Choque de Cultura!

Achou que o Brasileirão ia ser igual aos outros? Edição 2018 põe técnicos, gestão e o próprio torneio em xeque

Pedro Lopes e Thiago Rocha Do UOL, em São Paulo
WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Fenômeno da internet brasileira, o programa Choque de Cultura, da TV Quase, ganhou espaço subvertendo a lógica. Quem diria que profissionais do transporte alternativo não seriam as pessoas certas para comentar sobre cinema? O Brasileirão que começa neste sábado não vai tão longe, mas promete pôr em xeque algumas verdades absolutas do futebol tupiniquim.

No segundo ano do calendário anual da Conmebol, a própria importância do torneio será discutida. Em 2017, na estreia da Libertadores anual, Grêmio e, em menor medida, Palmeiras, priorizaram a disputa continental e não tiveram forças para perseguir o Corinthians, campeão que focava todas as suas energias na competição. Neste ano, a milionária Copa do Brasil e o encavalamento da Copa do Mundo agravam a situação e colocam os clubes em uma sinuca de bico. 

O torneio também questiona a máxima europeia de que o equilíbrio financeiro leva aos títulos e contraria nosso passado dependente de técnicos medalhões. Não bastasse tudo isso, ainda é a última edição do torneio antes do novo contrato de TV, que vai escancarar a disputa entre Turner (Esporte Interativo) e Globo; e pode ser a derradeira sem o VAR, cada vez mais na boca dos cartolas, embora ainda longe da implantação.

Se você achou que o Brasileirão de 2018 ia ser mais do mesmo, você achou errado...

Reprodução/Choque de Cultura Reprodução/Choque de Cultura

Brasileirão em xeque pelo calendário apertado

Depois de um primeiro turno avassalador em 2017, o Corinthians emendou uma amarga sequência de apenas duas vitórias em 12 partidas no Brasileiro. Poderia ter sido uma derrocada histórica, mas o Grêmio, até então principal perseguidor, contrariou o discurso padrão, escalou reservas em diversos momentos e priorizou a Libertadores, da qual se sagraria campeão. A primeira experiência no atual formato da competição continental, ocupando toda a temporada, afetou inegavelmente o Brasileirão.

O cenário de 2018 é ainda mais ameaçador, e pode colocar a liga brasileira em segundo plano. A edição da Libertadores é a mais “pesada” e competitiva da história, com 16 dos 25 clubes que já levantaram a taça na história da competição participando. O calendário das equipes ainda estará espremido pela pausa para a Copa do Mundo, e o Mundial da Rússia deve afetar jogadores convocados e seus clubes tanto na fases de preparação como na recuperação após a competição.

Chamada há anos de “caminho mais curto para a Libertadores”, a Copa do Brasil também vai demandar atenção especial: o campeão pode levar até R$ 68 milhões em premiações (o Corinthians recebeu R$ 18 milhões pelo Brasileiro 2017). Na era de pontos corridos, os obstáculos para que o campeonato nacional se mantenha emocionante e competitivo até o fim nunca foram tantos, e o Brasileirão, mais do que nunca, pode não ser a prioridade de todos.

Arte/UOL
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Clube que gasta leva prêmio; gestão, nem sempre...

Ao contrário do que prega o discurso importado do futebol europeu, o Brasileirão não premia as melhores práticas de gestão. Salvo algumas exceções, os campeões brasileiros dos últimos anos trazem em comum investimentos consideráveis na montagem de elenco, mas não necessariamente cuidado com as finanças. Alguns, inclusive, apresentam graves problemas financeiros.

Desde 2010, apenas quatro clubes levantaram a taça: Fluminense, Corinthians, Cruzeiro e Palmeiras. Em estudo publicado no ano passado, o Itaú BBA só poupa a gestão do alviverde. O Flu é descrito como tendo “custos descontrolados, investimentos relevantes, dívida aumentando”; o Corinthians tem “realidade muito díficil, receitas operacionais em queda e se apoia demais em receitas de TV e venda de atletas”; o Cruzeiro “repete as mesmas estratégias conhecidas há anos: se ajusta de um lado mas se enrosca de outro. Nada garante que as receitas cresçam só por se investir mais”.

