Segurança na Fórmula 1

Velocidade, tecnologia e segurança evoluíram nas últimas décadas, mas algumas mortes não seriam evitáveis

Gabriel Lima, colaboração para o UOL

A revolução médica pós-Senna

A Fórmula 1 se tornou muito mais segura nas últimas décadas. As pistas novas têm mais áreas de escape, os carros estão tecnologicamente com mais proteção e há severas imposições da FIA (Federação Internacional de Automobilismo) para evitar desastres, mas é impossível que eles não se repitam. O último foi em 2015, quando o francês Jules Bianchi não resistiu aos ferimentos de um grave acidente no GP do Japão do ano anterior. 

A famosa frase “win on sunday, sell on monday” (vença no domingo, venda na segunda-feira) foi levada a sério pelos engenheiros, e cada vez mais os carros foram ficando mais velozes e eficientes. Porém, ao mesmo tempo, as corridas passaram a ficar mais perigosas. A falta de segurança nos carros e nas pistas matou muitos pilotos, sobretudo nos anos 1960 e 1970 na Fórmula 1. 

Pressionada, a F-1 evoluiu na segurança, sobretudo no atendimento médico e muitas vidas foram salvas desde então. Essa evolução veio sobretudo depois das tragédias de Roland Ratzenberger e Ayrton Senna (ambas em 1994).

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Ayrton Senna e Jules Bianchi não teriam desfechos diferentes

Mesmo com o avanço da medicina, as mortes de Ayrton Senna e de Jules Bianchi não teriam outro desfecho, segundo Dino Altmann. Para o diretor médico do GP do Brasil, apesar de tudo que é trabalhado para melhorar o atendimento, o corpo humano tem limites.

Último piloto a morrer na F1, Bianchi sofreu um impacto na cabeça de 254 vezes a força da gravidade ao acertar um trator durante o GP do Japão de 2014.

Mas qual seria o limite exato do corpo? Para o médico é difícil precisar, mas depende bastante de onde o impacto ocorre.

Algumas coisas também caíram em desuso. Por exemplo: no caso do acidente Senna, foi feita uma traqueostomia. Hoje, teríamos tido algum outro acessório para a ventilação dele. Isso era usado no caso de alguém precisar de suporte respiratório e você não conseguir entubar. Hoje, você tem outras maneiras de entubar e acessar uma via aérea difícil. No entanto, ainda é uma ferramenta."

Dino Altmann,, diretor médico do GP do Brasil

As últimas tragédias

Mark Thompson/Getty Images Mark Thompson/Getty Images

Jules Bianchi

Morreu em 2015 aos 25 anos. O piloto francês era uma das apostas da Fórmula 1, mas teve a carreira interrompida após um violento acidente no GP do Japão

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Ayrton Senna

Tricampeão mundial, o brasileiro liderava o GP de San Marino quando perdeu o controle da sua Williams e se chocou de forma violenta na curva Tamburello, em Ímola

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Roland Ratzenberger

Morreu um dia antes de Senna. Na classificação, o austríaco foi surpreendido por uma falha no carro da Simtek e não sobreviveu com impacto nas barreiras

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María de Villota

Bateu em um caminhão parado em um teste, em 2012. A piloto perdeu a visão de um dos olhos. Morreu no ano seguinte por sequelas do acidente, segundo a família.

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Mudança no atendimento médico

Com a crescente onda de acidentes sérios no final dos anos 1960, a Fórmula 1 tornou obrigatórios muitos procedimentos e condutas que nos dias de hoje são vistos como básicos e triviais.

Apenas a partir de 1971, o campeonato criou parâmetros de atendimento médico para todas as provas. Quatro anos depois, os macacões e os capacetes dos pilotos passaram a necessitar de aprovação da FIA antes de serem utilizados. No mesmo ano, regulamentações de serviço médico, como obrigatoriedade de centro de ressuscitação no autódromo e de simulados de atendimento médico, passaram a vigorar. Em 1986, a presença de um helicóptero em cada autódromo tornou-se compulsória.

Mas o que efetivamente promoveu uma revolução na segurança e no atendimento médico da F-1 foi o GP de San Marino de 1994, com as mortes de Roland Ratzenberger e Ayrton Senna.

A partir daí, foram adotados padrões ainda mais rígidos e regulamentações radicais de segurança no mundial. Do encosto de cabeça, passando pelo limite de velocidade nos boxes, pelo HANS até chegar ao Halo – prometido para o ano que vem. Tudo foi revolucionado e o atendimento médico não ficou de fora.

 

Poderia ter sido diferente?

JEAN-PIERRE CLATOT/AFP JEAN-PIERRE CLATOT/AFP

Erro em Jacarepaguá

Durante um teste antes do início da temporada no extinto circuito de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em 1989, o francês Philippe Streiff se acidentou após a suspensão de sua AGS ceder devido às fortes ondulações da pista. O carro capotou e o santo-antônio não aguentou o impacto com o solo.Teve uma fratura na coluna cervical e foi mal atendido, ficando tetraplégico. Hoje é conselheiro de segurança de estradas

Reprodução Reprodução

Desastre de 1975

Nos treinos para o GP da Áustria de 1975, o americano Mark Donohue teve um de seus pneus estourado e bateu no muro. Os destroços do acidente mataram um fiscal de pista, mas Donohue, apesar de bater a cabeça com força placas de publicidade, saiu do carro sozinho. Se queixando de uma dor de cabeça, ele foi ao hospital e lá acabou entrando em coma e morrendo dois dias depois por uma hemorragia interna.

