DNA corintiano

Meio Tite, meio Mano, Fábio Carille já se provou no Corinthians. Falta só o título brasileiro

Dassler Marques e Diego Salgado Do UOL, em São Paulo
Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians

Como se constrói um treinador?

No dia 21 de dezembro de 2016, Joaquim Carille recebeu um telefonema do filho Fábio: “Pai, acho que eu vou assumir o Corinthians”. A falta de convicção ao falar com o pai parecia indicar o cenário em que o técnico se enquadrava.

O caixa corintiano estava (e ainda está) em situação difícil e as primeiras opções para o posto (Dorival Júnior, Guto Ferreira e Reinaldo Rueda) não deram certo. Fábio Carille era uma aposta no prata da casa, naquele auxiliar que estava no clube há tempos. Quem o conhecia sabia que existia nele talento para virar treinador. Mas ninguém questiona que ele era a última opção.

Carille ignorou quem duvidava dele e de seus jogadores. Mostrou que tem DNA corintiano e resgatou a essência de jogo e a cultura de trabalho que Mano Menezes (2008 a 2010 e 2014) e Tite (2010 a 2013 e 2015 a 2016) construíram. Foi campeão paulista, fez o melhor turno da história do Brasileirão por pontos corridos e teve o contrato renovado até o fim de 2019. Some isso à vantagem na liderança da Série A, que indica alta probabilidade de título, e Carille já deu certo.

O UOL Esporte falou com ele e quem acompanha de perto seu trabalho para responder: como se constrói um treinador?
 

Ser chamado de 4ª força ajudou

Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians

Fábio trocou a primeira chance para estudar mais

Carille começou jogando na lateral, mas já era zagueiro no fim da carreira, pelo Grêmio Barueri. Quando resolveu parar, há pouco mais de 10 anos, recebeu de Walter Sanches, então presidente do clube da grande São Paulo, a primeira chance como técnico.

“Nós botamos ele na base para ajudar. Meu filho, que hoje trabalha no Paraná Clube, e ele tomavam conta da base. Ele foi treinar o sub-20, mas um dia chegou para mim e disse que não estava preparado. Queria fazer estágios e se preparar mais”, conta Walter.

Sidnei Lobo, auxiliar de Mano Menezes e amigo de Carille, o chamou para um estágio no Grêmio. “Ele me pediu três meses de licença não remuneradas e disse ‘depois volto’. É um cara de muito caráter, que não é traíra e é bem profissional. Eu gostava muito dele”, conclui Sanches, em cuja administração o Barueri alcançou a Série A antes de cair pouco a pouco.

Mano e Sidnei levariam Carille para ser auxiliar no Corinthians em 2009.
 

2017 na seleção brasileira? Poderia ter acontecido...

Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians

25 minutos com Tite

Carille conta que fala o tempo todo com Tite, às vezes até três vezes na mesma semana. “Muito pouco sobre futebol”, despista o técnico corintiano, que havia conversado por 25 minutos com o ex-chefe pouco antes da entrevista ao UOL Esporte.

“É por [ligação de] WhatsApp. O Tite é pão duro”, conta, aos risos. “É por telefone, por vídeo...ele é um amigão. Foram cinco anos juntos. Ele me tratou como um filho, mesmo. Ajudou a me formar, foi dando liberdade para as palestras, porque eu sentia dificuldade para falar em grupo. Pude conduzir treinamentos, ser participativo demais no dia a dia. É um amigo, um pai no futebol, uma pessoa que respeito demais”, descreve.

Mas e o gol corintiano comemorado por ele contra o Santos, Fábio? “O Tite é emoção. Ele é assim, tem um vínculo muito grande por tudo que aconteceu no Corinthians. Foi campeão da Copa do Brasil pelo Grêmio, da Sul-Americana pelo Inter... Mas a Libertadores foi uma marca, um título que não tinha. Além de Mundial, Brasileiros, Paulista... É um cara que ficou marcado e ele é emoção. Vejo isso como natural pela história que construiu aqui”. 

Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians
Almeida Rocha/Folhapress Almeida Rocha/Folhapress

O primeiro capitão de Carille

William, hoje no Sportv, usou a faixa nos dois primeiros jogos de Carille como interino, em 2010

Ele era muito discreto e prestativo. O segundo auxiliar, normalmente, tem pouco atrito com os atletas. O Fábio, além de participar das elaborações de treinamentos, fazia outros treinos à parte com alguns jogadores. Eu gostava de fazer trabalhos individuais com ele. Eu tinha deficiências que entendia que só com o treinamento coletivo não era suficiente para resolver.

Em 2010, quando o Adílson Batista acaba dispensado, o Fábio tem a primeira oportunidade. Ele mesmo ainda se sentia despreparado para dirigir o Corinthians. Ele aceitou o convite da direção, mas já havia comunicado que não queria, em hipótese nenhuma, ser efetivado. Eu entendi a posição: ele não se sentia com ascendência sobre o grupo.

Nós dois temos personalidades pacatas. Já tive vontade de quebrar vestiários, sim. E ele não tem sangue de barata. Mas na maior parte do tempo é ponderado. perder a cabeça não leva a nada e ele entende. Se precisar dar um murro na mesa, ele vai fazer. Mas, de fato, não é o tipo de liderança que ele entenda que faça diferença.

Ele se apoiava muito nas lideranças do elenco. O Tite fez isso quando chegou. É uma forma sábia de comandar, mas tem um limite. Chega o momento em que precisa tomar a decisão. Quando tem um elenco de boas lideranças, isso facilita. No Corinthians de 2010, tínhamos eu, Alessandro, Chicão, Danilo, Ronaldo, Roberto Carlos, Paulo André, Edu Gaspar... Um grupo com boa liderança e a maior parte puxava para o lado bom.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

"Engole as coisas. Não adianta bater de frente"

Joaquim Carille, que jogou por equipes do interior paulista e se aventurou como treinador, fala sobre o filho

Educação vem de casa

Aqui em casa sempre fomos muito tranquilos. Conversamos de frente e temos muitos amigos. Somos sérios e brincamos, mas com respeito. Na criação dele, isso ajudou muito. Muita coisa é dele também, porque alguns filhos são bem criados e não viram nada.

Não é fácil seguir com dignidade

Eu sofri tanto no trabalho porque nunca achei que o ser humano deveria ter duas caras. Sempre fui brincalhão e amigo. Tem que ter dignidade, decência. Por ter dignidade, querer as coisas retas, sofri no trabalho. Fábio seguiu essa linha.

Qualidade e defeito

Ele procurou aprender com todos os treinadores. Ele é um gestor, ele sabe lidar com as pessoas. Sem contar o conhecimento que tem. Todos temos defeitos e o dele não é um lado ruim, mas é querer ser amigo e ajudar todo mundo. No lugar que ele está ocupando, é difícil.

Orgulho de pai

Ele se definir como uma pessoa do bem. Que procura unir tudo. Nas entrevistas, no início, ele foi apedrejado e não respondeu mal. Essas coisas deixam a gente orgulhoso. A última vez que falamos, logo após assumir o cargo, eu falei: “Procura engolir as coisas, não adianta bater de frente. Mostra no campo."

Rodrigo Gazzanel/Ag. Corinthians Rodrigo Gazzanel/Ag. Corinthians

Às vezes, a solução de amanhã está hoje no banco

Dois jogadores do Barueri chegaram logo depois de Carille para a temporada 2010: Ralf e Leandro Castán, que se conquistariam títulos importantes pelo clube. São exemplos de atletas que estavam afirmados no futebol profissional, mas precisaram de tempo para se estabelecer no Corinthians. É um modelo até hoje replicado.

Carille tem uma aposta para ser o próximo jogador a dar esse salto: Marquinhos Gabriel. “Foi muito criticado no começo, mas já fez grandes jogos. Ele vai para cima, tem o um contra um e dá bons passes. Ele tem que espelhar nessa situação também. No ano passado, ele e outros tiveram que dar uma resposta muito rápida, às vezes sem suporte”.

Acostumado a dar confiança pública aos jogadores, Carille ainda fala de Giovanni Augusto, sobre quem ainda pairam desconfianças. “Eu já considero um jogador recuperado. Sei que pode ser muito mais e acredito muito no potencial do Giovanni. A gente teve uma infelicidade com ele (lesões). Acredito muito no potencial desse jogador e vou continuar insistindo com ele”.
 

Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians

Ser um técnico sem peso ajudou a colocar jovens

Carille já apostou neles

  • Defederico (2010)

    "Talvez o Corinthians não tenha tido paciência para deixar ele maturar na Argentina. Por tudo que olhamos no futebol argentino, ele poderia ter sido muito mais do que foi".

    Imagem: Fernando Santos/Folha Imagem
  • Alexandre Pato (2013-14)

    "A característica do Pato, como jogador, não é aquela que o Corinthians gosta. Na minha opinião, o Ralf não joga no São Paulo, mas joga no Corinthians. O Pato joga no São Paulo e não joga no Corinthians. São características, ideias de cada equipe, histórias que precisamos respeitar. Para mim, foi o maior exemplo".

    Imagem: Adriano Vizoni/Folhapress
  • Willian Arão (2012)

    Chegou muito jovem. Eu o conhecia do sub-17 do Barueri. Ele cumpriu os três anos de contrato aqui, mas a gente tinha um meio-campo muito forte. Alguns jogos que fez, ele foi bem. Jogador com muita qualidade, não sei dizer se não houve acerto no fim e ele quis sair.

    Imagem: Reprodução/Twitter

Visões de Carille do futebol atual

Carl Recine/Reuters Carl Recine/Reuters

3 zagueiros é moda na Europa

"A Copa mostrou equipes com três zagueiros. Todas as formas de jogar são ótimas, desde que tenha os jogadores para aquilo. Se você colocar três ali que são zagueiros mesmo, não funciona. Pelo menos esses dois de lado precisam ser rápidos, dar cobertura e ter boa saída de jogo. Não é minha preferência".

Alvaro Barrientos/AP Photos Alvaro Barrientos/AP Photos

Real, o time do momento

"É uma equipe comprometida e com qualidade técnica. O bom para o técnico europeu é o tempo que aqueles jogadores estão juntos. Uma equipe que coloca a bola no chão, baixa para marcar com as linhas bem fechadas e com muita qualidade do lado esquerdo, com o Marcelo na linha defensiva".

 AFP PHOTO / PIERRE-PHILIPPE MARCOU AFP PHOTO / PIERRE-PHILIPPE MARCOU

Losango no meio-campo

"É uma forma que acho interessante. O Tite sempre usou antes de chegar no Corinthians. Com esses três volantes por trás do armador, é possível. Usamos com o Mano algumas vezes. Tite chegou a jogar assim. Equipes são campeãs de todos os jeitos, desde que tenham os jogadores para cumprir as funções".

Ricardo Moreira/Fotoarena/Estadão Conteúdo Ricardo Moreira/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Estudar na Europa

"A organização ofensiva é pouco falada. Até anos atrás, não víamos no Brasil. Hoje, quem analisa vê clubes cada vez mais organizados. Nos cursos, busca-se conhecimento. Termino esse ano a Licença Pró da CBF. Ano que vem, quero sair. Vejo o Real organizado, mas como se faz para organizar daquele jeito?"

Quando o técnico relaxa?

O Corinthians de 2018

JALES VALQUER/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO JALES VALQUER/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Lucca volta da Ponte

"Pelo que vem fazendo, ele volta. Deixei claro numa conversa franca com ele que não iniciaria o ano com ele como titular, mas que não queria que ele saísse. Mesma coisa com o Romero. Não começou como titular e brigou pela posição".

Ag. Corinthians Ag. Corinthians

Saídas possíveis

"Acredito que vamos perder alguns jogadores importantes. Pode ser Arana, Pablo, que está indefinido, o próprio Balbuena, que está chamando a atenção, o Maycon, que é jovem e tem regularidade. O próprio Jô, com 30 anos. Pode aparecer um mercado árabe e China".

Quantos reforços para a próxima temporada?

Se a gente ficar com esse time hoje e não perder ninguém, eu vejo aí quatro ou cinco jogadores para chegar e disputar posição

Fábrio Carille

Fábrio Carille, sobre o planejamento para a próxima temporada

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