Sedento

Após sete anos de lutas, calouro estreia no UFC em busca de um nocaute relâmpago e de seu lugar na história

Adriano Wilkson Do UOL, no Rio de Janeiro e em Fortaleza
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Quando ouviu seu nome ser chamado pela primeira vez no maior torneio de MMA do mundo, Paulo Henrique Costa, o Borrachinha, subiu ao palco para aterrorizar seu oponente. Ele tirou o agasalho que vestia mesmo em uma noite quente em Fortaleza e, só de cueca, mostrou seu físico construído em sete anos de luta.

Subiu na balança, ignorou seu peso, posou para as câmeras com os músculos tesos e deu um grito como se fosse um leão enjaulado. O público ficou empolgado diante da imagem e se preparou para ameaçar seu adversário. Paulo Borrachinha se pôs de lado para vê-lo entrar. Ao ser anunciado, Garreth McLellan caminhou até o palco com calma. Ouviu muitas vaias, mas não reagiu a elas.

Tirou a roupa e subiu na balança. Conhecido como “Garoto Soldado”, prestou continência ao público. Sua barba dourada e farta dificultava a leitura de seu semblante. Entre uma onda de vaias e outra, McLellan ouviu vindo dos fundos do ginásio o grito de guerra que a torcida brasileira se acostumou a proferir para intimidar os lutadores gringos do UFC.

“Uh vai morrer, Uh vai morrer!”

Quando os dois se encontraram frente a frente pela primeira vez, Paulo Borrachinha fez o favor de traduzir o cântico ao sul-africano. “Look into my eyes”, disse ele, com raiva, apontando os próprios olhos, seu hálito seco invadindo as narinas de McLellan. “You’re gonna die.

McLellan não disse nada.

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Para ser um lutador de elite é preciso ver o mundo escurecer

Uma semana antes de encontrar seu adversário, Paulo Borrachinha viu o mundo ficar cinza. Ele tinha acabado de derrubar Antonio Rogério Nogueira, um homem de mais de 100 kg conhecido como Minotouro. Em um contra-ataque sorrateiro, Minotouro conseguira impor o peso de seu corpo sobre o peito de Borrachinha, os braços de pedra comprimindo seus pulmões, apertando seu pescoço e impedindo-o de respirar.

Um lutador de MMA pode levar décadas aprendendo todos milhares de golpes para machucar e submeter um adversário, mas precisa de apenas alguns segundos para entender um estrangulamento.

Dentre todos os fantasmas a assombrá-los, não conseguir sair de um estrangulamento bem aplicado é um dos maiores. Coloque um braço no lugar errado e você já era. Não abaixe o queixo no momento certo e você já era. Os poucos segundos de sufocamento passam como se fossem anos.

Quando percebeu que seus braços não conseguiriam afastar os de Minotouro, quando seu sangue começou a chegar ao cérebro com quantidades cada vez menores de oxigênio, quando as duas artérias do pescoço começaram a ficar tão pressionadas que o fluxo sanguíneo chegou perto de parar, quando o coração deu sinais de que estava quase a explodir no peito, Borrachinha procurou o relógio do octógono como um náufrago busca qualquer luz na curva do oceano.

Faltavam poucos segundos para o fim do round. Ele olhou para o relógio, mas não conseguiu lê-lo. Seu técnico gritou o tempo, sugerindo que Borrachinha aguentasse um pouco mais, mas ele não ouviu. Ele sentiu Minotouro pressionar seu corpo com mais força. O mundo a seu redor começou a escurecer. Ele precisava tomar uma decisão.

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A escolha de Borrachinha

Em uma situação dessas um lutador tem duas opções. Ou ele resiste silenciosamente ao estrangulamento esperando por um milagre ou ele bate nas costas do adversário para indicar que não aguenta mais.

Era só um treino, e Borrachinha resolveu bater. Minotouro o soltou rápido e levantou do chão molhado de suor enquanto Borrachinha se afastava para respirar. Um treino com socos e chutes de verdade, com estrangulamentos de verdade que podiam te fazer apagar (ou dormir como os fãs do MMA gostam de dizer), mas ainda assim apenas um treino.

