O ídolo em xeque

UOL detalha processo de estupro contra CR7 nos EUA e mostra o que pode acontecer com o astro

Karla Torralba Do UOL, em São Paulo
Manuel Queimadelos Alonso/Getty Images

A imagem (quase) perfeita

Cristiano Ronaldo sustentou por anos a imagem de namorador, boy magia, ricaço. Envolveu-se com celebridades famosas e sua lista de conquistas tem Paris Hilton, Kim Kardashian, Irina Shayk. Foi flagrado em momentos comprometedores, apareceu na capa de tabloides após bater o carro, foi acusado de trair suas namoradas.

Acompanhando suas ótimas performances em campo, vinha a imagem de rebelde perfeita.

Como todo mundo, o ídolo cresceu. O futebol continuou rendendo títulos e os contratos publicitários ficaram cada vez mais milionários. E Cristiano Ronaldo, antes inconsequente, virou homem sério de família, pai de quatro filhos. A paixão pela atual namorada, Georgina Rodriguez, ajudava na construção da imagem. Antes playboy, agora era o homem perfeito.

Até o dia 1º de outubro de 2018. Uma investigação de suposto estupro foi reaberta pela polícia de Las Vegas (Estados Unidos), com Kathryn Mayorga acusando o astro de estupro. Detalhes da acusação foram divulgados amplamente pela imprensa mundial.

Será que Cristiano Ronaldo sofrerá uma segunda metamorfose em sua imagem?

Reprodução/Der Spiegel Reprodução/Der Spiegel

Explicando o caso

Há um ano, a revista alemã Der Spiegel publicou que Cristiano Ronaldo era acusado de estupro em Las Vegas. O material foi classificado como “obra de ficção” pelos advogados do jogador e a repercussão na mídia acabou abafada. Agora, a vítima, impulsionada pelo movimento feminista #metoo nos Estados Unidos, resolveu falar.

A ex-modelo norte-americana Kathryn Mayorga deu uma entrevista contando detalhes do ocorrido à revista alemã e, com novos advogados, entrou com uma ação civil contra o jogador para anular um acordo de confidencialidade assinado em 2010, meses após o suposto crime. Ela alega ter sido coagida para assinar o contrato. Enquanto isso, a TV americana CNN divulgou que o caso criminal contra o jogador foi reaberto pela polícia.

A cronologia a seguir foi cedida ao UOL Esporte pelo advogado Maurício Ejchel, que teve acesso ao processo:

A cronologia do processo

12/06/2009 – Data do suposto crime de estupro envolvendo Kathryn Mayorga

Onde: Palms Hotel e Cassino, Las Vegas.

13/06/2009 – Registro da Queixa-crime pelo suposto crime de estupro (sexual assault)

O que Kathryn diz: que Cristiano Ronaldo chamou um grupo de pessoas para sua suíte. Em determinado momento, diz que o jogador se aproximou dela quando estava trocando de roupa para usar a jacuzzi. Ronaldo pediu que ela fizesse sexo oral nele. Ela diz que se recusou e, então, o jogador a levou para um quarto, onde a estuprou enquanto ela gritava “não, não, não”. Ela foi ao hospital, passou por exames e reportou o caso à polícia. Não citou que se tratava de Cristiano Ronaldo.

12/01/2010 – Acordo de US$ 375.000,00 (assinatura do acordo de confidencialidade – NDA)

O que diz: o acordo de confidencialidade diz que Mayorga não pode falar sobre as acusações que fez contra Cristiano Ronaldo em troca de US$ 375 mil. O advogado internacional Mauricio Ejchel leu o acordo e explicou ao UOL que o contrato de sigilo é ligado às movimentações do processo criminal. “A parte do processo civil tem uma ligação com o criminal. O termo de acordo deles, entre outras coisas, tinha o compromisso de não contar às autoridades. Era um acordo civil, mas impedia de produzir ações de natureza criminal”.

27/09/2018 – Kathryn entra com uma ação civil contra Ronaldo

O que quer: invalidar o acordo. A alegação é que o trauma pelo evento a deixou sem capacidade mental para assinar documento como o acordo. Além disso, diz que foi mal aconselhada pela advogada da época. Afirma, também, que os advogados de Ronaldo a enganaram. Por fim, Ronaldo teria descumprido obrigações contratuais por não ter lido pessoalmente uma carta escrita por ela no período de duas semanas da assinatura do acordo.

