Só na malandragem

Da ousadia no Flamengo às polêmicas no Corinthians, Marcelinho sempre teve a própria esperteza como aliada

Brunno Carvalho, Vanderlei Lima e Vinicius Mesquita Do UOL, em São Paulo
Antônio Gaudério/Folhapress

Namoro escondido com o táxi do pai

Reprodução/Instagram Reprodução/Instagram

Uma mentira garantiu a primeira chance

O jeito ousado dentro de campo foi o mesmo utilizado por ele para conseguir sua primeira chance entre os profissionais. Oriundo da base do Flamengo, o "Pé de Anjo" não foi parar lá por um desejo de Telê Santana, técnico do clube na época. Mas por um blefe. Um truco que deu certo.

"Fui convocado para a seleção carioca de juniores na sexta e na segunda-feira teria o treino coletivo dos profissionais. Na segunda, peguei minha chuteira e fui direto para a Gávea (local do treino dos profissionais), sem falar nada para ninguém. Cheguei lá e falei para o diretor que o Telê tinha mandado me chamar".

Uma mentira que poderia resultar em represália ou, até mesmo, uma punição mais séria. "O diretor foi falar com o Telê e eu com o c... na mão. 'Vou ser suspenso, vão me tirar da seleção, alguma coisa vai acontecer'".

A ousadia, no entanto, acabou mudando de vez a vida do então rapaz de 16 anos. "Ele voltou e falou: 'Olha, Marcelo, não sei quem foi que te falou, mas o Telê não mandou te chamar. Mas como você já está aqui, fica'".

"Aí, meu amigo, 'como você já está aqui, fica', já era...".

Anibal Philot/Reuters Anibal Philot/Reuters

"Bagunçou" tudo e conquistou Telê

"Naquela semana, o Telê me colocou para treinar na ponta esquerda. E eu já comecei bagunçando em cima do Jorginho (lateral-direito), e só levando porrada. Depois, me colocaram na direita, e eu bagunçando em cima do Leonardo - com ele, era só cortar para a direita e ir para dentro.

No segundo tempo, saíram o Bebeto e o Zico dos titulares e o Telê me colocou junto com o Alcindo (ponta direita). E eu arrebentei! Fiz gol e o Telê falou: ‘você vai ficar aqui, não vai voltar para a concentração dos juniores. Vai para o profissional’.

Minhas pernas tremiam. Eu não tinha roupa, não tinha nada. Fui treinar na terça-feira e não desci para os juniores nunca mais."

Marcelinho estreou pelo Flamengo no dia 30 de novembro de 1988, no clássico contra o Fluminense.

Marcelinho chora ao lembrar da estreia no profissional pelo Fla

Fernando Santos/Folhapress Fernando Santos/Folhapress

A briga com Luxemburgo pega fogo em 2001

O ano de 2001 marcaria o fim de uma passagem vitoriosa de Marcelinho Carioca pelo Corinthians. Seu algoz no clube era sabido: o técnico Vanderlei Luxemburgo. A relação dos dois sempre teve atritos e explodiu um dia antes da final da Copa do Brasil de 2001.

Na ocasião, o treinador acusou Marcelinho de ter se encontrado com uma mulher no hotel em que o Corinthians estava concentrado para a final. O "Pé de Anjo" sempre negou a versão. "Nenhum jogador ligou para mulher nenhuma. Quem levou foi ele, para tentar desestabilizar o grupo e arrebentar os jogadores", afirma. "E em um dos primeiros quartos que ele bateu foi no meu. Foi uma situação criada".

Na véspera da partida, uma reunião com o elenco sobre o ocorrido invadiu a madrugada. Para Marcelinho, esse foi um dos principais motivos para a derrota no dia seguinte – o Grêmio venceu por 3 a 1, no Morumbi. "Sem tirar o mérito do Grêmio, tínhamos time para sermos campeões. Mas fomos dormir 3h da manhã, p... da vida".

Em agosto daquele ano, a relação dos dois estremeceria de vez. Em uma polêmica que envolveu também o meia Ricardinho, Marcelinho acabou afastado do Corinthians e Luxemburgo anunciou que nunca mais trabalharia com o meia.

Ele processou Luxemburgo por causa da briga abaixo. O que aconteceu depois?

"Dei meus migués, mas não tem nada que me desabone"

A faixa na cabeça com a descrição "Jesus" era marca registrada de Marcelinho Carioca nas comemorações de títulos. No entanto, a exposição da fé, segundo ele, acabou trazendo uma pressão sobre si. "As pessoas falavam: o cara fala que é crente, mas está metendo a porrada em todo mundo. Então, o Marcelinho ou é maluco, marqueteiro ou falso".

A última opção foi a que mais estigmou o ex-meia. "Às vezes eu dava meus perdidos, meus migués e os outros jogadores ficavam doidos", relembra. "Mas se for ver toda minha trajetória, não tem nada que desabone. Nunca apareceu nada fora de campo".

