Por que ele não cai

Como Del Nero se sustenta no poder da CBF mesmo com vários escândalos e crise

Daniel Brito, Danilo Lavieri, Pedro Ivo Almeida, Ricardo Perrone e Rodrigo Mattos Do UOL, em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro
Xinhua/Rahel Patrasso
Daniel Marenco Daniel Marenco

Del Nero sobrevive

Acusado de corrupção pelo FBI e investigado por Fifa e Congresso Nacional por violações a códigos de ética e má gestão. Impedido de sair do país para não ser preso como seu principal aliado e antecessor. A seleção coleciona vexames, em evidente crise técnica. E ele sobrevive.

Escondido e acuado em 2016, Del Nero voltou a emergir nos últimos dias: beijinho em Tite, discurso no início da convocação da seleção olímpica. Marcando posição e buscando abafar de novo o clamor por mudanças. Afinal, por que ele não cai? Há 4 caminhos para que isso aconteça (FBI, Fifa, CPI e eleições). Conheça-os e entenda os motivos pelos quais nenhum deles surtiu efeito até agora.


 

Quatro caminhos para a saída

DON EMMERT/AFP DON EMMERT/AFP

FBI

Marco Polo Del Nero é acusado nos EUA de conspiração, lavagem de dinheiro e fraude eletrônica por propinas em contratos da CBF relacionados à Copa do Brasil, Copa América e Libertadores. Mas isso não o tira da CBF se não viajar para o exterior. Só será preso se for aos EUA ou a um país com o qual os americanos tenham acordo de extradição.

Renato Costa/Folhapress Renato Costa/Folhapress

CPI

Del Nero é investigado em Brasília por corrupção e má gestão de entidade privada. Se comprovadas irregularidades, pode até ser preso e deixar seu cargo na CBF à força. Mas o processo também está lento e emperrado pela atuação de alguns deputados que jogam a seu favor. O lobby da entidade na Câmara é forte e acontece até com a sessão em andamento.

Almeida Rocha/Folhapress Almeida Rocha/Folhapress

Eleições

Del Nero foi eleito em 2015 para mandato até 2019 com 44 dos 47 votos de dirigentes de clubes e presidentes de federações. Tem direito a uma reeleição. Mesmo com todos os problemas que enfrenta, sustenta seu apoio com base em agrados, isolamento de opositores e estratégias e recursos herdados pelo ex-presidente Ricardo Teixeira, outro investigado.

Arnd Wiegmann/Reuters Arnd Wiegmann/Reuters

Fifa

O Comitê de ética da Fifa investiga o brasileiro, em processo sigiloso, desde novembro de 2015, por corrupção. Uma decisão da entidade máxima do futebol pode suspendê-lo ou até bani-lo de atividades relacionadas ao futebol. Assim, teria que deixar a CBF. Mas o processo está lento porque a Fifa prioriza outros cartolas e porque FBI não compartilhou informações.

Site oficial da CBF

Assim ele segura a pressão

Como domina clubes e federações

  • Mesadas de R$ 20 mil a presidentes de federações

    Pagamentos mensais de R$ 20 mil para cada presidente de federação e mais R$ 100 mil para as entidades. É assim, por meio dessas mesadas e distribuição de cargos e atendimento de pedidos, que o presidente consegue controlar a cartolagem. No balanço anual, parte deste dinheiro que sai dos cofres leva o título de "doação".

    Imagem: Ariel Subirá/Futura Press/Estadão Conteúdo
  • Torneios pra agradar federações

    Outro agrado para os cartolas de estado é não acabar com os Estaduais. É essencial para diversas federações que essas disputas sejam mantidas. Ainda no aspecto de calendário, a entidade aprova criação de campeonatos como a Copa Verde, que atende equipes do Espírito Santo, Região Norte e Centro-Oeste.

    Imagem: Rafael Ribeiro / CBF
  • Medo e comodismo

    Já os clubes têm medo de se rebelarem e serem prejudicados na tabela e decisões estratégicas. Também se sentem reféns da situação por muitas vezes precisarem de adiantamentos financeiros para sanar as contas.