Qual a quantia: Ela pleiteia um mínimo de US$ 200 mil (quatro acusações de danos no valor de US$50,000 cada). O valor da indenização poderá ser elevado em razão da capacidade financeira e patrimonial do Ronaldo.

01/10/2018 – Polícia de Las Vegas reabre o caso criminal

O que diz: Com base nas provas colhidas pela polícia em 2009 (quando Kathryn registrou o caso), como o vestido que usava na época, suas roupas íntimas e p laudo do hospital em que passou por exames, o departamento de polícia pode reabrir o caso pois a legislação local aumentou o prazo para iniciar a investigação em até 20 anos do fato com base nas provas. Uma pessoa que esteve com a ex-modelo na noite também é testemunha do caso. A polícia, porém, leva em consideração que uma pessoa não tem capacidade de reproduzir com clareza algo que aconteceu há quase dez anos.

Na época, a moça levou provas para a polícia. São essas provas que dão base para o início da investigação

Maurício Ejchel, especializado em direito internacional, sobre as provas da época

Isso é muito sério, mas muito lento. A polícia apura, entende o que aconteceu, vai para procurador que analisa se leva adiante ou não

Maurício Ejchel, sobre os próximos passos

Jamie Squire - FIFA/FIFA via Getty Images Jamie Squire - FIFA/FIFA via Getty Images

Cristiano Ronaldo pode ser preso?

O UOL Esporte ouviu Maurício Ejchel, especialista em direito internacional, e Fernando Magri, criminalista e da Escola Paulista de Direito, para saber o que de fato pode acontecer com Cristiano Ronaldo a partir de agora.

Condenação criminal?

Por enquanto não. Como Cristiano Ronaldo está fora dos Estados Unidos, a polícia reabriu o caso com base nas provas colhidas em 2009. Isso é possível porque a legislação local aumentou o prazo para iniciar a investigação em até 20 anos do fato. Vale ressaltar que, apesar da repercussão do caso, ainda não há processo criminal formal, apenas um procedimento investigativo reaberto pela Polícia de Las Vegas.

Cristiano Ronaldo vai ter que depor?

Não é obrigado. Com relação ao processo criminal, o único procedimento que poderá ser feito pela polícia de Las Vegas é tomar o depoimento de Cristiano Ronaldo. Isso pode acontecer por vídeo conferência, por exemplo. Ronaldo pode se recusar a depor.

Ele pode ser preso agora?

Sim, mas é difícil que ocorra. Dadas a natureza e a gravidade do fato, há risco. A ordem de prisão poderia se dar tanto ao final do processo quanto durante, mediante a recusa injustificada do jogador de comparecer voluntariamente para prestar esclarecimentos à autoridade policial ou judiciária dos EUA. A segunda opção é improvável por se tratar de figura pública.

Prisão perpétua?

Muito difícil que ocorra. Tecnicamente, o crime de agressão sexual pode sujeitar o agressor a pena perpétua, com chance de liberdade condicional após 10 a 15 anos. Porém, esta situação é, normalmente, aplicada em casos de maior gravidade, como, por exemplo mediante grave violência corporal à vítima. A Justiça de Portugal também não prevê prisão de caráter perpétuo como uma de suas modalidades de pena (Portugal foi uma das primeiras nações a abolir a punição). Assim, é possível que tal penalidade seja questionada pela defesa do jogador.

Extradição?

Não. Ainda que existam tratados de extradição entre EUA, Itália e Portugal, o procedimento só é aplicável com a existência de sentença judicial irrecorrível. Portanto, neste momento qualquer apresentação de Ronaldo teria de se dar de modo voluntário.

Cristiano Ronaldo pode viajar para os Estados Unidos?

Melhor não. Se Cristiano Ronaldo entrar em território americano e houver procedimento criminal contra ele, o jogador pode ser detido logo na imigração do país e levado à corte provisoriamente. Isso acontece com frequência nos EUA.

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Nike já admite rescisão de contrato

Os milhões de dólares em contratos publicitários de Cristiano Ronaldo correm risco real por causa da acusação de estupro. Segundo a Forbes, em 2018 o jogador receberá ao todo US$ 47 milhões (R$ 174 milhões) só de patrocinadores. É o terceiro atleta mais bem pago da lista da revista, atrás de Messi e Floyd Mayweather.

