Vida que segue

Como será o futuro dos atletas da Chapecoense que não entraram no avião que caiu na Colômbia

Danilo Lavieri e Luiza Oliveira Do UOL, em Chapecó (SC)

A cicatriz eterna

É uma mistura de alívio, com tristeza. De comemorar a vida, mas de lamentar a ausência dos colegas que, por vezes, viravam irmãos. Um misto entre acordar e saber que poderá continuar a vida com a família e não querer acreditar que nunca mais vai encontrar aqueles que transformaram a Chapecoense em uma mania nacional.

Seja por lesão ou por opção da comissão técnica, o elenco teve alguns escolhidos para não viajar. O UOL Esporte conversou com aqueles que podem ser considerados "sobreviventes" da tragédia mesmo sem terem entrado no avião. A maioria ainda não sabe o que será de seu futuro, mas têm a certeza que nunca vão esquecer o dia 29 de novembro de 2016.

"Vamos ficar associados ao acidente principalmente quando souberem ‘aquele moço ali era jogador naquele ano’. Por certo ponto incomoda porque não era dessa maneira que a gente queria que as pessoas vissem a gente", contou Neném.
 

Os "escolhidos" para não viajar

Alan Pedro/Getty Images Alan Pedro/Getty Images

Honrar os amigos

Eles sempre tiveram orgulho de defender a Chapecoense. Mas agora deixou de ser uma obrigação profissional. Os atletas que ficaram se sentem com a missão de reerguer a Chape para retomar os momentos de glória e, mais que isso, honrar os que entregaram suas vidas pelo clube.

“Eu sinto que é uma missão, sinto porque meus amigos, meus companheiros foram em busca da consagração e infelizmente voltaram de maneira trágica. Tenho a missão de seguir aqui e buscar o sonho deles de não deixar que o clube morra junto”, disse Neném. 

“Minha ideia é permanecer, sem dúvida. Fui capitão por quatro anos, consegui subir da Série C até hoje. Se a gente for permanecer tem de ter na cabeça a mesma garra e vontade sabendo que eles deram a vida pelo clube", afirmou Rafael Lima, capitão no time até 2015.

Marcelo Boeck diz que deixa de lado qualquer proposta que tiver para seguir na Chape. "A gente tem algumas missões no futebol. O valor como homem é o mais importante. Muito mais importante do que dinheiro ou aparecer em um time grande é continuar essa nossa história".

Mas como continuar?

A pergunta que paira no ar para todos os atletas da Chapecoense hoje é como continuar. Como entrar no vestiário e ver que ninguém mais está lá? Como entrar em campo na Arena Condá e não ser tomado pelas lembranças do velório coletivo? “Ou a gente corre ou a gente encara. Vamos precisar de um coração de pedra”, conta o goleiro Nivaldo, que agora faz parte da diretoria do clube.

Eles só terão a dimensão do baque quando passarem por isso. É o que pensam Rafael Lima e Neném. “No primeiro jogo vai ser difícil, não vai ter como não lembrar. Além da perda, teve o velório, tudo envolvido dentro do estádio. No primeiro dia de treino e jogo, tudo vai vir à tona, como a gente vai agir eu não sei”, analisou Neném.

Eles já vêm recebendo o apoio da família, das pessoas nas ruas e estão abertos a terem acompanhamento psicológico para aguentar um fardo tão pesado. Há uma preocupação especial com os meninos da base que vão se apoiar nos mais velhos. “Quando entrarmos no vestiário vamos sentir um vazio. Era um grupo muito alegre, passamos por muitas alegrias. Seria interessante se ficassem lideranças para nos dar forças. Espero que fiquem”, disse o jovem atacante Lourency, que veio das categorias de base e integra o grupo profissional.

Alívio para quem ficou?

  • Nivaldo

    "Meu nome estava na lista e eu não fui, né? Essa história é conhecida. Todo jogador quer jogar sempre, mas eu sabia que o momento dos meus companheiros era muito bom. Não sinto alívio, é tristeza que eu sinto".

    Imagem: Luiza Oliveira/UOL
  • Andrei

    "Penso que se tivesse ido teria acontecido comigo, mas eu estava treinado para ir. Eu queria muito participar dos jogos. Foi um acaso, mas estava trabalhando para ir para os jogos. Não é um alivio".

    Imagem: Divulgação/Site oficial da Chapecoense
  • Claudio Winck

    "Fiquei muito chateado por não ir, é um sentimento de tristeza que tomou conta. Eu não tenho nenhum sentimento de alívio"

    Imagem: Danilo Lavieri/UOL
  • Lourency

    "Depois do acontecido, me sinto agradecido e aliviado de estar aqui. Ao mesmo tempo triste pelos companheiros. Mas agradecer a Deus que me livrou".

    Imagem: Divulgação/Site oficial da Chapecoense
  • Neném

    "Quando vi o noticiário, a minha esposa me acordou na hora e disse: 'Viu do que Deus te livrou?'. Me dá um conforto porque eu acho que se ele me deixou aqui , se me livrou desse acidente, tem um propósito aqui ainda na Terra, e eu vou buscar seguir como tenho feito. Se ele me livrou disso, tenho que parar para pensar e rever algumas coisas".

    Imagem: Divulgação
  • Demerson

    "Sou abençoado por Deus, eu e todos aqui que estamos presentes por não termos estado no voo. Se não estar lá foi da vontade de Deus, me sinto abençoado por Deus, é outra oportunidade de Deus para estar com a nossa família honrando e nos dedicando aos companheiros".

    Imagem: Divulgação/Site oficial da Chapecoense
Xinhua/Imago/ZUMAPRESS Xinhua/Imago/ZUMAPRESS

Trauma com avião

O ato de recomeçar envolve mais do que remexer nas lembranças. Será preciso encarar os medos e os traumas que ficarão marcados para sempre. Como será voltar a viajar em um avião pelo menos uma vez por semana? O medo será inevitável ainda mais para quem esteve naquela aeronave.

