Uma vida (nem tão) simples

Bicampeã olímpica Fabi fala da vida sem carro, medo da aposentadoria, vontade de ser mãe e, claro, Bernardinho

Léo Burlá e Pedro Ivo de Almeida Do UOL, no Rio de Janeiro
Rafael Andrade/Folhapress
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A estrela do esporte que decidiu ser como você

Fim de mais um treino na Urca, zona sul do Rio de Janeiro, e Fabi coloca seu capacete, troca o uniforme pelo agasalho e completa o visual discreto com os óculos escuros. Sai com sua bicicleta pelas ruas e, após 30 minutos de pedalada, está em casa, em Ipanema. Dessa vez, foi de bike. Mas poderia ser de ônibus ou metrô. “As pessoas entram, olham para mim e me perguntam o que faço ali. Ué, a mesma coisa que elas: vou trabalhar”.

Fabi pode ser bicampeã olímpica, conquistado o ouro nos Jogos Pan-Americanos e subido cinco vezes ao lugar mais alto do pódio do Grand Prix de vôlei feminino. Mas tenta, a todo custo, manter a simplicidade da vida. “Eu brinco que estou voltando às minhas origens. Eu morava em Irajá, no subúrbio, e andei a vida inteira de ônibus. Depois, comprei carro. Agora, vendi. E ainda economizo, evito estresses com burocracias, vou lendo meu jornal. Tenho aproveitado mais a minha vida e o meu dia-a-dia”.

Não que seja uma tarefa fácil. Aos 37 anos, Fabi sabe que está próxima de uma grande mudança: a vida longe das quadras. Ao UOL Esporte, ela falou sobre o medo da aposentadoria, o desejo de ser mãe, a dificuldade de morar em uma cidade como o Rio de Janeiro, e a convivência com Bernardinho.

Muita gente pergunta o que mudou na minha vida com duas medalhas de ouro. Cara, mudou que eu tenho duas realizações incríveis. Agora, fora a realização profissional, do reconhecimento dentro do mundo do vôlei, que é muito restrito, nada mudou

Admitindo que o impacto das conquistas não foi tão grande

"Não é normal homem ganhar mais que mulher"

Dentro da nossa sociedade machista, se a Fabi fosse homem, teria um reconhecimento maior. É triste. Nossa sociedade vê as musas, não vê a grandiosidade das atletas

Sobre como sente que o reconhecimento feminino é menor

Ezra Shaw/Getty Images Ezra Shaw/Getty Images

O início do adeus às quadras

Fabi soma 19 anos como profissional de vôlei e sabe que está perto da despedida. “Acho que esse é o momento mais difícil da carreira de qualquer atleta. Eu acompanhei esse processo de aposentadoria de alguns grandes atletas e pude comprovar isso. Há dois anos eu estou trabalhando esse momento para que seja menos doído”, admite.

O primeiro ato foi deixar a seleção brasileira. Uma aposentadoria parcial para que pudesse, como no caso do carro, aproveitar um pouco mais a vida de gente normal. O resultado? Pela primeira vez Fabi teve férias. “Por causa dos calendários de clube e seleção, eu nunca tinha tido férias. Agora que deixei a seleção, isso me deixou entender como é bom ter férias. E também me fez ver que eu tenho saudade da rotina de treinos, também”.

A aposentadoria definitiva ainda não tem prazo. “Eu estou evitando dizer ‘esse ano vai ser o último’. Eu achava que 2017 seria esse ano, mas não foi. Vamos vendo como isso vai acontecer”, conta.

O que Fabi vai ser quando deixar o vôlei?

Eu não tenho medo de acordar e não ter nada para fazer. Não é isso. Mas existe uma insegurança de "pô, o que será que eu vou fazer?". Você está jovem para a vida, mas velho para o esporte. E o voleibol não te dá uma independência financeira, você não consegue parar e dizer "não vou mais fazer nada"

Sobre o que anda pensando nos últimos meses

Reprodução Reprodução

Uma campeã à procura de um novo esporte

A rotina cotidiana de atleta de alto nível está quase no fim, mas a veia competitiva seguirá a mil por hora em Fabi. Com mais tempo livre para curtir, ela é uma atleta em busca de novos esportes para amar.