A Nike, que tem contrato vitalício com o jogador, afirmou em nota oficial estar “profundamente preocupados com as alegações perturbadoras e continuaremos monitorando de perto a situação”.

O UOL apurou que a rescisão de contrato não é apenas uma hipótese, mas uma tendência interna defendida com veemência por membros do alto escalão da empresa. A fabricante de materiais esportivos, inclusive, já se movimenta em busca de todos os detalhes legais do processo e quer se posicionar de forma contundente o mais rápido possível.

A EA Sports, produtora da série de games Fifa, inicialmente tirou a imagem do jogador da Juventus dos materiais de divulgação do Fifa 19 e soltou a seguinte nota: “Tivemos acesso ao relatório que detalha as acusações contra Cristiano Ronaldo. Estamos monitorando de perto a situação, já que espera-se que os atletas-embaixadores se comportem de uma maneira adequada aos valores da EA”.

A marca de shampoo Clear, da Unilever, afirmou em comunicado: “As alegações são profundamente preocupantes e estamos monitorando de perto a situação". A Herbalife disse que não se manifestará sobre o assunto. O UOL também pediu posicionamento para a American Tourister, mas não teve retorno até o fechamento dessa matéria.

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Para especialistas, Ronaldo deve ficar na geladeira

José Colagrossi, diretor-executivo do Ibope Repucom, empresa especializada em pesquisa de marketing esportivo, explica que sempre que uma marca se associa a atletas, existe risco. “Quando as marcas se associam à celebridade esportiva, há mais risco: o humano e o esportivo.  O humano é de a pessoa fazer algo errado. O esportivo, de o atleta não performar”.

Ele ressalta que é melhor descansar a imagem de Cristiano Ronaldo no momento e agir com cautela quanto a patrocínios. “Elas precisam primeiro entender que isso é uma crise global. É preciso diminuir a exposição do personagem com a marca. Se tinha campanha para ser divulgada, você vai segurá-la. É preciso dar um tempo para ver como esse assunto vai evoluir e qual é a conclusão”.

Sobre o contrato vitalício com a Nike, Colagrossi avalia que a situação é diferente. “No caso da Nike, ela já ganhou tanto dinheiro com Cristiano Ronaldo no passado que pode se dar ao luxo de botá-lo na geladeira por alguns anos”.

Em todo o mundo, não existem dez superatletas do mesmo tamanho de Cristiano Ronaldo. Messi, Lebron, Tom Brady... Se pegar essa minoria de supercelebridades, todos eles, até que algo aconteça, têm essa imagem de gente perfeita que não faz nada errado. Cristiano tinha essa aura. A gente vê nas mídias sociais todos os tipos de reação, de apoio e recuo. Mas vê muito um tom de decepção

Colagrossi, sobre a repercussão do caso Cristiano Ronaldo entre os fãs

O problema é seríssimo. É um momento de repudio à agressão à mulher, isso está muito vivo na vida das pessoas. É ainda pior pelo fato de Ronaldo ter trocado de time e a performance em campo não está sendo exatamente a que esperavam. E o que faz a acusação ser dura é o fato de ter dado dinheiro para a moça. Isso cria uma sensação de culpa no cartório, que não é conclusão completa

Colagrossi, sobre o cenário prejudicial a CR7

Emilio Andreoli/Getty Images Emilio Andreoli/Getty Images

A defesa de Cristiano Ronaldo

Em 2017, quando a revista Der Spiegel publicou pela primeira vez as acusações ocultando o nome de Kathryn, a defesa de Cristiano Ronaldo classificou a publicação como “obra fictícia de jornalismo”, acusando a revista alemã de divulgar documentos sem provas via Football Leaks.

Em 2018, assim que as acusações foram publicadas, Cristiano Ronaldo veio a público dizer que se tratava de “fake news e que está acostumado com pessoas que utilizam de seu nome para se dar bem”. No dia 3 de outubro, no entanto, publicou um comunicado em tom mais sério em seu Twitter (provavelmente orientado por seus advogados): “Eu nego com firmeza as acusações contra mim. Estupro é um crime abominável que vai contra tudo que sou e acredito. Não vou alimentar o espetáculo mediático montado por quem quer se promover à minha custa. Minha consciência tranquila me faz esperar tranquilamente os resultados de qualquer investigação”.

