América azul, preta e branca

Estudo? Foco no Brasileiro? Reforços de risco? Grêmio trucou os críticos e não seguiu cartilhas para ser tri

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O que Renato diria após o tri?

Lucas Uebel/Grêmio FBPA Lucas Uebel/Grêmio FBPA

"Nunca um time gaúcho jogou como o Grêmio"

Veja bem, não é qualquer Grêmio. É este Grêmio que rasgou cartilhas para ser tri. Em dado momento de 2017, o time de Renato foi tão avassalador que despertou, na imprensa e na torcida, a dúvida sobre o seu lugar na história. David Coimbra, jornalista da Zero Hora, cravou a frase acima. Uma Libertadores deve colocar alguma pimenta na discussão, é de se esperar, mas os feitos vão além de qualquer polêmica.

Em um futebol brasileiro pobre, o Grêmio se destaca pela riqueza. Contra boa parte do que defendeu ao longo de sua história, o clube da raça colocou uma boa pitada de técnica no estilo que sempre o caracterizou. Luan, Arthur, Geromel, Barrios e Marcelo Grohe. Que clube brasileiro pode contar com cinco jogadores lembrados recentemente por suas seleções? Sob a batuta de Renato, o time que “abandonou” o Brasileiro chega à última rodada na briga pelo vice. Conquistar a Libertadores é quase uma formalidade, um selo para garantir que o time não seja esquecido...

E quem diria isso em janeiro? O Grêmio perdeu quase todo seu meio-campo de um ano para o outro, abraçou apostas pessoais de seu treinador no mercado da bola, contrariou quem pedia que o elenco se dividisse em três torneios e deu de ombros quando foi acusado de espionagem. Em qualquer manual do futebol moderno, seria reprovado.

Já na vida real...

Quem são os anti-heróis do Grêmio?

Se o Grêmio de 2017 virasse um roteiro de filme, certamente não seria um conto de fadas. No cinema, muitas vezes quem rouba nossa atenção é o vilão com coração, o mocinho de atitudes dúbias ou aquele personagem esquisito que não te deixa torcer por outra pessoa.

Arte/UOL

Renato brincou no Brasileiro. E foi campeão da América

Renato Portaluppi se gaba de não precisar estudar, diz que o mundo é dos espertos e é um reconhecido ícone da malandragem no futebol. Em tempos de “politicamente correto”, planejamento e sistemas táticos intrincados, no entanto, o tri da América não dá margem para contestação. Se o título da Libertadores tem um pai, ninguém vai discutir quem ele é.

Muito mais que um técnico, Renato é o “Poderoso Chefão” do Grêmio campeão. Ídolo em campo e fora dele, tem domínio total sobre tudo que acontece no clube, das contratações à programação do elenco profissional, passando pela maneira como o time estuda os rivais. Com a personalidade magnética que atrai narizes torcidos, é natural que tanto o fracasso quanto o sucesso esbarre no treinador. Quem não lembrou da famosa frase sobre “brincar no Brasileiro” quando o Grêmio abandonou a perseguição ao líder Corinthians?

Renato exorcizou o trauma do Fluminense de 2008, o maior de sua carreira, no comando de tudo. Foi ele quem convenceu o Grêmio a apostar em Cícero, autor do inesperado gol da ida da final. A coragem dele em bancar o Brasileiro permitiu o curto elenco tricolor chegar à decisão sem desfalques. E, acima de tudo, é dele o sistema de jogo que permitiu extrair o máximo de um grupo que nunca esteve no patamar de favoritismo que se atribuía a Palmeiras, Flamengo e Atlético-MG. Luan, que encontrou nele apoio tático, técnico e psicológico para ser o craque do time, que o diga.

Gostaria de pedir desculpas por ter usado de forma errada a expressão "mundo é dos espertos". Não quis usar de maneira pejorativa. Na verdade, o mundo é dos inteligentes."

Renato Gaúcho, um dia depois da frase polêmica, tentando se explicar

O Grêmio que encantou em 2017

Arte/UOL

Minha intenção nunca foi sair de graça. Por tudo que o Grêmio me proporcionou. Sou muito grato ao clube e nada mais justo que dar esse retorno. Não tive pressa para sair no meio do ano.