Dali a exatamente uma semana ele entraria no octógono outra vez, agora pra valer. Depois de sete anos lutando em torneios pequenos, depois de dormir no chão atacado por marimbondos em alojamentos sem banheiro e superlotados, depois de fazer oito lutas, conseguir oito vitórias (sete delas por nocaute ainda no primeiro round) e dois cinturões de campeão, ele tinha finalmente recebido a ligação que todo atleta de MMA espera em algum momento receber.

“O UFC chamou”, ele ouviu seu treinador dizer enquanto tomava café na varanda de casa em um fim de tarde de dezembro. “Nossa hora chegou.”

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A uma semana do UFC nada pode dar errado

Paulo Henrique Costa é mineiro de Contagem e tem 25 anos.  Seus músculos de aço, seu olhar simpático de moleque imberbe, sua mandíbula angulosa e seus 2,5 graus de miopia o fizeram ser conhecido entre os lutadores como o “Clark Kent” brasileiro.

Ele mira atentamente a tela de seu celular. A cena de seu estrangulamento se reflete em looping nos óculos de aro largo. Borrachinha herdou o apelido do irmão mais velho, Carlos Borracha, que também é seu treinador de jiu-jitsu.

Borracha e Borrachinha repassam juntos a cena, tentando encontrar um jeito de evitá-la na semana que vem.

“Nessa hora você precisa colocar o braço assim”, ensina Borracha, acusando um leve sotaque mineiro ao fim de cada sílaba.

“Nessa hora você precisa me avisar”, responde Borrachinha. Eles sempre debatem os movimentos dos treinos, se aconselham e às vezes discutem, mas tudo se resolve como as coisas sempre se resolvem entre irmãos. 

Rubens Dórea, seu treinador de boxe, e Borracha dizem que Borrachinha tem potencial para ser um lutador de ponta no UFC. E ele não apenas acredita nisso como sabe exatamente o que fazer com seu oponente de sábado. “Essa luta vai acabar no primeiro round”, disse ele. “Vou encher esse cara de porrada.”

Mas para ele não basta ganhar a luta. O UFC costuma pagar a calouros 10 mil dólares por combate e mais 10 mil em caso de vitória. A organização também dá um bônus de 50 mil dólares para as melhores performances da noite. Esse bônus é o maior objetivo de Borrachinha.

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No alojamento improvisado, uma visita inesperada

O lutador e seus técnicos estavam havia um mês e pouco em um apartamento na Barra da Tijuca, no Rio, se preparando para a primeira luta de Borrachinha no UFC. O apartamento tinha sido emprestado e não dispunha móveis na sala, nem louças ou talheres na cozinha.

Recém-contratado pelo maior evento de MMA do mundo, o lutador e sua equipe descansavam em finos colchões de acampamento.

Uma televisão no chão falava sozinha, transmitindo um sinal analógico da Globo cheio de chuvisco. Em um dos banheiros, um vaso sanitário jazia fora de combate. Carlos Borracha assistia em seu celular às lutas do UFC 209, em Las Vegas, usando a senha do wi-fi emprestada do vizinho.

Foi dentro desse alojamento improvisado que a equipe recebeu a visita de uma pessoa que há muito tempo eles ansiavam conhecer. Vestido casualmente de bermuda e camiseta esportiva, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro bateu à porta do apartamento. Sem ter nenhum sofá ou cadeira à vista passou parte do seu dia conversando com Borrachinha e seus técnicos sentado no chão da sacada.

Acompanhava-o na visita seu filho, o também deputado Eduardo Bolsonaro. O pré-candidato a presidente da República disse que estaria torcendo por Borrachinha em sua estreia no UFC. Olhando ao redor, se sentiu à vontade para brincar com as condições do apartamento. “Eu vim da merda assim como vocês”, disse ele.

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Um lutador que faz campanha

Bolsonaro mostrou aspectos de sua personalidade que fizeram Borrachinha e seus técnicos confirmarem a impressão de que o político é uma pessoa muito simples e humilde. Chegou ao encontro sem seguranças, apesar de andar sempre armado e falou com eles de igual para igual, sem a empáfia que se poderia esperar de uma pessoa famosa.

