Marcão mil grau

Goleiro diz que não gosta de virar memes e também fala um pouco de futebol

Danilo Lavieri Do UOL, em São Paulo
UOL
Joel Silva/Folhapress Joel Silva/Folhapress

Sai o goleiro, entra o torcedor-zoeiro

O Palmeiras perdeu para o Internacional e ainda assim se classificou para a próxima fase da Copa do Brasil. E um áudio com a inconfundível voz do goleiro Marcos, pentacampeão com a seleção brasileira e um dos maiores ídolos da história alviverde, começou a pipocar nos grupos de WhatsApp. “Quando joga mal e ganha é que os corintianos não dormem. Vai dormir duas, três horas da manhã de raiva”.

Marcos deixou de jogar bola, mas não conseguiu largar a característica que mais marcou sua carreira: a espontaneidade. Hoje, o ex-goleiro não se vê mais como jogador de futebol. Ele se considera um torcedor, como você e eu. Daqueles da zoeira, que mandam áudio no grupo dos amigos tirando sarro e que cantam até o hino do rival para ajudar o companheiro em necessidade (mas só depois de tomar algumas...). Em entrevista ao UOL Esporte, o goleiro não cansou de rir das próprias histórias. E revelou que corre para a internet para ver as montagens assim que a rodada acaba. “Choro de rir”.

Mas como a entrevista também tem uma parte séria, ele criticou a falta de privacidade, reflexo da evolução da tecnologia, elogiou a postura de Fábio Carille à frente do Corinthians, falou do 7 a 1, de Felipe Melo, Valdivia e Borja e decretou: o Palmeiras deve ser pressionado, sim, por causa dos milhões investidos para formar o time de 2017. Aproveite!

O áudio zoando corintianos

L. C. Leite/Folhapress L. C. Leite/Folhapress

Eu não gosto de virar meme

Marcos é zoeiro, mas se preocupa com a proporção que uma brincadeira pode tomar. Ele teme que um meme, por exemplo, possa virar motivo de briga entre torcedores. “Eu não gosto de virar meme, para falar a verdade. Procuro dar uma zoadinha, mas não é para inflamar e desrespeitar. A gente sabe que precisa prestar muita atenção no que fala. Para uma brincadeira virar incêndio, é fácil. E não é essa a intenção”, avisa.

A única vez em que ele fez uma provocação com a intenção de viralizar foi com Romarinho. O ex-corintiano fez um vídeo dizendo que o “Corinthians ganhou do Palmeiras? Eu já sabia”. A resposta veio também em vídeo: “O Corinthians perdeu do Palmeiras nos pênaltis de novo? Cadê a novidade?”

Todos os outros áudios e vídeos que circulam nos grupos foram sem querer. “É que eu esqueço que pode dar a merdinha... Você faz como torcedor. Eu não jogo mais bola, mas às vezes vaza e dá problema. Mas por quê? Porque quando perde, meu celular vira um inferno, precisa desligar. E se desligar é até pior. Eu esqueço que eu fui jogador”, explicou.

Evelson de Freitas/Folhapress Evelson de Freitas/Folhapress

"Hoje, me chamariam de baladeiro"

Hoje, Marcos comemora a aposentadoria e o fato de não precisar cumprir a rotina de jogador de futebol. E, principalmente, a autorização para curtir a cervejinha nas horas vagas. Antes, ele tinha que apelar para dias e horários alternativos para se divertir.

“Adorava ir na praia de segunda-feira. Só dava eu! Imagino como é hoje. Como deve ser a vida do pessoal que é famosão. Rapaz, com celular, com câmera, acabou com a vida do ser humano. O cara não pode nem fazer uma papagaiagem....”

Ele lembra de sua época na balada: “Na minha época, quando o Palmeiras ganhava eu ia para o Vila Country. Chapava o coco de cerveja, cantava, dançava e na época não tinha celular. Imagina se tivesse? Iam falar que eu era baladeiro, que eu era não sei o que”.