Reprodução/Instagram Reprodução/Instagram

Campanha por apoio pode virar contra acusado

Cristiano Ronaldo também tem a família ao seu lado. A irmã, Katia Aveiro, lançou uma campanha nas redes sociais com as hashtags #justiçaCR7 e #estamoscontigoatéofim.

A Juventus afirmou que “Cristiano Ronaldo mostrou nos últimos meses o seu grande profissionalismo e dedicação, apreciados por todos na Juventus. Os eventos supostamente delatados de dez anos atrás não mudam a nossa opinião, compartilhada por qualquer um que teve contato com este campeão”.

O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, exaltou os resultados esportivos de Cristiano Ronaldo. "Eu não mudo de ideia sobre o papel esportivo e nacional que alguém que hoje está envolvido em assuntos de Justiça teve na vida do nosso país. Isso existe, é uma realidade”.

O Cristiano Ronaldo tem pontos que podemos destacar como favoráveis, como o apoio da família e a quantidade de fãs, que é muito grande. Hoje, de modo geral, ele tem um nível de discrição em relação à vida dele. Ainda não teve prejuízo efetivo em sua imagem, mas questões de estupro são muito fortes

Luiz Alberto Farias, livre docente em opinião pública pela ECA-USP, sobre a imagem de CR7

Tudo depende de como isso vai evoluir. Quando se pede dos fãs, independentemente de quem faça isso, sem dúvida gera algum tipo de apoio momentâneo ao atleta. Ele tem milhões de fãs. Muitos vão apoiar e falar que ele é vítima de algo. O risco é que se ficar provado que ele fez algo, aí isso volta de modo impiedoso

José Colagrossi, sobre a campanha da família e o que pode acontecer caso seja provado algo contra Cristiano Ronaldo

O que aconteceu com outros atletas acusados de estupro

Dino Panato/Getty Images Dino Panato/Getty Images

Robinho

Em 2017, foi divulgada a condenação de Robinho por estupro na Itália. O caso aconteceu em uma balada em Milão, em janeiro de 2013. Segundo o processo, Robinho abusou sexualmente de uma mulher junto com cinco amigos. Cabe recurso.

REUTERS/Mario Anzuoni REUTERS/Mario Anzuoni

Mike Tyson

Quando era o maior nome do boxe no planeta, passou três anos na cadeia nos anos 90. Ele foi condenado pelo estupro de Desiree Washington. Foi liberado por bom comportamento em 1995. O ex-pugilista teve direito à liberdade condicional na época.

Harry How/Getty Images/AFP Harry How/Getty Images/AFP

Kobe Bryant

O astro do basquete foi acusado de estupro em 2003 por uma jovem de 19 anos. De acordo com a acusação, Kobe a forçou a fazer sexo com ele em um hotel. O processo não foi para frente porque a suposta vítima parou de colaborar com a polícia.

Próximo passo: o que os envolvidos fazem a partir de agora?

Cristiano Ronaldo contratou o advogado das estrelas David Chesnoff para fazer parte de sua equipe de defesa. O dono do escritório Chesnoff & Schonfeld, sediado em Las Vegas, já assessorou estrelas como Shaquille O'Neal (basquete), Mike Tyson (boxe), André Agassi (tênis), Bruno Mars (cantor), Leonardo DiCaprio (ator), Paris Hilton (socialite), Jamie Foxx (ator) e os familiares de Michael Jackson.

Em relação à imagem pública, Cristiano Ronaldo evita se expor e só tem aparecido publicamente nos jogos da Juventus. O jogador se mantém ao lado dos filhos e de Georgina Rodriguez.

Enquanto isso, em Las Vegas os advogados de Kathryn Mayorga tentam traçar um perfil negativo de Cristiano Ronaldo para ir além das provas criminais de quase dez anos atrás. Os advogados estão conversando com ex-namoradas do jogador, incluindo Paris Hilton e Kim Kardashian. A ideia é encontrar traços de comportamento que ajudem a criar a imagem de uma pessoa capaz de um crime como ele é acusado.

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