“Muitos no MMA se identificam com ele”, me disse Borrachinha, que já tinha feito uma homenagem ao deputado quando venceu o cinturão do Jungle Fight, o maior torneio do país. “Mas muitos têm receio de admitir. Ele fala sempre o que pensa, não fica preocupado em fazer média com ninguém, e por ser do Exército tem essa questão da disciplina, que tem tudo a ver com a nossa vida.”

Apesar de não ter vivido a época, Borrachinha defende alguns aspectos da ditadura militar (“Só apanhou quem estava fazendo alguma coisa errada”). Explicou ser contra o que chama de “kit gay”, uma cartilha sobre questões de gênero e sexualidade voltada a crianças e adolescentes que foi alvo de polêmica há alguns anos.

Ele também defende que a polícia possa torturar presos em busca de informações.

“Se um grupo sequestra o seu irmão por exemplo”, disse ele apontado Carlos Borracha, “e os caras começam a mandar partes da orelha do seu irmão. A polícia prende um cara e pergunta onde estão os outros e onde está seu irmão. O cara não diz. Você acha que tem que perguntar outra vez? Tem que torturar até ele falar.”

O que eles dizem sobre Borrachinha

Ele é muito forte, grande, tem muita explosão e velocidade, além de muito coração. Não é que seja arrogante, mas é um cara que sabe o que quer da vida e fala abertamente sobre isso. É isso que o UFC busca em um lutador. Acredito que ele tenha potencial para crescer muito.

Rodrigo Minotauro

Rodrigo Minotauro, ex-lutador e embaixador do UFC

No monitoramento de redes sociais que fazemos, percebemos que ele posta conteúdo relevante, mesmo que não tenha milhões de seguidores. Tem a vantagem de já ter passado na Globo [no reality show TUF] e na Band [no Jungle Fight], já é mais conhecido do grande público.

Denis Martins

Denis Martins, olheiro do UFC

Eu acompanho esse cara desde moleque e vejo de perto a evolução. Ele tá com uma força incrível, é difícil encontrar alguém para pará-lo. Em alguns anos, se ele tiver a cabeça no lugar e continuar treinando como treina, vai chegar no topo da categoria e fazer história no UFC.

Rubens Dórea

Rubens Dórea, treinador de boxe de Borrachinha

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Os primeiros dias no UFC

Ao chegar no hotel cinco estrelas onde todos os atletas, suas equipes, os executivos e os funcionários do UFC se hospedavam na capital cearense, Borrachinha sentiu o perfume floral que toma conta do lobby de entrada.

Um lago artificial exibia peixes ornamentais, enquanto uma pequena cascata se derramava eternamente em algum lugar perto do restaurante. Ele foi apresentado às instalações do lugar e conheceu o quarto confortável que dividiria com seus treinadores. Duas salas de conferências tinham sido transformadas em tatames, onde eles poderiam treinar até o dia da luta.

Borrachinha posou para fotos oficiais, assinou cartazes, recebeu uniformes e equipamentos novos.

Teve tranquilidade e condições ideias para vencer a luta mais importante antes da luta em si: a perda de peso. Com 1,82 m, ele pesa cerca de 97 kg quando está fora de competição, mas compete na categoria até 84 kg, a dos médios. Ele teria menos de uma semana para perder esses 13 quilos que o separavam do UFC.

Fight Night é um evento menor na hierarquia do UFC

  • Desde a sua criação nos anos 90...

    ...a organização vem numerando seus principais combates, aqueles que são transmitidos nos EUA e no Canadá só no pay per view e que, portanto, geram mais dinheiros à franquia.

    Imagem: Divulgação
  • É o caso do UFC 210.

    Marcado para 8 de abril, terá disputa de cinturão entre os americanos Daniel Cormier e Anthony Johnson. Como são mais importantes, também são mais raros, em média 12 por ano.

    Imagem: Reprodução
  • Já o UFC Fight Night...

