Barraqueiro e sofredor

Corintiano mais polêmico da TV, Chico Lang virou grito de torcida, driblou agressões e salvou filho do crack

Bruno Freitas e Felipe Pereira Do UOL, em São Paulo
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Francisco José Lang Fernandes de Oliveira fez uma opção das mais ousadas ao começar a crescer como jornalista – o amor pelo Corinthians sempre estaria em primeiro plano em sua trajetória. Então, quando o Mesa Redonda da TV Gazeta ganhou status de pioneiro no debate esportivo nos anos 90, incomodando até a Globo, o corintianismo de Chico virou algo meio folclórico.

Subitamente, o comentarista da Gazeta passou a ser um personagem de estádios, presente em coros ofensivos das torcidas paulistas – principalmente a do Palmeiras. Chico Lang também escapou de agressões mais de uma vez, sendo salvo até pelo apresentador Raul Gil. Mas o célebre parceiro de Roberto Avallone no Mesa Redonda é bem mais do que o personagem corintiano da TV pode sugerir.

Em conversas informais surge um Chico inesperado. O famoso corintiano adora citar gigantes da filosofia e da psicanálise e debater os dilemas mais profundos da experiência humana. Fora da tela, Lang é um pai amoroso que arregaçou as mangas para ajudar um dos filhos a se livrar do vício em drogas. Na conversa com o UOL, o comentarista descreve como entrou na política e lista suas polêmicas mais conhecidas, incluindo Ayrton Senna, Luciano do Valle e Vanderlei Luxemburgo.

Salvo por Raul Gil

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A segunda vez em que quase saiu tiro

O episódio com Raul Gil foi traumático, mas ir ao estádio fazia parte da rotina de Chico Lang. Até um dia em que a Portuguesa levou três gols do Corinthians em casa. A torcida lusa queria descontar em alguém, e a sala de imprensa de vidro transparente do Canindé não ajudou o jornalista corintiano.

“Começaram a bater no vidro. Eu continuei escrevendo. Que se danem, que quebrem, que se matem. Mas a coisa começou a ficar preta”, conta. Um produtor saiu de fininho e foi direto ao batalhão de Choque da PM. Mais uma vez a coisa quase acabou em tiro.

“Chegaram sete caras do tamanho 2x4, desceram a porrada em todo mundo e me tiraram de lá. No caminho, acertaram uma pedrada no policial. Ele não teve dúvida: pegou o revólver. Falei: ‘Calma, cara! Pelo amor de Deus! Olha a burrada que você vai fazer’”.

Chico Lang saiu numa viatura da PM e teve uma conversa com o coronel Ubiratan, aquele da invasão no Carandiru, que comandava a polícia nos estádios naqueles tempos. O militar avisou que estava ficando perigoso e que, sempre que tivesse de ir aos estádios paulistanos, o jornalista seria acompanhado por dois guardas. “Eu fiquei pensando no que ele falou e comecei a tirar o pé. Não vale a pena”.

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Treta com Luciano do Valle e ameaça de morte

As confusões da carreira de Chico Lang não aconteceram só com a torcida: com a caneta ele também não aliviava. Principalmente depois que virou colunista (a contragosto). A estreia na nova função, pela qual se tornaria muito mais famoso, foi na Folha da Tarde. O editor da época perguntou quanto queria ganhar pela coluna. Chico exigiu que pudesse revelar ser corintiano e chutou um valor lá em cima, achando que não iam aceitar. “Pedi três vezes mais. Ele falou: olha, 15 eu não dou. Mas 13 e meio, 14, pode ser”.

Colunista, Chico Lang começou a se arriscar em algumas polêmicas. Escreveu que as meninas do vôlei não tinham resultado porque ficavam grávidas e perdiam entrosamento. Já as mulheres do basquete conquistavam sucesso porque não eram chegadas em homem. O jornalista reconhece o preconceito na frase. Na época, precisou se concentrar também na ira de Luciano do Valle, então um incentivador do esporte olímpico na mídia. “O homem ficou louco, cara. Ficou me xingando uma meia hora na TV Bandeirantes.”