Luan

Luan, tranquilizando a torcida do Grêmio após o mercado da bola

Quem é amigo de quem?

No Grêmio, todo mundo se dá bem. Mas como em qualquer elenco, não dá para evitar a formação de "panelinhas"...

Lucas Uebel/Grêmio FBPA Lucas Uebel/Grêmio FBPA

Estrangeiros

Lucas Barrios e Beto da Silva puxam o grupo. São os gringos que ajudam uns aos outros na vida em um país diferente.

Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF

Pratas da casa

Bressan, Ramiro e Marcelo Grohe são identificados com o clube. Gremistas na infância, puxam a fila dos torcedores em campo.

Lucas Uebel/Grêmio Lucas Uebel/Grêmio

Boleiros

Douglas, Maicon e Luan. Com descontração e carreiras consolidadas. Risco de ostentação nas redes sociais.

Lucas Uebel/Grêmio Lucas Uebel/Grêmio

Evangélicos

Bruno Cortez, Fernandinho e Oliveira formam outro grupo. Eles se reúnem antes dos jogos para um momento de oração.

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Ali foi o Pietro [filho]. Ele está com 16 kg e eu tenho de segurar no braço [risos]. Eu vi o Ariel sozinho e me joguei. Firmei o braço e me joguei. Deu tudo certo. Ela pegou bem no braço, onde tinha de pegar. Foi bonito também pelo voleio. Foi roteiro perfeito

Marcelo Grohe

Marcelo Grohe, ao comentar o "milagre" da semi contra o Barcelona

Arte/UOL

Os apelidos dos campeões

  • Cara de égua

    Segundo o próprio, o apelido pegou depois de o lateral direito Edílson usar a expressão (comum na cidade natal) entre os colegas. Os outros dizem que é pelo formato do rosto mesmo.

    Imagem: LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA
  • Gringo

    A nacionalidade de Kannemann falou mais alto na hora de render apelido. Nascido em Concepción del Uruguay, na Argentina, ele rapidamente virou "gringo" no vestiário.

    Imagem: Divulgação/Grêmio
  • Porongo

    Cearense, Everton cresceu ouvindo piadas com o tamanho da cabeça ou a pretensa diferença anatômica de quem nasce lá. No Grêmio passou a conviver com a comparação a peça que serve como matriz para a cuia de chimarrão. O porongo é um fruto de casca grossa.

    Imagem: LUCAS UEBEL/GREMIO
  • Baixo

    O volante Ramiro tem 1,68m e já ganhou todos os apelidos possíveis por conta da estatura. De anão a pequeno gigante, alcunha usada muito por Roger Machado. Entre os jogadores, até por conta de um respeito maior, o que mais colou foi o resumo simples da altura.

    Imagem: Jefferson Bernardes/Divulgação/Grêmio
  • Gênio da lâmpada

    A figura de um ser capaz de resolver todos os problemas vem da mitologia grega. Renato nasceu bem longe de lá, mas pela postura e maneira de encarar os problemas recebeu esse apelido do elenco. Mas apenas os líderes e mais próximos do treinador ousam proferir a alcunha no dia a dia.

    Imagem: REUTERS/Diego Vara
  • Grilo, magrelo, capinha

    Seja qual for o apelido, todos são ligados ao biotipo de Luan. Magro, ele recebeu alcunha de todos no clube. Do roupeiro ao treinador. Na comissão técnica o jeito de chamar é 'capinha', por ser só uma capa de pele acima dos ossos. Entre os jogadores virou 'magrelo', mas lá atrás já atendeu como 'grilo'.

    Imagem: LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA
  • Verón

    Não é pela posição e muito menos pela qualidade. O zagueiro reserva Bruno Rodrigo ganhou esse apelido pela careca. De fato, essa parte do corpo lembra do craque argentino.