Marcos com camisa de rival? É zoação

Marcelo Pereira/Folhapress Marcelo Pereira/Folhapress

Ainda não consigo sair na rua tranquilo. É legal que me reconhecem até hoje, parece que ainda jogo. Mas não vou muito a lugares públicos por isso

Sobre o assédio contínuo

Quando o Palmeiras perde, o pessoal ainda cobra. E quando ganha, me ligam e dão os parabéns. Nem parece que não jogo há cinco anos

Sobre a relação com os torcedores

Em São Paulo, vivo uma vida boa, sem fama e sem glamour. Eu mesmo levo meu filho para escola

Sobre como é sua rotina atual

Celular acabou com a vida. Não pode mais fazer uma papagaiagem

Fernando Santos/Folha Imagem Fernando Santos/Folha Imagem

Ceni será grande técnico. Hoje, está aprendendo

De longe, apenas assistindo pela televisão e sem conversar com Rogério Ceni há tempos, Marcos acompanhava a nova carreira de seu antigo rival de posição com otimismo. Quando conversou com o UOL Esporte, o técnico ainda não tinha sido demitido e as palavras do ídolo palmeirense eram de otimismo. 

“Ele pegou o São Paulo em um momento difícil. Não falo com ele há muito tempo, mas vejo o clube com dificuldade de contratar. E ele é treinador novo. Está implantando o que pensa”, analisa.

O palmeirense sempre viu no amigo uma “veia de treinador”: “Com o Rogério, você sempre percebeu que ele era de montar times, mesmo quando jogava. Era treinador dentro de campo, tinha uma característica diferente”.

Isso não quer dizer, porém, que Ceni já estava pronto, na opinião de Marcos: “Ele é novo para treinador. Tem experiência de campo e acho que vai se dar bem. Mas, hoje, está passando apertado e aprendendo coisas que você não aprende com jogador. Mas eu acredito no trabalho. Trouxe um pessoal inteligente, um francês e um inglês que ajudam”.

Eduardo Knapp/Folhapress Eduardo Knapp/Folhapress

Professor Marcos?

Para ser treinador me falta a parte política. Precisa administrar ego, falar com presidente, diretor, torcida, imprensa, gerente... Eu teria dificuldade para me explicar e ficar bem com todas as partes. Acho que poderia fazer alguma coisa no meio-campo entre diretor e jogador, mas acho que não existe um cargo assim

Sobre porque nunca quis ser técnico

Rubens Cavallari/Folhapress Rubens Cavallari/Folhapress

Como é ser ex-jogador? "Tem muito tempo ocioso"

O drama da aposentadoria atinge todo jogador. Marcos também. A diferença para ele é que o contrato para ser garoto-propaganda do Palmeiras que assinou logo após pendurar as chuteiras ajudou a deixar a rotina da Academia de Futebol aos poucos.

“Por mais que eu tenha ocupações, que tome conta das minhas coisas, o futebol faz falta. Foram 20 anos no Palmeiras. É uma vida lá dentro. Depois que eu cumpri os anos de contrato de marketing, sobra tempo sempre. Quando jogava, não sobrava tempo nunca. Você estava sempre preocupado”.

A última vez em que acompanhou um treino do Palmeiras foi na semana do pós-título do Brasileirão. Foi ao CT para parabenizar os companheiros, mas explicou que evita visitas para não ter crise de saudades do futebol no seu dia a dia.

“Você para de jogar e precisa dar uma sumida. Vou pouco ao Palmeiras. Na última vez, estava com uma barbona, foi perto do natal. Não vou para me preservar. Tipo: você vai lá, bate papo e depois volta para casa. E não tem de voltar no dia seguinte. Tento não aparecer muito, até porque nem função lá dentro eu tenho”.

Danilo Verpa/Folhapress Danilo Verpa/Folhapress

"Eu sei a dor de levar sete gols"

O Brasil tinha acabado de eliminar o Chile, mas isso não impediu que Valdivia convidasse Marcos para acompanhar ao fatídico jogo da semifinal da Copa do Mundo de 2014 contra a Alemanha. Vizinhos de prédio, eles se juntaram para acompanhar o jogo. O chileno até vestiu a camisa do Brasil.

