O que será da Portuguesa?

Aventuras da torcida, vestiário invadido e racha no time. Fiasco na Série D reforça temor sobre futuro da Lusa

Bruno Freitas e Luiza Oliveira Do UOL, em São Paulo
Rubens Cavallari/Folhapress

Por cinco minutos a Portuguesa não levou o título nacional de 1996, quando sofreu um gol do Grêmio no fim e viu a maior conquista de sua história escapar por entre os dedos. Hoje, pouco mais de 20 anos depois, os tempos de briga de igual para igual com os grandes do país residem só na memória do torcedor. Eliminada na primeira fase da Série D no último final de semana, a Lusa agora batalha pela sobrevivência – e não tem mais série para disputar no Brasileiro.

A atual gestão assumiu o clube no começo da temporada e ainda não conseguiu calcular o real tamanho das dívidas financeiras. O que se sabe é que a Portuguesa deve muito dinheiro (o valor superaria R$ 250 milhões em pendências trabalhistas). Por isso, o clube tem poucos recursos para ser competitivo no futebol profissional.

A campanha fracassada na Série D contou com aventuras da torcida pelo Brasil, invasão de vestiário e um racha no elenco. Mas a verdade é que a Portuguesa definha desde que foi rebaixada para a Série B em 2013, no tapetão.

O torcedor que um dia viu Dener e Zé Roberto vestidos de vermelho e verde (isso para não ir tão longe), hoje não sabe se continuará a ter time para acompanhar. Mas a fé do apaixonado rubro-verde demonstra não ser assim tão fácil de se derrubar. 

Arte UOL
Divulgação/Portuguesa Divulgação/Portuguesa

Elenco rachou com Marcelinho Paraíba

Nos primeiros meses do ano, a Portuguesa conseguiu fazer uma campanha apenas para sobreviver na Série A-2 do Paulista. Graças a uma recuperação nas rodadas finais, o time acabou escapando de mais um rebaixamento. Mas, no começo da disputa da Série D do Brasileiro, o elenco acabou rachando após a contratação do veterano Marcelinho Paraíba, de 42 anos.

A Lusa começou a disputa com vitória sobre a Desportiva e derrota fora para o Bangu. Neste momento, a direção optou por trocar Estevam Soares por Mauro Fernandes, técnico da confiança de Marcelinho, que estava parado há dois anos. Atletas ligados ao ex-meia da seleção também chegaram – como Fabiano Buchecha, lateral que foi preso após um treino por acusação de envolvimento com quadrilha organizada na Paraíba.

A influência de Paraíba sobre o vestiário foi imediata e causou desconforto em uma ala do elenco. Não demorou muito para que uma discussão ríspida de vestiário resultasse nas saídas de jogadores titulares como Leandro Domingues, Thiago Feltri, Vinícius Gouveia e Tarik.

Divulgação/Portuguesa Divulgação/Portuguesa

Ricardo Berna: "dificuldade imensa para contratar"

Ricardo Berna vive de perto os problemas da Portuguesa. Campeão brasileiro pelo Fluminense, o goleiro aceitou o desafio de vestir a camisa da Lusa na Série D e sabe que teve uma coragem que muitos atletas não teriam. O veterano conta que um dos problemas enfrentados pelo clube é não conseguir contratar jogadores. Poucos topam vestir a camisa da Lusa.

"O clube enfrentou uma dificuldade imensa para contratar jogador devido ao histórico de não honrar o compromisso. Os dirigentes se desdobravam porque o histórico não era bom. Muitos jogadores me procuraram e eu não tinha uma referência, mas confiava nas pessoas que assumiram responsabilidade", contou Berna.

"A dificuldade era tanta no início que em algum momento em que eles (diretoria) sentiram dificuldade, pela credibilidade que eu tinha, eu precisei intervir. Conversei com as pessoas para passar uma palavra, dizer como estava o ambiente. E umas duas pessoas, conversando, não quiseram se vincular", disse.

