Aquele abraço

Laíde Padilha, mãe do goleiro Danilo, vira porto seguro de outras mulheres que perderam o filho

Adriano Wilkson Do UOL, em Cianorte (PR)
Marcelo Ferraz/UOL

Um ano depois de ter perdido o filho no acidente com o avião da Chapecoense, a mãe do goleiro Danilo descobriu novos motivos para sorrir. Em Cianorte (PR), ela montou um grupo de apoio que ajuda outras mulheres que passaram por tragédias semelhantes a elaborar o luto.

Elas se reúnem semanalmente para compartilhar seus dramas e pequenas felicidades, para falar de seus filhos falecidos e de projetos futuros. Muitas encontraram em Laíde o conforto e a amizade que precisavam para lutar contra a depressão. "Ver essas mulheres saindo do fundo do poço é a maior alegria da minha vida", diz a mãe de Danilo, que deixou o emprego para se dedicar integralmente a suas amigas enlutadas. 

O anjo de Denira

Na primeira foto que Denira me enviou, Fernando está sorrindo, se preparando para comer um prato que parece ser de ovo frito e arroz. Com a mão esquerda ele segura uma colher. Usa os dedos da mão direita para empurrar a comida, exatamente como eu fazia antes de aprender a usar talheres. Ele parece ter vinte e poucos anos.

"Meu anjo", escreveu Denira na legenda da foto.

A segunda que ela enviou mostra Fernando sentado em um sofá, vestido com uma camisa com a palavra Brasil estampada no peito. Na terceira, ele comemora seu aniversário de três anos. Na quarta, Fernando está embaixo de uma árvore e parece distraído.

Em um áudio de um minuto, Denira explica que tinha muitas fotos e vídeos de seu filho, mas perdeu a maioria desses registros no período de seis meses que passou em uma chácara depois que ele morreu. "Ficaram umas lembranças aqui", ela disse.

Marcelo Ferraz/UOL Marcelo Ferraz/UOL

Tínhamos nos conhecido uma semana antes, em Cianorte, no Paraná.

Para chegar lá, foi preciso pegar um avião até Curitiba e de lá outro até Maringá, e então alugar um carro e cruzar uma infinidade de plantações de cana-de-açúcar que no fim de outubro, após a colheita, se mostram como pequenos tocos cortados rente ao solo roxo do noroeste paranaense. O céu é cinza no começo da manhã. E chove.

Em uma casa simples de madeira não longe do centro da cidade, as janelas fechadas contra a chuva e o vento frio, Denira chora.

Se você me perguntar por que eu tô chorando, eu não sei dizer."

Fernando morreu há oito anos, vítima de um câncer nos ossos. Ele tinha 28 anos e vivia grudado na mãe. Afetado por uma deficiência intelectual, não falava: se comunicava principalmente por abraços. Foi um abraço que você conhece, um abraço que todos nós vimos há um ano, no meio de um campo de futebol, que ajudou Denira a encontrar uma forma diferente de lidar com seu próprio luto.

Na sala de estar da casa de Ilaídes Padilha, Denira explica que quando viu pela TV aquele abraço de Ilaídes no repórter Guido Nunes, tudo que ela quis foi abraçá-la também.

Enquanto trovoadas castigam o céu de Cianorte, Ilaídes Padilha abre as portas de sua casa à reportagem do UOL Esporte e explica que prefere ser chamada apenas de Laíde. "Meu pai era analfabeto e o homem do cartório que me registrou também", ela informa. "Como é que eles escreveram meu nome no plural? Eu sou só uma!"

O café está servido em uma garrafa térmica na mesa do quintal, pães em uma cesta de vime. Laíde abre a porta de um quartinho nos fundos da casa. É o quartinho que Danilo usava sempre que voltava à casa dos pais, de onde saiu muito jovem para tentar a vida no futebol. O quartinho está cheio de coisas suas: troféus, medalhas, camisas, pôsteres, faixas, bandeiras...

Laíde não gosta do lugar porque ele conta uma história incompleta, a história de um homem que morreu cedo demais. Faz um ano que o avião da Chapecoense caiu na Colômbia, matando 71 de seus passageiros, incluindo o goleiro titular. Nos meses que seguiram à tragédia, a mãe de Danilo se recusou a cair na depressão, doença que afetou muitos familiares de outras vítimas.

Sua forma de encarar o luto foi oferecer um pouco da sua experiência para ajudar outras mães que também perderam os filhos de maneira prematura. Mães como Denira.

Ou como Marilza, Márcia, Silmara e Maria Aparecida. Todas estavam na casa de Laíde na última semana de outubro, em uma reunião do grupo Mães e Anjos, formado por ela e pelo psiquiatra Rodnei Roberto, que presta auxílio a essas mulheres. Juntas, elas visitam mães que acabaram de perder filhos, as acolhem no grupo, oferecem acompanhamento médico e aulas de ginástica e musculação.

Criaram um portal online. Pretendem vender publicidade a empresas da região para financiar suas atividades. Laíde largou o emprego em uma rádio da cidade para se dedicar integralmente ao projeto, que virou sua missão na vida. Ajudando mulheres que também tiveram que conviver com a perda de seus filhos, ela aprendeu a lidar com o próprio luto.

Durante as reuniões do grupo, as mães podem falar o quanto quiserem e o quanto puderem da vida e da morte de seus filhos. E podem abraçar Laíde. Era disso que Denira precisava.

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