    Imagem: Divulgação/CBF

Por que apoiam?

Os clubes não fazem nada para mudar essa estrutura porque estão fragilizados no sentido corporativo. Não são capazes de fazer pautas comuns, de organizar um campeonato, de cuidar das questões nacionais. Quando fizeram algo em conjunto (Clube dos 13), foi implodido pelos próprios clubes

Romildo Bolzan

Romildo Bolzan, Presidente do Grêmio

Tenho alguns colegas que falam que estão insatisfeitos, mas no final sempre ficam do lado dele. Já cheguei a juntar 15, mas ele reverteu, tem os repasses para federações, doações, tudo isso. Ele faz muita coisa que o Ricardo Teixeira fazia para continuar no poder. Pegou todas as dicas com ele

Delfim Peixoto

Delfim Peixoto, Presidente da Federação Catarinense de Futebol e principal opositor da CBF

Ninguém quer se comprometer. E não há como as federações fazerem nada. Não há qualquer comprovação de crime, nada. Além de tudo, é um dirigente com uma sustentação política muito boa [clubes e federações]. Não é injusto com ninguém. Não tem um para dizer que a gestão é ruim, pode procurar

André Pitta

André Pitta, Presidente da Federação Goiana

Ed Ferreira/Folhapress Ed Ferreira/Folhapress

Ele empaca a CPI em Brasília

Como trata-se de uma organização privada, o Governo Federal tem dificuldades de investigar a CBF. A única brecha que a entidade poderia dar para ser investigada seriam crimes envolvendo o dinheiro público, como lavagem de dinheiro e sonegação de impostos. Baseada nisso, Del Nero e sua entidade têm imunidade para que não sejam investigadas e condenadas pela Justiça, assim como acontece com ele nos Estados Unidos. 

Outra maneira de, enfim, explorar e tentar descobrir problemas em uma esfera privada seria com uma CPI. Ela já está em andamento, mas a CBF, mais uma vez, age com um forte lobby em Brasília, travando quase todos os processos que poderiam ser conclusivos.

O UOL Esporte já presenciou a ação da entidade em sessões. Até mesmo aquelas que estão em andamento. Enviados da CBF presenciam e anotam tudo o que está acontecendo nas apresentações. Eventualmente, até chamam as pessoas que darão seus depoimentos para orientar na entrevista. Deputados que têm direito de fala também são instruídos. 

Um projeto de Lei em 2015, inclusive, chegou a tentar transformar a seleção brasileira em patrimônio cultural. Com a medida, o Ministério Público poderia agir diretamente na investigação de desvios e corrupção da CBF. O projeto, porém, ainda precisa ser analisado nas comissões de Esporte e de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara.

Os homens do presidente em Brasília

  • Walter Feldman

    Secretário-geral da CBF, marca ponto na cidade para negociar assuntos mais delicados. Participa das sessões mais importantes apenas como espectador. Circula com facilidade pelo Congresso e visita gabinetes de membros das duas CPI que investigam a CBF, como ocorreu na semana passada na Câmara.

  • Fernando Sarney

    O segundo dos três filhos de José Sarney é vice-presidente da CBF, aliado a Marco Polo Del Nero. Conta com um apadrinhado político dentro da CPI do Futebol no Senado: João Alberto (PMDB-MA), que já se posicionou publicamente em favor da CBF e derruba pautas contrárias aos interesses da confederação.

  • Vandenbergue Machado

    Ex-assessor de Renan Calheiros no Ministério da Justiça, coordena uma equipe de três pessoas que o acompanha em todas as sessões das CPIs. Reforçou sua tropa com a contratação de mais um servidor aposentado da Câmara para seguir de perto as investigações da CPI da Máfia do Futebol. Em Brasília, diz-se que ele é mais assíduo no Congresso do que a maioria dos parlamentares. Por vezes, é visto passando orientações a congressistas aliados à CBF durante as sessões.