Se no passado havia a preocupação em mostrar uma vida regrada, Marcelinho afirma que aprendeu a lidar melhor com o que as pessoas podem pensar de suas atitudes. "Não pode ficar bêbado. Mas, pô, eu tomo meu vinho. Vou onde eu quero, faço o que eu quero, não sou hipócrita. Se meu amigo tem aniversário em uma balada, eu vou lá e vou ficar o tempo que eu quiser. Antigamente, eu tinha medo de ir em determinado lugar e tentava esconder o que estava bebendo".

Flávio Grieger/Folhapress Flávio Grieger/Folhapress

A dor do racismo na infância...

"O pai da menina que eu era apaixonado era uma das duas pessoas que tinham grana no bairro. E ele virou para mim e falou: 'olha, minha filha não namora nem preto, nem pobre'. E quando eu vendia salgado na feira com meu irmão Márcio, você ouvir: 'de onde vem isso aí, neguinho? Tá limpo? Sua mão está limpa? Sai daqui, criolinho'. Isso te ofende, te machuca".

Marlene Bergamo/Folhapress Marlene Bergamo/Folhapress

... E no futebol

"Dentro de campo, quanto mais o cara falasse, mais eu ia lá e metia gol. A única coisa que me ofendia é se falassem da minha mãe ou do meu pai. Mas não falavam, dentro de campo é mais difícil ter esse tipo de coisa. Os atletas se respeitam. Mas de torcida tem muito. Dependendo de onde você for jogar, você escuta cada coisa..."

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Corinthiano mesmo contra os filhos

O futebol permanece no sangue da família Surcin. Aos 22 anos, o filho mais velho de Marcelinho, Lucas, tem contrato com o Santos. Já Matheus, 18, tem uma pressão ainda maior nas costas: ele faz parte do elenco sub-20 do Corinthians, clube em que o pai é um dos maiores ídolos.

E Marcelinho já avisou Lucas: se enfrentar o Corinthians, nem espere pela torcida do pai. "Ele que se vire, porque eu quero que o Corinthians ganhe. Que seja 2 a 1, com gol dele, mas a vitória para nós", brinca.

Lucas nasceu em 1993, quando Marcelinho ainda defendia o Flamengo. De acordo com o ex-jogador, foi ele quem mais sofreu com agitado calendário do pai no futebol. "Ele sentiu muito o pai não poder ficar o final de semana em casa, trocar a fralda de madrugada, ir no parquinho essas coisas". "Hoje, tento estar mais próximos deles, estar junto. O tempo livre que tenho, no meio ou final de semana, fico direto com eles".

Aos 44 anos, Marcelinho é pai, além dos dois homens, de Marcella, irmã gêmea de Matheus. Todos eles são frutos do casamento do "Pé de Anjo" com Ana Cristina, sua primeira mulher, de quem se divorciou no final dos anos 1990. "A Ana é uma grande mulher. Ela educou muito bem meus filhos, me dou muito bem com ela. Falo de coração".

Ana Carolina Fernandes/Folhapress Ana Carolina Fernandes/Folhapress

'Rival'? Viva o Vasco

Marcelinho voltou ao Rio de Janeiro 10 anos depois de trocar o Flamengo pelo Corinthians. Mas o retorno não foi com a camisa rubro-negra. Pelo contrário: o time, agora, era o Vasco, maior rival da equipe que o revelou para o futebol.

"A passagem pelo Vasco foi brilhante. Eu não queria ter saído do Flamengo em 1993. Quando fui vendido para o Corinthians, falei: ‘vocês nunca mais vão me ver aqui e vão voltar para me contratar de novo e quem vai recusar serei eu'", lembra Marcelinho, que ressalta que a troca pelo Corinthians foi "a melhor coisa que aconteceu na minha vida".

Foram menos de oito meses com a camisa do Vasco e o título do Campeonato Carioca – a Taça Guanabara foi conquistada com dois pontos à frente do Flamengo. "Fomos campeões em cima do rival. Eu falava até 'rival', não falava o nome do Flamengo. E a torcida do Vasco ficava doida".

Esquecido pelas Copas

Mesmo com todo o sucesso no Corinthians, Marcelinho Carioca nunca conseguiu se firmar na seleção brasileira. Em toda sua carreira, foram apenas quatro jogos, com dois gols marcados. Mas ele não tem dúvida: tinha condição de ir para as Copas de 1994, 1998 e 2002.

"Eu estaria no grupo, sim. Jogar seria opção do treinador. Mas acho que tinha uma vaguinha para o Pé de Anjo entre os 22", afirma. "Tem situações que a gente às vezes não entende. Você anda pelo Brasil e todo mundo fala que você deveria estar na seleção. É meio estranho você não ir para uma Copa do Mundo".

O "Pé de Anjo" acredita que a falta de um empresário possa ter dificultado seu caminho com a camisa amarela, mas afirma não guardar mágoa. "Não tenho mágoa, mas tristeza. Porque eu sabia do potencial que tinha nas pernas e a diferença que fazia em campo".