Nelson Antoine/Foto Arena/AE Nelson Antoine/Foto Arena/AE

Onde tudo começou

É consenso entre a torcida da Portuguesa que o declínio do clube começou com o polêmico rebaixamento no Campeonato Brasileiro de 2013. Naquele ano, a Lusa se livrou da queda em campo, mas acabou punida no STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) em razão da escalação irregular do meia Héverton, nos minutos finais da última rodada – o jogador estava suspenso.

Com a queda da Lusa, o Flamengo terminou o campeonato na 16ª posição, por conta da punição ao lateral André Santos em um caso semelhante ao de Héverton, e o Fluminense, que em campo terminou na zona de rebaixamento, subiu para 15º.

Na oportunidade, até o Ministério Público de São Paulo entrou em ação para investigar a suspeita de que alguém da Portuguesa ou ligado ao clube teria cometido o erro propositalmente em troca de dinheiro para fazer com que o time fosse rebaixado. No entanto, o caso acabou arquivado pelo MP em dezembro de 2016, sem culpados. 

O caso Heverton influenciou?

Totalmente. O clube chegou onde chegou por perder todo tipo de apoio pelo que aconteceu. Perdeu força política

Ricardo Berna

Ricardo Berna, atual goleiro da Portuguesa

Torcendo no fundo do poço

O UOL ouviu o relato de fiéis seguidores da Portuguesa, que acompanharam com dedicação a campanha na Série D do Campeonato Brasileiro. O amor pelo clube sobrevive através de histórias de dificuldades em estádios pelo Brasil. 

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Pneu furado e 30 horas na estrada

A trajetória na Série D parece o fundo do poço para a Lusa. E já começou de forma nada animadora. O jogo contra a Tombense, em setembro do ano passado, selou a queda para a última divisão do futebol brasileiro e se tornou um tormento para os torcedores. Não só pelo resultado, mas pela viagem traumática até Tombos, a 620 km de São Paulo, com direito a 30 horas de estrada com um pneu furado e a até usar um cartão de crédito como faca.

Não havia um estepe para substituir o pneu furado. Os torcedores ficaram de 20h de domingo até o meio dia de segunda-feira no meio da rodovia.

"A gente já estava revoltado pela queda, uma tristeza múltipla. Furou o pneu do carro no escuro com mulher, criança, senhor de idade”, contou Rodrigo Henrique Galdino Figueiredo. “A gente teve que esperar amanhecer para ir atrás de borracheiro. Uma pessoa deu carona para o motorista. Foi horrível, estava um calor infernal", disse.

A paixão que eu tenho por aquele clube... a gente pode trocar de namorada 20 vezes, mas a Portuguesa fica. É como se fosse corno, é traído mas continua ao lado dela

Yago Leonardo Fraga Rocha

Yago Leonardo Fraga Rocha, 23 anos, torcedor da Portuguesa

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Invadiu vestiário para agredir um jogador

Por Rodrigo Henrique Galdino Figueiredo (membro da Leões da Fabulosa):

"Eu estava no jogo contra o Villa Nova, em Nova Lima, e o vestiário é bem próximo da torcida, embaixo da arquibancada. Fui protestar e subi na grade para falar: ‘pô... os caras não ganhavam há quatro anos da gente’. Olhei para o vestiário e vi o Dinho, volante, dando risada depois da derrota. Perdi totalmente a cabeça.

Eu pulei, tentei invadir o vestiário para entrar, chutei porta, janela, o segurança. Só que ele (segurança) era muito grande e eu desisti. E ainda assim, se eu bato nele, teriam mais 22 lá dentro. 

Mas na hora a gente não pensa muito. Machuquei o braço um pouco, por raspar o braço na parede e ficou doendo. Meu único arrependimento foi de não ter conseguido pegar o Dinho."