    Imagem: Reprodução/Facebook
  • Vicente Cândido (PT-SP)

    Em sua campanha para deputado federal em 2014, declarou ter recebido uma doação de R$ 100 mil do escritório de advocacia do qual era um dos sócios com Del Nero. A sociedade se desfez em dezembro de 2015. Foi vice-presidente da Federação Paulista de Futebol enquanto Del Nero a comandava. Fez participação relâmpago em uma sessão da CPI da Máfia do Futebol, derrubando a votação de um requerimento que envolvia a Rede Globo.

    Imagem:
  • Marcelo Aro (PHS-MG)

    O Deputado Federal tem ligação antiga com o futebol. É sobrinho de Elmer Guilherme e filho de José Guilherme Ferreira Filho, cartolas que mandaram na Federação Mineira por décadas. Militou na discussão da MP 671 (MP do Futebol) e circula nos bastidores para defender os interesses da Confederação, onde foi nomeado diretor de ética e transparência, cargo criado por Del Nero.

    Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress
  • Marcus Vicente (PP-ES)

    O deputado federal é um velho aliado político da CBF. Atua nos bastidores de Brasília a favor da confederação desde 1997, ainda na gestão Ricardo Teixeira. Se por um lado é apontado como um dirigente ruim no futebol, visto pelo desempenho da federação do Espírito Santo, por outro é considerado peça importante no jogo da capital. "Mexe" as peças e acompanha de perto votações e andamento das CPIs que têm a confederação como alvo

    Imagem: Gustavo Lima
Alan Marques/Folhapress Alan Marques/Folhapress

Inimigo Romário

Presidente da CPI que investiga Del Nero e CBF, o ex-jogador e senador Romário (PSB-RJ) explica ao UOL Esporte como o Del Nero trava investigação.

“(Del Nero atrapalha) indicando parlamentares aliados deles para comporem as comissões de investigação. Com isso eles votam contra requerimentos, convocações, sabotam as audiências. O futebol brasileiro sempre movimentou muito dinheiro e isso, de alguma forma, também abasteceu campanhas políticas e o bolso de alguns deles (congressistas)”, falou.

“Marco Polo é blindado por um esquema de compra de votos das federações e também por força política dentro do Congresso. Eu não diria somente Marco Polo (ser forte no congresso), eu diria a CBF”, prosseguiu.

Caminho mais viável pra queda

Del Nero é acusado de três crimes nos EUA: conspiração, lavagem de dinheiro e fraude eletrônica. Isso por supostamente ter recebido propinas por contratos da CBF relacionados à Copa do Brasil e Copa América, além do contrato da Libertadores. Se não sair do Brasil, não pode ser preso.

Mas tanto FBI como CPI podem passar informações para o comitê de ética da Fifa sobre irregularidades. E, assim, após análise, a entidade máxima do futebol pode suspender ou banir o cartola. Esse é, hoje, o caminho mais viável, por estar fora de seu controle. Esse processo se iniciou no final de novembro de 2015 e não foi concluído. O FBI ainda não passou informações para a Fifa.

“Os EUA investigaram a vida de todos os dirigentes da Fifa por isso perscrutaram a vida dele. Não tenho como dogma reconhecer a supremacia da Justiça dos EUA. Outros personagens que prefiro não declinar o nome foram punidos. Como ele é inocente, não poderia ter culpa”, falou José Roberto Batochio advogado de Marco Polo Del Nero.

EFE/Agência Brasil EFE/Agência Brasil

A omissão dos clubes

Se por um lado presidentes de federações, especialistas em direito e outros integrantes da engrenagem do futebol brasileiro topam comentar o momento do esporte e da gestão de Marco Polo Del Nero, o mesmo não se pode dizer de alguns dos principais interessados no assunto: os mandatários dos clubes. Em pouco mais de uma semana de tentativas, somente três dos representantes dos 12 maiores times aceitaram falar abertamente com o UOL.