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Erro médico

No GP da Itália de 1978, Ronald Peterson foi a maior vítima de um forte acidente na largada. Apesar de sua Lotus ter explodido, foram as pernas quebradas que custaram a vida do piloto. A indecisão dos médicos quanto a uma cirurgia, criou uma embolia e o sueco morreu dois dias depois. "A embolia que ele teve foi uma embolia gordurosa - um pouco diferente da embolia pulmonar que a gente ouve falar", diz Altmann.

Jonathan Ferrey/ALLSPORT Jonathan Ferrey/ALLSPORT

Qual seria o limite exato do corpo?

Para o médico, é difícil precisar, mas depende bastante de onde o impacto ocorre.

“Já tivemos acidentes que geraram forças altíssimas. Por exemplo, o Maurício Gugelmin teve uma batida em um oval (na antiga Cart ou Champ Car) que gerou 112G e ele não teve nada de sério – a não ser um descolamento da pele das costas do tecido celular subcutâneo pelo atrito. Foi o que me contaram", diz Altmann.

“Ele ficou com um enorme hematoma nas costas, mas foi só isso. No passado, falavam que ninguém sobreviveria a 40G. Isso depende muito de onde esta força é dissipada. Hoje existem acelerômetros dentro dos fones de ouvido dos pilotos, que talvez sejam o mais próximo do que é a realidade no cérebro. Com isso, talvez a gente entenda melhor o que é possível sustentar.”

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"Ele morreria hoje também"

Em outro caso irreversível, o italiano Elio de Angelis teve uma das mortes mais agonizantes da história da Fórmula 1. Em 1986, durante um teste no autódromo de Paul Ricard, na França, o piloto saiu da pista devido a uma falha na asa traseira e capotou com o carro para fora do circuito.

O impacto não o matou. No entanto, o italiano não pôde sair do carro, que começou a pegar fogo. Pela demora no atendimento devido à falta de fiscais, o piloto sucumbiu devido à inalação de monóxido de carbono 29 horas após o acidente.
 

O grande problema quando você fica em um carro que está pegando fogo e inala a fumaça que vem da queima de compostos carbônicos, é o monóxido de carbono que se liga à hemoglobina (proteína que transporta o oxigênio pelo corpo) e não se solta. Mesmo que você ofereça oxigênio a 100% a partir de um momento inicial, é muito difícil tratar. Hoje em dia há maneiras de contornar isso aí. Temos o azul de metileno e as transfusões - que neste caso seria uma troca de sangue. Mas é uma situação que seria muito difícil de ser contornada mesmo atualmente"

Dino Altmann

KAI PFAFFENBACH/REUTERS KAI PFAFFENBACH/REUTERS

"Morte de Senna trouxe a revolução"

A morte de De Angelis mostra a falta de preparo para o atendimento na época. Atualmente, as medidas da Fórmula 1 são mais rígidas. Os carros mudaram bastante, e as pistas e suas instalações também se modernizaram muito. O marco zero para isso foi a morte de Ayrton Senna.

“Quando o Ayrton morreu, isso trouxe a grande revolução. Hoje os cockpits são mais altos, envoltos em uma espuma deformável que é bem rígida. Temos o HANS que diminui as forças rotacionais no momento do acidente", diz Altmann

 

Neil Newwitt/AP Neil Newwitt/AP

Bicampeão de F-1 deu sorte

Para exemplificar o diferença que estes aparatos de segurança fazem, Altmann lembrou do violento acidente que quase matou Mika Hakkinen nos treinos do GP da Austrália de 1995. Vítima de um pneu furado, o piloto acertou com violência o muro do circuito de rua de Adelaide e sofreu contusões cerebrais devido à falta de encostos de cabeça. Três anos depois, ele levaria o primeiro dos dois títulos mundiais.

 

Ele entrou em coma na hora. Muitas vezes nestes traumas encefálicos, você tem uma parada do centro respiratório. E este foi o caso. Se ele não fosse atendido em minutos e não fosse feita uma respiração artificial, ele morreria em uma situação absolutamente reversível. E na época não existiam os acessórios para uma intubação rápida, então ele passou por uma traqueostomia - o que não ocorreria hoje".

Dino Altmann

 Paul Gilham/Getty Images Paul Gilham/Getty Images

O exemplo de Massa

O acidente de Felipe Massa na classificação para o GP da Hungria de 2009 também teve seu efeito na busca pela segurança, sobretudo nos capacetes. O piloto sofreu um grande pancada na cabeça após uma mola da Brawn de Rubens Barrichello se soltar e atingir em cheio seu capacete, quebrando a lateral de sua viseira.

Duda Bairros Fotografia Duda Bairros Fotografia

A rotina de um médico nas corridas

Mas como trabalha um diretor médico durante uma corrida? Apesar de ocupar a mesma posição no GP do Brasil e na Stock Car, o trabalho de Dino Altmann é um pouco diferente nas duas categorias.
 

Na Stock Car, eu comando o atendimento médico ficando dentro do carro médico. O diretor de prova que dá o comando para o atendimento da torre de controle. Na F-1, como diretor médico, eu fico na sala de controle da corrida e não vejo nada a não ser monitores de televisão. É uma sala escura, sem janelas e onde temos todos os comandos. Temos equipes distribuídas em posições estratégicas, que vão chegar ao local do acidente instantaneamente. Às vezes, o atendimento demora um pouco para que se possa garantir a segurança da equipe e dos outros competidores

Dino Altmann

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