A vontade de Chico era ir na emissora para sair no braço com o narrador. Foi contido pelos colegas e aprendeu que tinha de se defender em sua coluna.

Eu acabei não indo. Respondi para ele, pedi desculpas para as meninas. Eu não queria ofender.”

A faceta polêmica quase custou sua vida. Certo dia, um homem apareceu no jornal e perguntou ao próprio jornalista onde poderia encontra-lo. Ouviu que o funcionário estava em horário de almoço e revelou o motivo da visita: queria matar Chico Lang.

O homem foi levado para a sala da chefia e o jornalista explicou a situação ao superior. “Esse rapaz veio para matar o Chico Lang. A chefia falou: por favor, sente-se. Aí chamaram a segurança e levaram o cara embora. Queriam abrir um boletim de ocorrência. Falei: deixa o cara para lá. O cara é maluco”.

Tony Feder /Allsport Tony Feder /Allsport

Enfureceu fãs de Senna ao dizer que Prost era melhor

Outra provocação envolveu Ayrton Senna, quase uma divindade para os brasileiros – sorte dele que na época não havia redes sociais. Chico Lang disse que o francês Alain Prost era mais piloto que Senna. Costumava dizer que o brasileiro era um pé de chumbo, forçava demais o carro e levava a problemas mecânicos. Um dia, dizia, o piloto ia se estourar.

As críticas ainda citavam Senna como um mau exemplo e encorajava as pessoas a andarem a 130 km/h. Enquanto isso, Prost era retratado como cerebral. Para completar, um colega jornalista espalhou que Chico Lang havia chamado Senna de “viado veloz”. Choveram cartas.

A fama gerada pelas polêmicas, porém, fez Chico perceber que essa linha de trabalho tinha muito potencial. “Então, quando eu vim para TV, eu trouxe esse personagem que nasceu lá na Folha da Tarde”.

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Luta por Ibope virou processo

Outro caso polêmico envolve Vanderlei Luxemburgo. O episódio mais emblemático foi quando o técnico saiu do Palmeiras para ganhar mais. Chico não perdoou: chamou o treinador de mercenário. Virou processo. No final, o técnico perdeu e ainda teve contas bloqueadas. Demorou para a relação entre eles voltar à normalidade. “Ficou um horror, um ambiente horrível. Mas depois fizemos as pazes.”

Chico Lang precisou meter a mão no bolso quando tirou sarro de um torcedor do Santos. Ele aparecia em segundo plano na transmissão da TV Gazeta e o jornalista fez uma piada. O Ibope respondeu na hora e a zoeira rolou solta, alimentada pela audiência crescente.

Hoje o comentarista reconhece que ridicularizou o homem e que a indenização era justa. A Gazeta pagou a multa e parcelou descontos no salário de Chico Lang. 

Comemorou lance do título de 90 do Corinthians atrás do gol

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Os tipos de jogadores, segundo Chico Lang

Chico Lang tem uma teoria sobre o futebol que envolve uma série de tipos de jogadores. Um deles é o “jogador frufru”. É aquele que joga por dinheiro, pensando nele e não no clube ou no torcedor. Ele cita um exemplo. “Esse Borja, que foi contratado por um dinheirão e até agora não sabe se está no Brasil, na Colômbia, na China ou na lua. Ele não pegou aquele vínculo com o clube, com a torcida, não tem identificação nenhuma com o que está fazendo”.

O outro extremo é o “jogador sangue nos olhos”, que entra em campo e se dedica, independentemente de qualquer circunstância. Edmundo, Romário e Jô são exemplos dessa linha. Chico Lang ainda diz que há dois clubes em que o “jogador frufru” se dá bem.

“São Paulo e Cruzeiro. O cara vai lá e faz o que quer. Pode ser frufru, sangue nos olhos, tanto faz. Eles não têm cobrança, a torcida não enche o saco. Ou até enche o saco, mas só um pouco. Mas vai e passa. Agora, eu quero ver o cara mostrar que é bom no Corinthians, mostrar que é bom no Flamengo, no Atlético-MG, no Grêmio...”