"Tenho uma vontade enorme de saltar de parapente, mas acho meio arriscado. Adoraria aprender surfe também. O Bernardinho está pedalando agora e eu adoro pedalar, mas tenho medo. Vejo a galera caindo e penso que vou ficar uma atleta mais velha e medrosa. Estou tomando gosto nas férias por vários esportes para poder me encaixar", conta.

O primeiro esporte que ela encontrou foi a corrida. “Eu comecei há pouco tempo e já estou completando algumas provas”. 

"Meu pai não deixava lavar camisa do Vasco em casa"

Antônio Gaudério/Folhapress Antônio Gaudério/Folhapress

Flamenguista, Fabi era xodó de Eurico Miranda no Vasco

Por mais incrível que possa parecer, a flamenguista "roxa" Fabi era tratada como xodó de Eurico Miranda durante sua passagem pelo Vasco. O atual mandatário do clube gostava da raça que a a atleta mostrava em quadra com as cores cruzmaltinas. 

"Eu sempre fui uma jogadora muito raçuda, e a Isabel era a treinadora, e eu entrava para sacar às vezes, para fazer um fundo de quadra, e ele gostava muito desse meu jeito, né. Me chamava de minha baixinha. É engraçado. E eu entrava, defendia e ele... ‘pô, essa é minha baixinha’". 

A líbero viveu uma situação inusitada depois de um jogo contra o Flamengo, pela Superliga. "Estava terminando o doping. Quando terminei, fui entrar, aí estava ele falando, e eu cheguei na hora que ele falou assim ‘pô, queria agradecer’...A gente estava com problema de salário atrasado na época...'Queria agradecer o empenho e tal, foi muito legal, mas vocês nunca vão entender o que que é perder para o Flamengo'. Aí eu entro, cara, aí ele esbarrou em mim e disse: 'essa aqui sabe, porque essa é carioca, essa não sei o que'. Ele jurava que eu era vascaína. Acho que pelo jeito...E eu adoro isso, porque eu de fato me entregava ao time". 

Eu só não gritei ‘casaca’. Mas eu fazia o ritual, porque, pô, eu tinha o maior respeito. Eu tenho gratidão pelo Vasco

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"Eu vou ser mãe, mas não sei se vou gerar"

Outro desafio de Fabi tem a ver com a vida fora do esporte. Há alguns anos a jogadora amadurece um sonho: o de ser mãe. “Eu vou ter filho. Vou ser mãe. Isso é mais certo que parar de jogar vôlei. É um desejo”.

Discreta, ela não gosta de falar de relacionamentos e vida pessoal. Por isso, não sabe exatamente como vai realizar esse objetivo: “Não sei se vou gerar esse filho, mas eu vou ter filho, com certeza. Isso é uma vontade que tenho desde que nasci. Se tem uma coisa que eu sempre soube que iria ser é ser mãe. Mas não sei de que forma vai ser. Isso ainda não pensei”.

Discreta, Fabi evita falar de vida pessoal

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem

Do ponto de vista de conquistas, faltou um título mundial. Mas do ponto de vista pessoal, eu ganhei muito mais do que eu imaginei ganhar. Ganhei títulos e amigos

Sobre os mais de 60 títulos conquistados em mais de 20 anos de carreira

Matt Rourke/AP Photo Matt Rourke/AP Photo

Brasil caiu na Rio-2016 por grupo fraco na 1ª fase

Da posição de comentarista da Rede Globo, Fabi viu a seleção brasileira feminina de vôlei ser eliminada pela China, nas quartas de final da Rio 2016. Para a bicampeã olímpica, a chave brasileira pode explicar o "fracasso" das meninas brasileiras no Maracanãzinho. "Eu não sei se foi isso, eu não estava lá dentro para detectar. Mas pelo fato de a gente ter caído num grupo muito fraco tecnicamente, talvez não tenha dado para a seleção ter noção do nível real da Olimpíada. Acho que isso foi um problema", opinou.