Consultor e especialista em gestão esportiva, Amir Somoggi entende que para para manter a saúde financeira os clubes devem gastar com seus departamentos de futebol no máximo 70% de suas receitas totais. Entram nesse custo salários, luvas, comissões, gastos com contratações e todas as demais despesas com elenco. Segundo levantamento do próprio executivo, de 2011 a 2016 todos os clubes que levantaram taças do Brasileirão excederam esse limite pelo menos três vezes, com exceção do Fluminense – a situação do clube carioca é de difícil análise pelas particularidades de acordo com a Unimed, que financiava montagem de elenco sem que isso fosse registrado na contabilidade como custo da agremiação.

Arte/UOL
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'Efeito Carille' x medalhões

Neste século, ou desde 2001, o título do Campeonato Brasileiro ficou nas mãos de 12 técnicos diferentes, mas apenas dois integrantes dessa seleta lista estão empregados na Série A atualmente: Abel Braga e Fábio Carille. A edição deste ano do torneio parece marcar a consolidação de um modelo de renovação entre os treinadores, cobrança que tanto os profissionais renomados quanto os clubes vinham sofrendo desde o que futebol brasileiro "virou passeio" com o 7 a 1.

Em um primeiro momento, o caminho por reciclagem passou pelos estrangeiros. Edgardo Bauza, Paulo Bento, Ricardo Gareca e Reinaldo Rueda, entre outros exemplos recentes, chegaram e saíram sem conseguir brilhar. Entre insistir nos gringos ou ir atrás do "mais do mesmo", alguns clubes se encorajaram, desde o ano passado, a abrir mais espaço a quem antes não superava o papel de interino, processo puxado por Carille e seu título brasileiro no ano de estreia. 

Não é novidade que o futebol brasileiro busque novos nomes. Tradicionalmente, as apostas não resistem a maus resultados, e logo a roda volta a girar na velocidade normal. Será, porém, o segundo ano de aposta maciça em nomes que fogem do óbvio no banco de reservas, com figuras como Felipão, Vanderlei Luxemburgo, Cuca e outros fora do mercado. Sinal definitivo de novos tempos?

Os novatos pedem passagem

  • Fábio Carille

    Efetivado pelo Corinthians em 2017, é o atual campeão brasileiro e conquistou três títulos no período. Dribla a falta de reforços de peso com obediência tática, posse de bola e frieza incomum nos momentos decisivos.

    Imagem: Daniel Vorley/AGIF
  • Roger Machado

    O perfil estudioso, que encantou até Tite, seduziu o Palmeiras a apostar no treinador, que passou por Grêmio e Atlético-MG, para comandar um elenco milionário. Foi vice estadual em quatro meses de trabalho.

    Imagem: Cesar Greco/Palmeiras
  • Alberto Valentim

    Ex-assistente técnico do Palmeiras, chegou ao Botafogo por indicação de Cuca, com quem foi campeão brasileiro em 2016. Estreante na Série A, ele conduziu o time alvinegro ao título carioca batendo o rival Vasco na final.

    Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF
  • Zé Ricardo

    Em três anos como técnico, acumula duas finais estaduais. Com ele, o Vasco chegou à fase de grupos da Libertadores e foi vice do Carioca mesclando talentos de faixas etárias distintas, como Martin Silva e Paulinho.

    Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF
  • Maurício Barbieri

    Técnico mais jovem da Série A, com 36 anos, está como Interino no Flamengo. Não é prioridade do clube, mas pode até ser efetivado caso as vitórias se tornem frequentes. Estreou em amistoso contra o Atlético-GO, vencido por 3 a 1.

    Imagem: Gilvan de Souza/Flamengo
  • Jair Ventura

    Valorizado por duas temporadas competitivas pelo Botafogo, tenta a afirmação como treinador de ponta à frente do Santos. Chegou à semifinal do Paulistão e lidera o seu grupo na Copa Libertadores.

    Imagem: Daniel Vorley/AGIF
  • Thiago Larghi

    Na teoria está como interino, mas comanda o Atlético-MG desde o início de fevereiro. Foi vice-campeão estadual e vem sendo bastante elogiado pela filosofia de trabalho, embora tenha futuro ainda indefinido no clube.

    Imagem: Bruno Cantini/Clube Atlético Mineiro
  • Odair Hellmann

    Efetivado após garantir o acesso do Internacional à Série A em 2018, comanda uma gradual renovação do elenco. O início de temporada, no entanto, sofreu abalos com as derrotas para o rival Grêmio no estadual.

    Imagem: Ricardo Duarte/Inter

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