"Os palmeirenses me amam"

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Quando o Mesa Redonda incomodava a Globo

Um dia, um chefe de Chico deu uma ordem: “Liga lá pro Avallone que eu quero você no Mesa Redonda”. Começava a relação de um palmeirense enrustido com um corintiano assumido. A química foi imediata no ar e o programa se tornou um fenômeno das noites de domingo.

“A gente passou a Globo por 20 minutos, da meia-noite até a meia noite e meia. A Globo exibia o Festival Charles Chaplin. Naquela época, o domingo (à noite) era muito desvalorizado. Acabou o Fantástico, todo mundo ia dormir. Ou via o Mesa Redonda. Festival Charles Chaplin ninguém via”.

Chico lembra que a liderança da Gazeta causou um furor. O Mesa Redonda virou notícia do caderno Ilustrada da Folha de São Paulo e o programa se tornou cult. Mas o jornalista afirma que o sucesso não foi de graça. “Eu e o Avallone realmente tínhamos uma empatia muito grande no ar. A gente realmente fazia uma dupla”.

Flávio Florido/Folhapress Flávio Florido/Folhapress

Parceria com Avallone: no ar funcionava, fora...

No ar, a dobradinha Avallone e Chico Lang era pura sinergia. Mas o jornalista revela que saindo do estúdio a dupla não era tão azeitada assim. “Fora do ar era um pouco complicado [risos]. O Avallone cobrava muito. O nome do Avallone era trabalho. Para ele não tinha horário”.

O momento de vida de Chico Lang ajudou a lidar com o nível de exigência do parceiro. Juntos, desenvolveram novos quadros do Mesa Redonda. “Eu tinha me separado da segunda mulher, então, não tinha nada para fazer na vida a não ser o jornalismo”.

Ele até mesmo usa outro casamento para falar da relação com Avallone: a união de William Bonner e Fátima Bernardes. “Sem falsa modéstia: nos próximos 20 ou 30 anos não vai aparecer uma dupla de apresentadores como eu e o Avallone. Mas tudo acaba. Olha o Bonner e a Fátima. Até eles, que eram casados, se separaram”.

Avallone x Milton Neves e a decadência do Mesa Redonda

Mesa Redonda oferecia o que a Globo não mostrava

Qual era o segredo desse Mesa Redonda que fazia tanto sucesso nos anos 90? Para Chico Lang, o companheiro de bancada era o responsável. “O Avallone tinha umas teses legais. A boa pauta se faz à beira da piscina, na mesa de um restaurante, ouvindo música ou com belas mulheres. A ideia do Avallone era essa. E funcionava”.

Com esta receita, criou uma fórmula que permeia todos os programas de debate esportivo na TV até hoje. “Dez horas começava o Mesa Redonda. No mesmo horário tinha os Gols do Fantástico. Não tinha um filho da mãe que não via os Gols do Fantástico com o Leo Batista. O Avallone falou: ‘vamos fazer o que a Globo não faz’”.

Começaram as reportagens nos vestiários no pós-jogo, os bastidores da vida privada do jogador: o carro, a casa, o hobby. Naquela época, não havia melhores momentos até Avallone entrar em ação. O apresentador disse a Chico Lang que o restante seria debater os lances polêmicos. Nascia um programa referência da TV brasileira.

Olhando para trás, a gente vê que muita coisa é copiada daquela época. O "Bem, Amigos!" é uma cópia meio deslavada do Mesa, principalmente a dinâmica do Galvão com o Arnaldo

Sobre os "filhos" do Mesa Redonda

A gente não fez pensando na história. Ninguém faz uma coisa achando que está fazendo história. Isso é bobagem! Você não tem consciência do que está fazendo. Vai ter com o passar dos anos

Sobre o legado que o programa deixou

Luciana Cavalcanti/Folha Imagem Luciana Cavalcanti/Folha Imagem

Cléber Machado chorou ao trocar a Gazeta pela Globo

Como Chico Lang não é só polêmica, o jornalista lembra de um episódio com um nome bastante conhecido do esporte nacional, que passou pela Gazeta no início de carreira. Cleber Machado foi para a Globo de coração partido. “Ele chorava que nem criança. Não queria sair de jeito nenhum para a Globo. Era por causa do ambiente que havia aqui. A Gazeta sempre teve isso de bom: o ambiente muito amistoso”.