Por incrível que pareça não chorei, não fiquei com raiva (pela campanha na Série D). Sabe quando você tem um parente no hospital há tempos, sofrendo, e parece que desligaram os aparelhos e ele parou de sofrer? Me deu essa sensação

Rodrigo Henrique Galdino Figueiredo

Rodrigo Henrique Galdino Figueiredo, consultor de negócios e torcedor da Lusa

Julia Chequer/Folhapress

Exercício de fé

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Vendo jogo do estacionamento

Por Antonio Augusto Béco Neves (membro da torcida Leões da Fabulosa):

"O jogo contra o Villa Nova foi com os portões fechados, o clube não conseguiu a tempo o laudo do estádio para Corpo de Bombeiros. A gente acompanhou o jogo do estacionamento, no areião. Cerca de 300 pessoas vendo o jogo por um telão. Foi uma tristeza, só de ver um jogo nessas condições. A gente tentou apoiar, mas não adiantou. A torcida foi guerreira, mas os jogadores não corresponderam.

Temos contato direto com o presidente, com as comissões técnicas. Fomos ao Centro de Treinamento dois dias antes da partida contra o Bangu. Conversamos com os jogadores, fizemos um barulho em forma de apoio.

É complicado. É muita coisa. Difícil de acreditar nas pessoas que estão lá, que visam o próprio bolso. A gente que ama acredita sempre. Mas, se for pelo lado racional, não dá

Antonio Augusto Béco Neves

Antonio Augusto Béco Neves, coordenador de informação gerencial e torcedor da Portuguesa

Festa no aeroporto

Mesmo com a situação complicada dos últimos anos, o torcedor mais dedicado não esmorece. O vídeo abaixo registra a farra de um grupo de seguidores no aeroporto de Cumbica, antes do embarque do time para a partida decisiva da Série D

"O tapetão me fez cair"

Bate-boca com a diretoria no WhatsApp

A fase de reconstrução da Portuguesa promove algumas situações inusitadas. É comum os bate-bocas entre integrantes da diretoria e torcida até pelo WhatsApp, por exemplo. Alguns diretores fazem parte de grupos de torcedores nos aplicativos e ouvem as constantes reclamações. Um deles enviou um áudio que se tornou famoso nas arquibancadas do Canindé:

Colocar dinheiro nessa m... ninguém quer. Mas criticar, todo mundo critica".

Logo depois da eliminação na Série D, uma ala da diretoria chegou a sofrer provocações virtuais. "É um amadorismo tão grande que os torcedores têm quase livre acesso à diretoria. No dia seguinte da eliminação, eles saíram do grupo e a gente colocava de volta. Foi assim o dia inteiro. Até que eles se cansaram e continuaram no grupo só visualizando o que a gente falava", contou Rodrigo Galdino. 

Jorge Araújo/Folhapress

E agora?

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Mea culpa

À frente do clube desde o começo do ano, Alexandre Barros emitiu um comunicado direcionado ao torcedor da Lusa para falar sobre o insucesso na Série D e pedir desculpas:

"Nesses primeiros seis meses de gestão à frente da Associação Portuguesa de Desportos traçamos alguns objetivos no plano esportivo. Dois deles diziam respeito a resgatar o departamento de futebol profissional de forma clara e direta: acesso para a Série A-1 do Campeonato Paulista e acesso para a Série C do Campeonato Brasileiro. Notadamente, ambos não foram alcançados, frustrando os anseios de toda nossa coletividade.

A responsabilidade pelo insucesso cabe a mim, Alexandre Barros. Fui o responsável direto pela montagem e remontagem dos elencos nas competições. Pelas trocas das comissões técnicas. Pelas contratações e dispensas de atletas. E por todo o plano de trabalho que se tornou ineficaz por minha incompetência nesse momento.

À nossa apaixonada torcida fica o agradecimento e as desculpas por privá-los das alegrias que eles sonham e merecem. Nessa caminhada, e em tantas outras, ela sempre esteve ao lado da nossa querida Lusa, com críticas ou aplausos."