Não fuja dessa!

Shaun Botterill/Allsport/Getty Images Shaun Botterill/Allsport/Getty Images

Relação com Zagallo

"Certa vez, fui no Faustão, e o Zagallo foi também. E ele pediu desculpas: 'pô, era para eu ter te levado'. E eu falei: ?não esquenta, Velho Lobo. O que passou, passou, mas que era para você ter me levado, era?. Às vezes você é muito jovem, menino, fala demais. Uma vez, contra o Botafogo-SP, o repórter falou: ?Zagallo está te vendo', e eu respondi: 'bom, ele não precisa ver. Ele já sabe'".

Juca Varella/Folha Imagem Juca Varella/Folha Imagem

O 'não' a Felipão

"Eu sabia que o Felipão não ia me convocar para a seleção. Em 2000, depois que saímos da Libertadores, ele queria porque queria me levar para o Cruzeiro. E eu disse 'não' no momento que ele precisava de mim. Então já sabia que seria mais difícil ser convocado por ter dito 'não' para ele".

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Túlio foi boicotado?

"É uma das outras mentiras contadas também. Não tem como você boicotar o grande jogador. Pega os replays e veja as bolas que eu cruzava para ele. Tinha parte da imprensa que preferia propagar o sensacionalismo à informação. O Túlio é um cara sensacional, nunca briguei com ele. O próprio Nelsinho pegou a Globo e falou: 'olha, fui eu que escalei".

Segue ou bloqueia? Marcelinho gosta deles? Descubra

  • Marcos

    "Às vezes até brinco com ele, dizendo que foi para a seleção brasileira, mas tinha que dividir o bicho comigo. Mas aquela noite foi dele, foi dele. Ele é um cara que todo o mundo gosta. Um cara brilhante, maravilhoso, sensacional."

    Imagem: Evelson de Freitas/Folhapress
  • Ricardinho

    "Um cara maravilhoso também, comigo sempre foi. Aquilo ali (briga em 2001)... O Vanderlei tentou jogar para ele. O fato de ele ficar sempre com a comissão técnica, irritava vários jogadores. Só depois fomos descobrir que ele ficava porque queria ser treinador".

    Imagem: Getty Images
  • Neto

    "O Neto mudou muito. Acho que a vida vai ensinando. Nunca tivemos um mau relacionamento, mas hoje nos damos muito bem. Inventaram fofoca, mas depois, olhamos olho no olho e falamos: 'a instituição e a torcida estão acima da gente, nós somos passageiros'".

    Imagem: Montagem/UOL
  • Datena

    "Tem um coração sensacional. Estou falando porque convivi com ele poucas vezes, mas sempre me tratou bem. Se tiver que ajudar um mendigo, ele vai ajudar, não faz acepção de pessoas. É um cara brilhante, sensacional, verdadeiro até demais."

    Imagem: Divulgação
  • Adriano

    "Ele é um cara que não sabe da maldade que está fazendo para ele mesmo. É um menino que saiu da comunidade e poderia fazer um projeto social maravilhoso para ser espelho para todo mundo. Mas depois do falecimento do pai, a cabeça dele... Precisa muito de ajuda."

    Imagem: Reprodução/Instagram
  • Lula

    "O Lula mudou a atual situação do país. Fez o filho do pobre estudar na universidade, fez o negro entrar na universidade. Ele trouxe Olimpíada, trouxe Copa do Mundo, fez a acessibilidade aos mais pobres. Mas em termos de corrupção, daquelas coisas, não convivi, não posso falar".

    Imagem: Jean Nunes/Brazil Photo/Estadão Conteúdo

Boas frases da entrevista

Nego falava que o Petkovic era chato, que brigava com todo o mundo, e se tornou meu melhor amigo porque cheguei e fui nele. Nego já começou a falar que ia ter briga entre Pet e Marcelinho para quem bateria as faltas. Falei 'Pet, olha, pênalti você bate. Falta próxima da área, se você achar que não está legal, eu bato'

Marcelinho Carioca

Marcelinho Carioca, Sobre o relacionamento com Pet no Vasco

Eu falei. 'Pai, consegui dar um passo para a vitória'. E ele falou 'não, você deu meio passo'. 'Quase 80 mil pessoas, eu dei um passo para a vitória'. 'Cadê o outro meio passo?'. 'A outra metade são os estudos'. 'Pô, pai, essa hora!' Então toda essa cobrança do meu pai me fez me formar na Escola Técnica

Marcelinho Carioca

Marcelinho Carioca, Sobre a dedicação e esforço de seu pai

Neymar não tem esse perfil (de capitão). O Neymar já é do povão, é do mundo. E todo o mundo já sabe, porque o Neymar, na provocação, não consegue se conter muito. Ele revida, é o estilo dele, ele é agressivo, mas desequilibra tanto que todo o mundo do futebol quer ele

Marcelinho Carioca

Marcelinho Carioca, Avaliando a liderança de Neymar na seleção

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