    ...é transmitido na TV fechada americana e em geral não tem disputa de título. A luta principal em Fortaleza exibiu o antigo campeão Vitor Belfort contra o americano Kelvin Gastelum.

    Imagem: Tobias Bunnenberg
  • Mas mesmo em um evento menor...

    ... e sendo um estreante entre atletas mais conhecidos, Borrachinha viveu a experiência de um lutador do UFC, diferente de tudo o que ele já viu na vida.

    Imagem: Carlos Borracha/UOL

Corrida contra o tempo para a pesagem

Na sexta-feira antes da luta, depois de uma noite de fome e sede na qual mal conseguiu dormir, Paulo Borrachinha levantou com os primeiros raios de sol e às 7h da manhã já estava treinando intensamente embrulhado em uma roupa de plástico e um grosso moletom. Faltando duas horas para a pesagem ele ainda precisa perder um quilo e meio.

A cada round de socos e chutes, Borrachinha deita no chão enquanto Rubens Dórea o cobre com uma capa de papel alumínio e várias toalhas porque ele precisa suar muito. E suar rápido. Ele já está sem beber líquidos há um dia e vem se alimentando muito pouco, de castanhas e pequenas quantidades de peixe e folhas. Seu olhar parece cansado e sua dicção, sempre muito fluida, agora está atrapalhada.

“Pega a tolha Borracha”, diz ele, ríspido, dirigindo-se ao irmão. “Rápido, corre!” O lutador precisa secar todo o suor do corpo para subir na balança e bater 84,4 kg ou menos, do contrário sua estreia no UFC já começará errada. Borracha obedece. Cinco anos mais velho, ele entende o mau humor do irmão no auge da perda de peso.

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Às 9h em ponto, Borrachinha e Rubens Dórea são levados a uma sala onde os lutadores esperam em fila para se pesar. Se alguém ainda não tiver conseguido chegar ao peso terá uma tolerância de mais duas horas para fazê-lo.

Borrachinha sobe na balança eletrônica, que marca 83,9 kg, mais de meio quilo abaixo da marca permitida. Depois, na frente de alguns jornalistas e das equipes dos lutadores, ele sobe em outra balança e posa para fotos. Ao sair da sala, bebe uma garrafa inteira de água e, sorrindo novamente, devora um sanduíche.

Nas horas seguintes ele vai se curar da sede bebendo muita água, Gatorade e Pedialyte, um soro usado para reidratar crianças que sofrem de diarreia e vômitos. Vai comer pães, macarrão e purê de batata.

Vai ganhar 11 kg e chegar revigorado à pesagem aberta ao público. 

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Na frente da torcida, uma "encarada" e uma ameaça

Mesmo quem acompanha de perto o UFC pode não saber que a pesagem cerimonial na noite antes da luta, na verdade, deixou de ser oficial. Em geral, esse é o primeiro grande evento do fim de semana, a ocasião em que os lutadores são apresentados à torcida e à imprensa, promovem a tradicional “encarada” que os fãs tanto apreciam e, às vezes, têm a chance de falar alguma coisa.

Eles efetivamente sobem em uma balança, e a organização continua chamando a coisa toda de “pesagem”, mas na verdade, naquele momento, o peso dos lutadores pouco importa.

A verdadeira pesagem, a única que conta para definir se uma luta haverá ou não, já aconteceu horas antes, no hotel, longe dos olhos do público e de boa parte da imprensa.

Mas foi durante essa pesagem cerimonial que Borrachinha pôde ficar frente a frente com seu adversário, Garreth McLellan, e dizer a ele, sem muita introdução, que ele iria morrer.

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Quando o rival te desarma com um sorriso

Mas nos bastidores a interação foi mais amistosa. Antes mesmo de encontrar o rival Borrachinha imaginava que essa seria uma oportunidade de intimidá-lo, uma forma de mostrar ao sul-africano que, mesmo sendo novato e dez anos mais novo, ele não tinha passado os últimos dois meses treinando para apenas brincar no sábado à noite. 

Vou fazer esse cara se cagar de medo.”