    Imagem: Lucas Uebel/Grêmio
  • Cabelo de coqueiro

    Cristian esbanja um penteado que desafia a gravidade. Os fios para o alto renderam brincadeiras já no primeiro dia no Grêmio. Num rachão, em tom descontraído, o apelido brotou.

    Imagem: Jeremias Wernek/UOL
REUTERS/Diego Vara REUTERS/Diego Vara

Renegados em festa

Ver talento onde os outros não conseguem é tão gremista quanto acertar um carrinho e emendar a roubada de bola com um berro no ouvido do rival. A tradição em recuperar jogadores desacreditados remonta ao time de Felipão, agora a penúltima versão do Tricolor gaúcho a levantar a Libertadores, em 1995. Dinho, de pouco destaque pelo São Paulo, levantou a taça embalado pelo ataque de Jardel e Paulo Nunes, renegados por Vasco e Flamengo, respectivamente.

Na versão 2017 desse fenômeno, não faltam personagens. No time titular, Edílson, Bruno Cortez, Fernandinho e Barrios. No banco, Cristian, Léo Moura, Marcelo Oliveira, Jael e Cícero. Se o Grêmio campeão tem cinco selecionáveis como sua base, boa parte do restante do elenco desperta más lembranças em torcedores de outros clubes. No gremista, ao contrário. Todos, de alguma forma, conseguiram brilhar na temporada.

A estratégia permitiu que o Grêmio chegasse ao título com um investimento muito menor que aqueles que pareciam ser seus maiores rivais. Enquanto o Palmeiras investiu R$ 120 milhões em reforços em 2017, o Tricolor montou seu time titular com cerca de R$ 10 milhões. Se o Grêmio não seguiu nenhum conselho para ser tri da América, talvez possa deixar alguma lição para quem quiser repeti-lo no futuro. Para o time de Renato, ao menos, investir em jogadores em baixa, mas com potencial, compensou.

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Quem calou as cornetas

  • Bruno Cortez

    Lateral esquerdo titular, foi contratado no começo do ano depois de dois anos no futebol japonês. Estava para fechar com o Náutico, da Série B, quando recebeu a ligação de Renato. Destaque do Botafogo em 2012, nunca havia repetido a boa fase.

  • Edílson

    Campeão brasileiro pelo Corinthians em 2015, deixou o clube paulista em baixa em maio do ano passado para assinar por três anos. No Grêmio, tornou-se importante nas bolas paradas, com direito a um gol na semifinal contra o Barcelona-EQU.

  • Fernandinho

    Depois de idas e vindas, esteve prestes a ser negociado quando foi "resgatado" por Renato Gaúcho. Virou titular na vaga de Pedro Rocha e abriu o placar com um belo gol na decisão contra o Lanús na Argentina

  • Barrios

    Deixou o Palmeiras no começo da atual temporada pela porta dos fundos. No Grêmio, ganhou carinho da torcida já no aeroporto. Com espaço e sequência, virou a referência no ataque e salvou o time contra o Botafogo nas quartas.

  • Cristian

    Outro jogador que chegou após ser dispensado. No Corinthians, onde retornou como ídolo em 2015, Cristian brilhou pouco. Fora da lista do Paulistão, foi afastado do elenco após uma entrevista. Encontrou refúgio no Grêmio sob o apoio de Renato.

  • Léo Moura

    Qual time é capaz de apostar em um lateral de 38 anos já no fim da carreira e com uma passagem frustrada pelo futebol norte-americano? O Grêmio de Renato foi. As boas atuações em algumas partidas lhe renderam até uma renovação de contrato.

  • Jael

    Centroavante com pouco brilho por onde passou, virou uma aposta do treinador do Grêmio em janeiro, depois de disputar a Série B do Brasileiro pelo Joinville. Mostrou estrela ao participar ativamente do gol marcado por Cícero na primeira final.

  • Cícero

    Talvez o caso mais emblemático. O meia deixou o São Paulo depois de ser afastado por Dorival Júnior em agosto. Semanas depois, foi contratado pelo Grêmio e estreou em plena semifinal. Na decisão, fez o gol que abriu vantagem sobre o Lanús.

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