O meia Neném teve a experiência de viajar com o grupo no mesmo avião da Lamia quando foram jogar em Barranquilla pelas quartas de final da Copa Sul-Americana. Ele chegou a conhecer o piloto e alguns dos tripulantes. Hoje, reflete sobre o risco que passou.

“Fui no mesmo avião, conheci o piloto e um dos comissários. Ele me cumprimentou quando aterrissou. A gente nunca vai imaginar que uma coisa dessas vai acontecer, às vezes paro para pensar. Ele sempre viajava no limite, provavelmente deve ter feito a mesma programação, o mesmo plano de voo. Mas para Barranquilla era menos tempo. Provavelmente a gente viajou no risco. Então claro que no primeiro jogo em que eu pegar um avião vão vir as lembranças. Tenho que deixar na mão de Deus, confiar e o for para ser, será”.

A Família Chapecoense

Os jogadores remanescentes sabem que fazer apenas o papel dentro de campo não será mais suficiente. A maior preocupação é com as famílias dos colegas que se foram. O meia Neném quer virar uma referência masculina para as crianças, que perderam os pais, e para as mulheres, que hoje não têm mais seus maridos.

“Me sinto com a missão de ajudar as famílias e os filhos deles. A gente tinha uma amizade muito próxima com Cleber, Thiego, Kempes, Bruno Rangel. Íamos fazer uma viagem todo mundo para Punta Cana. Quero estar no clube ajudando essas esposas, sendo uma referência para elas. No momento a prioridade é exclusivamente com as famílias que acabaram perdendo seus chefes, maridos, pais”.

O garoto Andrei acabou de sair da base, mas tem o mesmo pensamento. “A mentalidade daqui para a frente tem que ter um algo a mais. Vamos ajudar no que a diretoria e os familiares precisarem. Qualquer coisa estaremos à disposição”, disse.

Danilo Lavieri/UOL Danilo Lavieri/UOL

Futuro nas mãos de Mancini

Ainda não há qualquer garantia que os atletas que não viajaram permanecerão no clube. Os dirigentes trabalham para remontar um elenco inteiro e nem todos serão aproveitados. Pessoas ligadas à diretoria consideram que o zagueiro Demerson, o lateral direito Claudio Winck e o goleiro Marcelo Boeck não agradaram muito tecnicamente no ano passado.

Por isso, a tendência é que eles deixem o clube. Demerson já tem algumas propostas, enquanto Winck está emprestado pelo Inter e deve voltar ao clube gaúcho. “Não vai depender de mim essa decisão, vai depender muito do pessoal lá também”, disse o lateral. “Tenho pensado muito ainda nos meus amigos, não parei para pensar no meu futuro”, disse.

O presidente interino Ivan Tozzo coloca a decisão nas mãos de Vagner Mancini. "O contrato deles está acabando e a gente ainda não conversou sobre isso. Vou colocar o nome para a comissão técnica e o que eles decidirem a gente faz".

Dupla tem futuro quase decidido

Divulgação/Flickr Chapecoense Divulgação/Flickr Chapecoense

Talento deve ir embora

Titular absoluto, o meio-campista Hyoran só não estava no avião que caiu antes da final por estar lesionado. Completamente abalado pela tragédia, ele ainda não deu entrevistas e não falou sobre seu futuro. O que se sabe é que ele já tem contrato assinado com o Palmeiras a partir de 2017. No clube paulista, a notícia é a de que ele honrará seu vínculo. Resta saber qual será o estado psicológico de Hyoran para voltar aos gramados após o acidente com seus colegas de equipe.

Divulgação/Site oficial da Chapecoense Divulgação/Site oficial da Chapecoense

Eterna promessa deve ficar

Martinuccio ficou conhecido por uma briga travada entre Fluminense e Palmeiras para contar com o argentino. Ele rodou, sem sucesso, por Fluminense, Cruzeiro e Coritiba. É o único que tem contrato até o fim de 2017 entre todos do elenco. "Ele é irmão dos caras e teve um sentimento muito grande, então não conversamos tanto assim. Mas contratualmente ele tem contrato até 2017. Ele está no DM, está tratando e vai voltar com tudo em 2017", diz o presidente interino, Ivan Tozzo.

Divulgação/Site oficial da Chapecoense Divulgação/Site oficial da Chapecoense

Ídolo dará força fora de campo

A história de Nivaldo se confunde com a da Chapecoense. São mais de dez anos dedicados ao clube. O goleiro viu o time quase fechar as portas, passou pela Série D até se afirmar na elite e chegar à final da Copa Sul-Americana. Não seria nesse momento que ele iria abandonar o barco. Nivaldo já previa se aposentar dos gramados e virar gerente de futebol. Mas não imaginava que seria tão difícil.

"O mais difícil de ser dirigente vai ser a saudade que eu vou sentir dos caras que se foram. É entrar em cada lugar e lembrar de uma história. A minha rotina como gerente eu acho que não vou ter tanta dificuldade para cumprir porque muito é a mesma coisa do que eu fazia como jogador, de convivência, vestiários".

Ele estava na lista do voo e só não embarcou porque a delegação saiu direito de São Paulo para a Colômbia. O destino não permitiu que ele completasse o jogo de número 300 pelo clube.  "Eu vou poder usar a minha experiência de dez anos de clube aqui para me ajudar. A gente conhece todo mundo, conhece os dirigentes, o povo, a cidade. Vou trabalhar sempre com eles na cabeça e fazer o melhor por eles, para o time e para a cidade".

Curtiu? Compartilhe.

Topo