Ainda assim, o trio repetiu uma pratica comum aos outros nove clubes: o cuidado excessivo para não se indispor com o presidente da CBF. Na turma que se omitiu, o posicionamento era basicamente o mesmo em todos: ataques informais e opção oficial de não comentar o assunto. A grande maioria dos presidentes citou que não era bom "entrar em rota de colisão" com a Confederação.

Muitos chegaram a mostrar descontentamento com o fato de não poder falar abertamente sobre o caso. Alguns chegaram a propor sugestões para mudanças no futebol brasileiro e comentar o  desgaste de Del Nero "em off". Com gravadores ou microfones abertos, no entanto, reinava o medo que mais fazia lembrar uma ditadura.   

Del Nero tem que sair? Os que comentaram

  • Grêmio

    Romildo Bolzan: "Del Nero é representante de um sistema que há anos toma conta da CBF e que tem sobre as federações, as comissões da entidade, um controle extremamente cativo. Não tenho nada contra a figura de Del Nero, mas sim contra o sistema que se apresenta e que está viciado. O modelo existente precisa ser profundamente alterado. Temos que trabalhar a democratização das entidades. Devemos dar voz e voto a todos aqueles que fazem parte do futebol brasileiro. Ele foi eleito e um ato de renúncia ou de qualquer outra situação poderá tirá-lo. Neste momento a culpa não é exatamente do Marco Polo Del Nero, a culpa é do futebol brasileiro que permite a manutenção desta estrutura"

    Imagem: Reprodução
  • Flamengo

    Eduardo Bandeira de Mello:"Sou a favor da apuração de todos os fatos e que sejam punidos os culpados. Não cabe a mim discutir se ele atrapalha a imagem do futebol brasileiro, porque uma coisa é consequência da outra. Não posso emitir opinião sem a conclusão das investigações. É até covardia ficar julgando uma pessoa em posição fragilizada. A menos que você tenha uma informação que eu não tenho, se tiver, me passa e talvez eu posa falar melhor."

    Imagem: Reprodução
  • Santos

    Modesto Roma: "Passou o momento (de Del Nero cair). Acho que não vai mais haver mudança. Havia toda uma acusação contra o Marco Polo, mas nunca provaram nada. Sem prova não há crime. Se ele é um dirigente bom ou ruim é outra história. Foi eleito de maneira legítima e não pode ser tirado na marra."

    Imagem: Reprodução

Preferiram não comentar

  • São Paulo

    A assessoria do clube afirmou que o presidente não falaria sobre o assunto.

  • Vasco

    Eurico Miranda. "Não gosto que fiquem falando da minha gestão, então não tenho que falar sobre a gestão dos outros."

    Imagem: Escudo do Vasco
  • Cruzeiro

    O departamento de Comunicação informou que o presidente Gilvan de Pinho Tavares preferiu não se pronunciar em situações que envolvem política

    Imagem: Reprodução/Aimorecoelho
  • Internacional

    Vitório Píffero (Internacional) optou por não responder os questionamentos do UOL sobre o caso.

    Imagem: Reprodução
  • Botafogo

    Presidente Carlos Eduardo Pereira decidiu não comentar os fatos pois tem uma boa relação com a CBF

    Imagem: Reprodução
  • Corinthians

    Assessoria do clube informou que o presidente Roberto de Andrade não iria comentar os questionamentos da reportagem sobre Del Nero

    Imagem: Reprodução
  • Atlético-MG

    Assessoria do clube informou que o presidente Daniel Nepomuceno disse que não é momento de comentar situação política da CBF

    Imagem: Reprodução
  • Palmeiras

    Através de sua assessoria de imprensa, o presidente Paulo Nobre foi mais um a informar que não comentaria os assuntos relativos a Del Nero

    Imagem: Reprodução
  • Fluminense

    Através de sua assessoria de imprensa, o presidente Peter Siemsen informou que não gostaria de comentar nada sobre Marco Polo e CBF

    Imagem: Reprodução

Juca Kfouri: Por que Del Nero tem que sair

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