Chico conta que, recentemente, conversou com Cleber Machado. Fez até um convite para participar do Mesa Redonda. “Ele falou assim: ‘eu tô louco para ir, mas a Globo não deixa. Barram por causa da imagem’. Ele é cabeça de ponta lá na Globo. Mas você vê: o cara gosta da Gazeta até hoje”.

A luta contra a dependência química do filho

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Virou político por insistência de Mário Covas

Em mais de uma ocasião, Lang foi candidato a vereador. Em uma delas, o jornalista estava na Rádio Bandeirantes, que ofereceu salário dobrado para que o comentarista não se aventurasse na política. Mas Chico preferiu respeitar a promessa feita a Mário Covas, então candidato ao governo do estado de São Paulo, que o queria lendo todos os editoriais contra o outro candidato, Paulo Maluf.

A estratégia de exposição não adiantou. Chico recebeu 18,8 mil votos, número insuficiente para se eleger nas eleições de 2000. “Um dia toca o telefone: ‘Aí corintiano filha da puta’. O Covas falava muito palavrão. Falei: ‘Quem é?’. Ele respondeu: ‘Não conhece a voz do governador? Quero te dar parabéns. Você fez uma puta votação’”.

A morte de Covas fez Chico Lang se afastar da política. Voltou há oito anos para atender o pedido de outro amigo. Mais uma frustração: 13,2 mil votos. O jornalista atribui o mau resultado ao excesso de candidatos identificados com o Corinthians. Na tentativa seguinte, se aventurou no PTN. A nova derrota o fez desistir de vez deste universo. “Chega. O público me quer jornalista, não político.”

Passado de repórter de polícia

De onde vem essa coragem de se expor que Chico Lang mostra com suas opiniões polêmicas? Talvez tenha nascido em seu passado como repórter de polícia no jornal Notícias Populares, aquele conhecido pela frase “espreme que sai sangue”. Chico ainda estava na universidade quando virou repórter da publicação.

“Na primeira vez que entrei em uma viatura da Rota, o cara jogou uma 45 na minha mão e falou: ‘Vamos dar uma batida, você sabe usar isso, garoto?’. Respondi: ‘Vocês vão. Depois eu vou’”.

O jovem repórter precisou desenvolver o jogo de cintura. Afinal, era década de 1970 e a ditadura corria solta. “Tinha que lidar com policial da Rota. E naquela época a Rota era muito pior que hoje. Atirava primeiro e perguntava depois. Então, era uma coisa de andar no fio da navalha”.

Mas o jornalista afirma que a experiência serviu para forjar um profissional. “Na editoria de polícia, ou você aprende ou você não aprende”.

Yuri Andreoli/ Gazeta Yuri Andreoli/ Gazeta

Desistiu de negar que é a Mamma Bruschetta

Pode parecer piada, mas para muitos telespectadores, Chico Lang tem uma identidade secreta: Mamma Bruschetta, a personagem fofoqueira que ficou famosa no programa “Mulheres”, também da Gazeta. Tudo nasceu por sugestões de jovens profissionais da emissora, que inventaram a brincadeira em um 1º de abril. “Não houve texto escrito, não houve nada. Foi tão natural que o povo acredita”.

A gravação fez sucesso e virou lenda urbana. É tanta gente sem acreditar que foi um trote de 1º de abril que Chico já parou de negar que é a personagem. Sua resposta aos interlocutores é hilária: “É duro. Jornalista ganha pouco. Eu tenho que dar uma de ator também”. E completa: “Já desisti (de explicar). Eu já não desminto mais”.

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