“Cheguei lá e ele estava zoando, vestindo a camisa do Brasil e tal. Quando começaram os gols, ninguém acreditou. Depois do jogo, ele ficou quieto, de boa, não fez brincadeira. Nem ele esperava”.

Marcos, como poucos, porém, entende o que é levar uma goleada como aquele 7 a 1. Ele lembra dos 7 a 2 para o Vitória, em pleno Parque Antártica, na Copa do Brasil de 2003. “Eu já tomei 7 do Vitória e nunca quis falar o que tinha que ser feito. Quando acontece uma coisa como essa, você fica tão perdido na hora... Está preocupado em ganhar e, aí, toma dois, três gols e você fica perdido”.

“Ver aquilo acontecer com a seleção foi um baque para todo mundo. Por ter vivido isso, eu entendo o que passou. Você fica desnorteado e quando vai ver, já levou uma goleada que, talvez, não merecesse”.

Pedro Martins/ MoWa Press Pedro Martins/ MoWa Press

Tite e a missa do padre Marcelo

O lado humano de Tite conquistou Marcos em 2006. Os dois trabalharam juntos no Palmeiras naquela época, mas o goleiro não entrou em campo porque atravessava mais uma de suas pausas para se recuperar de uma lesão.

O hoje técnico da seleção não durou muito no Palestra Itália, acabou demitido em um episódio histórico, com direito a bronca do então diretor de futebol alviverde, Salvador Hugo Palaia. O que ficou na memória do eterno camisa 12 foi um episódio de vestiário.

“Quando ele passou pelo Palmeiras, eu não joguei. Estava machucado, acho que tinha operado o braço. Não tenho certeza porque foi tanta cirurgia que eu não lembro mais quando foi qual. Mas sei que não joguei com o Tite”, diz o goleiro.

“Ele me viu duas vezes largado no vestiário e, como ia muito na missa do padre Marcelo Rossi, me levou duas vezes com ele. Eu torço para o Tite por causa disso. O lado humano dele é legal. No momento em que ninguém precisava me agradar, ele me levou para ajudar no lado pessoal”.

Paulo Whitaker/Reuters Paulo Whitaker/Reuters

Quando aposentei, achei que aposentar minha camisa era uma homenagem grande demais. A do Ademir não foi aposentada. A do Pelé não foi. A do Zico não foi. Fiquei orgulhoso, mas sei que é difícil deixar a camisa aposentada

Sobre a aposentadoria do número 12

Eu acho que poderia voltar para o goleiro. Deixa Jailson, Vinicius usarem. Deixa os outros goleiros continuarem a história do número 12, que ficou tão importante no Palmeiras quanto o 1, que teve Leão, Veloso, Oberdan e Valdir

Sobre o que ele faria com a camisa hoje

Reinaldo Canato/Folhapress Reinaldo Canato/Folhapress

O papel de Marcos no fracasso de Bruno e Deola

Se Marcos sofreu com a aposentadoria, o palmeirense também sofreu com o vácuo deixado por ele no gol. A Academia de Goleiros foi praticamente enterrada com os fracassos em sequência de Deola, Bruno, Fábio, Raphael Alemão... O ídolo alviverde acha que tem culpa nisso.

“Você sabe que nessa do Bruno e Deola eu tenho participação. Sou um pouco o responsável por não terem segurado a barra. Quando me aposentei, queria fazer as minhas coisas e parei de ir ao clube. Quando eu jogava, dava muito conselho, falava com os caras. Mas quando parei, larguei”.

Segundo Marcos, foi diferente do que aconteceu com ele. “O Sérgio e o Veloso sempre me ajudaram, eram meus amigos. Mas quando o Deola e o Bruno começaram, eu parei. Nunca perguntei para eles sobre isso, mas acho que quando eles começaram a jogar, eu tinha de ter ficado lá e dado aquela acudida. Segurado as pontas. Mas eu parei, fui fazer as minhas coisas porque pensei que eles já estavam preparados”.

