado de ficar de fora da Copa de 2018 e hoje lidera as Eliminatórias com ampla vantagem. E a alteração tática, na visão de Tite, passa pelo meio de campo.

“O mais importante foi a criatividade do setor de meio de campo e a composição ali. A composição do jogador de infiltração e do Neymar às vezes fazendo parte, ficando mais livre, nessa parte de criação no setor esquerdo centro. E em termos de confiança, foi um pouco pela minha credibilidade”.

Eduardo Anizelli/Folhapress Eduardo Anizelli/Folhapress

Lugano criticou, Tite respondeu

A mais nova polêmica veio na última semana. Não exatamente partindo de Tite. O zagueiro são-paulino Lugano criticou a exaltação a Tite e disse preferir Dunga “pelo caráter”. O uruguaio ainda disse que o atual técnico da seleção brasileira é um encantador de serpentes, por ter “todos da imprensa adormecidos”.

E ele respondeu. “Ele não conhece como eu sou em termos de estratégia, ele não conhece como eu treino em campo, ele não conhece meus conhecimentos táticos, ele não conhece eu. E eu também não o conheço profundamente. Então não dá. Quando ele falou, eu brinco assim, pelo termo ‘encantador de serpentes’, eu digo assim, a história é para vocês, vocês que tem que responder, porque as serpentes nessa história toda são vocês. Encantador eu não sei, eu sei que eu me preparei quarenta anos para trabalhar, isso foi o que me preparei”.

Pedro Ivo Almeida/UOL Pedro Ivo Almeida/UOL

Europa? Plano é virar comentarista

Tite nunca escondeu o sonho de treinar um time na Europa. “Mas isso era porque eu não imaginava mais chegar à seleção. Era um topo ou outro. Agora cheguei à seleção”. E o sonho do Velho Continente ficou pelo caminho. “Quando acabar, vou falar ‘deu para mim’. Vou curtir um pouco com a minha família, dar umas férias para mim, eu vou virar comentarista e me virar daqui de cima”, revelou.

A avaliação sobre as feras

Cristiane Mattos/Reuters Cristiane Mattos/Reuters

Neymar

"Neymar tem uma área de ação maior que no Barcelona, onde ele fica um pouco mais restrito. A área de ação e liberdade de criação dele é maior na seleção. Ela tem a situação que é dele e tem a composição do Coutinho, do Willian ou do Douglas Costa. O jogador tem que trabalhar para ser mais um jogador de criatividade. Esse fator foi determinante em termos táticos. Hoje ele está mais leve. O peso da responsabilidade continua, mas sabe que pode dividir responsabilidades ali na seleção. Era injusto colocar tudo nas costas dele"

Juan Barreto/AFP Photo Juan Barreto/AFP Photo

Gabriel Jesus

"Ele sabe jogar, sabe quando uma equipe marca com pressão baixa, que espaços de profundidade não tem, sob forma de tabelas, de jogo apoiado e de pivô. São grandes virtudes. É um grande talento e ainda vai melhorar com o tempo. É um símbolo, é o novo. O Gabriel Jesus foi o craque do Brasileiro, por ser o mais decisivo. Agora vai para o City. E não precisará de adaptação lá, por todas essas virtudes, por termos táticos. Talvez uma sequência de jogar ou não jogar possa ser a dificuldade, mas nada demais."

Tem um trio palmeirense que pode pintar na seleção

"Os destaques? Moisés, Jean e Dudu. Esses jogadores todos tiveram em um plano muito alto no Brasileiro. E não tem essa de grupo fechado na seleção. Faço, sim, esse acompanhamento e existe a possibilidade”

Tite fica em dúvida: Neymar ou Messi?

Cesar Greco/Fotoarena Cesar Greco/Fotoarena

Cuca e Dorival na linha de sucessão

Tite está apenas no início de seu trabalho e tem sonhos a longo prazo na seleção brasileira. Mas já enxerga até quem poderia sucedê-lo no cargo. “Da minha geração, o Dorival Júnior e o Cuca são hoje os que estão no patamar da minha geração. Eu falo de idade. Tem outros tantos que podem, que estão emergindo, que estão surgindo, como Roger, o Eduardo Baptista, Fernando Diniz, Gilmar Dal Pozzo...”

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