A Portuguesa não acaba. Meu maior temor não é a bola. É a parte jurídica. Me preocupa. É muita dívida jurídica, muitas coisas. Ainda não conseguimos chegar a um valor preciso

Alexandre Barros

Alexandre Barros, presidente da Portuguesa, em entrevista ao blog do PVC sobre as dívidas do clube

A nova diretoria está tocando a parte administrativa de uma forma muito boa. Sem reclamação, todos os jogadores receberam em dia, inclusive os que saíram. Eu também recebi direitinho. O clube está no caminho certo na parte administrativa. Só na parte técnica que erraram muito

Estevam Soares

Estevam Soares, técnico da Lusa na Série A-2 e nas duas primeiras rodadas da Série D

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Sobrou a Copa Paulista

Derrotada pela Desportiva Ferroviária (ES) no final de semana, por 1 a 0, a Portuguesa foi eliminada da disputa da Série D. O clube paulista ficou na última colocação do Grupo A13, que também contava com Villa Nova (MG) e Bangu (RJ) – mineiros e capixabas avançaram. 

Nos primeiros meses do ano, a Lusa ainda disputou a Série A-2 do Paulista e por pouco não acabou na "Terceirona" estadual. O time do Canindé terminou em 13º entre 20 participantes, sendo que os cinco últimos caíram para a A-3.

No horizonte a curto prazo, a Portuguesa tem a disputa da Copa Paulista, torneio que preenche o calendário da Federação Paulista no segundo semestre e oferece ao campeão uma vaga na Copa do Brasil ou um lugar na Série D do próximo ano – o presidente da Lusa já avisou que optará pela Quarta Divisão em caso de sucesso.

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Te dá asas?

Revoltado com a situação do clube, um grupo de torcedores lançou um movimento na internet para a fusão com o Red Bull. Segundo os idealizadores, a união entre os clubes seria uma maneira de "ressuscitar" a Lusa. Os idealizadores da campanha até inventaram um novo escudo da "Portuguesa/Red Bull", além de uniformes.

"Se a solução não parte de dentro da diretoria, por que não vir de fora para dentro?", comentou Luis Felipe Rente, torcedor da Portuguesa.

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Opinião dos blogueiros

UOL UOL

Julio Gomes

A solução para a Portuguesa continuar existindo é separar futebol do clube. O futebol precisa ser terceirizado. Entregue nas mãos de uma empresa, com gestão voltada para formação e negociação de jogadores. De preferência, uma empresa com laços no exterior e que importe conhecimento de formação lá da Europa. Uma parceria com a Red Bull, que tem clubes fora? Ou algum clube grande português que possa trazer conhecimento teórico do jogo e vender talentos brasileiros no mercado europeu? É por aí.

Definitivamente, as chances de o clube sobreviver passam por se livrar do perfil de pessoas que tomaram conta dele desde sempre. Não há mais espaço para amadorismo, conservadorismo e, claro, bandidagem. Outros grandes do futebol brasileiro ainda podem sobreviver com este tipo de dirigentes, pois há cobertura intensa da mídia e receita grande com TV e torcida. A Portuguesa não pode mais se dar esse "luxo".

UOL UOL

Menon

A Portuguesa é um time anacrônico, muito mal dirigido e sem patrocinadores. Tem sobrevivido com a ajuda de empresários da colônia que ajudam com uma verba mensal. Nem se pode chamar de patrocínio, é uma ajuda, uma atitude bonita, mas nada profissional.

Ela perdeu uma grande chance de enfrentar seus problemas de frente, quando jogou para debaixo do tapete toda a sujeira que ocasionou a queda para a segunda divisão no famoso caso Heverton. Era hora de transparência e de escancarar que foi vítima de pessoas que venderam a vaga, que fizeram de tudo para que o clube fosse rebaixado.

O que resta, agora, é um bom patrimônio e um longo caminho a fazer. A salvação é levar em frente o projeto de revitalização do clube, com a venda de parte do terreno para a construção de shoppings e estacionamentos, em troca de uma verba mensal. E equacionar as dívidas trabalhistas. É muito difícil.

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