Wander Roberto/VIPCOMM Wander Roberto/VIPCOMM

"Em dez anos de seleção nunca vivi problema de grupo"

O mito em torno das relações conflituosas entre as jogadoras da seleção feminina de vôlei é grande. Fofocas sobre vaidade, guerra de egos e ciúme sempre acompanham a equipe quando as coisas não vão bem. Com uma longa estrada com a camisa verde e amarela, Fabi jura de pés juntos que nunca viveu nada disso: "Eu nunca vivi, especialmente nesses últimos dez anos, um problema de grupo. Nada que exigisse algum tipo de ação para contornar. Acho que talvez esse tenha sido o grande segredo".

"Já mandei o Bernardinho para aquele lugar"

Alexandre Arruda/CBV Alexandre Arruda/CBV

É triste ver Bernardinho e Zé Roberto distantes

Multicampeã, Fabi conviveu com os dois maiores técnicos de vôlei do Brasil. Bernardinho, em seu clube no Rio de Janeiro, e José Roberto Guimarães, na seleção feminina. O convívio era constante, um em cada metade do ano. E ver dois grandes mestres praticamente como desafetos magoa a líbero.

"São os maiores da história. Eu nunca estive presente nos problemas que eles tiveram. Só eles sabem o que rolou e acho que são adultos o suficiente para conduzir. Fico triste porque gostaria de os dois fazendo algo pelo voleibol, talvez juntos", lamentou.

E ainda que rasgue elogios aos dois, Fabi não esconde sua preferência por Bernardinho. "Na seleção [com Zé Roberto], existe cobrança e uma vivência de 24 horas. São muitos momentos de tensão, de corte. No clube [com Bernardinho], não. É uma coisa mais descontraída, tem folga, tem churrasco, tem eventos com o time. O fato de, talvez, conviver com o Bernardo por mais tempo aqui no clube gere uma relação de muito mais intimidade".

Alexandre Loureiro/Getty Images Alexandre Loureiro/Getty Images

"Queria ver o Bernardinho presidente"

Essa convivência também faz Fabi ter uma certeza: Bernardinho seria um presidente excelente para o Brasil. O técnico vem sendo cogitado como possível candidato em eleições no Rio de Janeiro.

"Eu gostaria de ver pessoas como ele na política. O cara que transpira, que dá a vida, que se entrega de corpo e alma. E um cara honesto. Se ele vai acertar ou errar, não sei. Mas gostaria de ver pessoas com o perfil do Bernardinho. Eu sinto que ele é um cara preocupado com o futuro dos filhos, das pessoas, dos cidadãos ", afirmou ela.

Apesar do voto declarado, Fabi também conhece um lado do treinador que teria problemas na política. "Eu não sei se seria um lugar para ele. O Bernardo é um cara prático, que faz, um cara justo e honesto. Eu nunca vivi o meio da política, mas sei o que significa fazer política. E eu não vejo o Bernardo com esse perfil".

A gente está acostumado com essa questão de ?ah, mas é no Brasil?. A única forma de mudar é mostrando para as novas gerações que não é no jeitinho. É fazendo melhor, fazendo o que tem que ser feito, administrando da forma que tem que ser administrada, prestando as contas que têm que ser prestadas

Sobre o "jeitinho brasileiro"

Rio aproveitou pouco a Olimpíada

Sem o estresse da competição, Fabi curtiu a Olimpíada do Rio intensamente. Como comentarista ou como torcedora, a atleta bateu ponto em ginásios e arenas construídas para o evento. Se as lembranças dos Jogos são as melhores possíveis, a cidadã não tem o mesmo entusiasmo quando fala da herança olímpica.

"Minha sensação é que faltava sempre alguma coisinha. Teve o metrô, mas a estação da Gávea não teve. Teve o BRT [sistema de ônibus em faixas exclusivas], mas ele vai até um lugar, mas não vai ao outro. Acho que a sensação é essa: a gente aproveitou, mas não tirou o dez que poderia tirar”.

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