Ale Cabral/AGIF Ale Cabral/AGIF

Borja é igual ao Valdívia

Borja ganhou, inicialmente, a camisa 12 que foi de Marcos, foi recebido com festa no aeroporto e ainda não decolou no Palmeiras. Para Marcos, porém, é questão de tempo. O goleiro lembra da dificuldade de outro ídolo palmeirense, o chileno Valdivia, ao futebol brasileiro para analisar o colombiano.

“O Borja é um grande jogador, que ainda vai deslanchar, mas a gente precisa entender: quando o Valdivia chegou, não foi ‘o cara’ no primeiro ano. Você precisa de paciência. Por mais que o Borja chegue como fazedor de gols, ele é um ser humano e enfrenta as dificuldades comuns que qualquer pessoa enfrenta ao chegar em outro país, em outra cidade”.

Maior contratação da história do clube, Borja custou R$ 35 milhões e não consegue se firmar entre os titulares porque Cuca aponta falha na recomposição do atacante.

MIGUEL SCHINCARIOL/ESTADÃO CONTEÚDO MIGUEL SCHINCARIOL/ESTADÃO CONTEÚDO

Liderança do Felipe Melo

Marcos foi sempre líder dos grupos em que participou, não só pela idolatria, mas também por poder falar com qualquer jogador sem medo das consequências. Experiente no cargo de “chefe do time”, ele elogia a atuação de Felipe Melo no elenco alviverde.

“Ele é um cara respeitado mundialmente. Jogou em um monte de time. E só de estar no elenco ele já exerce uma influência. Olha o Thiago Santos, o quanto ele evoluiu só de estar perto do Felipe. Ter um jogador desse naipe é importante por causa disso. Os espertos olham o que o Felipe Melo está fazendo e aprendem”, afirmou.

“E, pelo o que eu fiquei sabendo, ele treina para caramba, chega cedo. É um cara bem-sucedido fazendo as coisas como bom profissional. Isso agrega muito no sistema. Quem não é tão famoso precisa ter esse cara como exemplo. Para esse jogador que está começando saber que, mesmo com fama e dinheiro, você tem de continuar fazendo o mesmo”.

Pressão sempre vai ter. Com um time desses fica mais fácil

“Quando começa um Brasileiro desse jeito e está lá embaixo, não só eu, todo torcedor do Palmeiras reclama. Pô? O que é isso? Por que está assim?”

Marcos é dos que defendem que o Palmeiras precisa, sim, ser pressionado para ganhar tudo o que disputa. Para ele, os milhões investidos precisam ser usados como incentivo, não como um problema que aumenta a cobrança por resultados.

“É muito melhor enfrentar pressão com time qualificado para ganhar campeonatos. Nesse caso, você sabe que o seu problema está no campo. É preciso mais vontade, dividir mais, dar mais carrinho. O que falta é algo que está no campo. Não é falta de talento. Ter gastado muito dinheiro é bom, não é um aumento de pressão. Até porque pressão, em time grande, você vai ter sempre. Com time ou sem time”.

Ter time bom não é mais pressão. Pressão sempre vai ter

Ricardo Nogueira/Folhapress Ricardo Nogueira/Folhapress
AFP PHOTO / Luis Acosta AFP PHOTO / Luis Acosta

Corinthians líder não é surpresa

“O time mais europeu da América do Sul”. É assim que Marcos define o impressionante Corinthians de Fábio Carille, que lidera o Brasileirão e mantém invencibilidade recorde. “O Corinthians tem um conjunto muito bom, há anos mantém uma mesma identidade tática. É um time que joga de uma forma simples, não vai para cima de ninguém, se defende bem. Para mim, não é surpresa o que está jogando no Brasileiro”.

“Quem falou que o Corinthians ia ser a quarta força de São Paulo já viu que estava enganado. É o time mais europeu dos brasileiros, é muito tático, tem jogadores inteligentes que se posicionam muito bem e jogam com e sem a bola”, explica.

Para ele, o responsável é o treinador. “Se estão assim é pelo Carille. Não é o futebol vistoso, mas ninguém tem isso por aqui. Quem joga bonito é Barcelona, é Real Madrid. No Brasil, o Corinthians é o mais certinho”.

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