Depois da encarada, ao se encontrarem novamente atrás do palco, Borrachinha se surpreendeu com a atitude do adversário. “Ele deu uma de simpático. Abriu a porta e segurou para eu passar”, contou depois.

“Fiquei esperando alguma provocação e já tinha uma resposta pronta, mas ele só deu passagem com a mão e disse ‘Please, please.’ E ainda ficou me olhando sorrindo como se dissesse ‘tchau’. Até me desarmou.”

Dentro da jaula, os lutadores caminham como felinos

Já passava das 9h da noite do último sábado, quando as luzes do Centro de Treinamento Olímpico de Fortaleza se apagaram. Careca, com uma barba bicolor como a de um guerreiro viking, McLellan foi recebido com muita vaia e xingamentos. Cercado por uma multidão agressiva, por seguranças e seus técnicos, ele caminhou ao octógono onde enfrentaria o estreante Paulo Borrachinha.

Entre riffs de guitarra e uma bateria de trovão, ouviu a voz de Brian Johnson, do AC/DC, ecoando “Thunderstruck” no ginásio.

Eu fui pego no meio dos trilhos de uma ferrovia. Olhei ao redor e vi que não tinha como voltar. Pensei no que eu poderia fazer. E eu sabia que não havia nenhuma ajuda, nenhuma ajuda vindo de você.

Um octógono de MMA também é conhecido como cage (jaula) não apenas por ser cercado por grades, mas também porque os lutadores lá dentro às vezes assumem um comportamento animalesco. Paulo Borrachinha e Garreth McLellan esfregaram os pés no chão para secá-los e depois caminharam em passos lentos pela extensão da jaula, encarando-se sem jamais desviar o olhar.

Como felinos que se estudam antes de um ataque, os dois mantiveram a tensão no ponto máximo, até que Borrachinha apontou ao peito do rival e depois ao chão enquanto o público cantava para McLellan: “Uh vai morrer, uh vai morrer!”

E então o massacre começou.

Wander Roberto/UFC Wander Roberto/UFC

Chute, soco, chute, chute... na velocidade de um Fórmula 1

Borrachinha se apresentou com um chute de direita que acertou a coxa de McLellan. O sul-africano ameaçou responder, mas refugou.

Confiante, repetindo o movimento de seus treinos diários, Borrachinha tentava acertar a distância de seus socos, mas a guarda do rival estava bem preparada para eles. O brasileiro encontrou um caminho fértil com os pés.

Seu segundo chute acertou McLellan na altura da cabeça. O terceiro atingiu em cheio suas costelas, e o som da pancada encheu Borrachinha de ânimo. McLellan se viu pela primeira vez contra as grades, quase incapaz de conter a fúria do rival.

Mais um chute na costela. Outros socos na cabeça. Depois do quinto chute o olhar de McLellan parecia assustado. Ele tentava ler os movimentos de Borrachinha, mas os braços e as pernas de um lutador do UFC costumam se movimentar mais rápido do que suas pálpebras durante uma piscadela.

Um fotógrafo acostumado a trabalhar em torneios menores no Brasil me disse que no UFC é preciso aumentar a velocidade do obturador da câmera, do contrário não se consegue captar o movimento dos lutadores.

“Em geral, a velocidade fica em 320. No UFC eu coloco entre 1600 e 2000”, me disse ele. 2000 significa que o obturador da câmera fica aberto por um tempo equivalente a 1 segundo dividido por 2000. “1000 é o que a gente usa para fotografar automobilismo.”.

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Nessa velocidade, McLellan não conseguiu se defender dos golpes de Borrachinha, que, percebendo seu olhar assustado, partiu para cima.

Quando McLellan sentiu o sexto chute explodir em suas costelas, a luta começou a acabar.

Os socos de Borrachinha empurraram o rival contra a grade e depois contra o chão. De joelhos, com o rosto escondido entre os braços, McLellan ficou indefeso enquanto Borrachinha despendia toda sua energia martelando sua careca com força.

O cronômetro marcava 1min17s quando o árbitro não viu alternativa senão poupar McLellan de mais sofrimento. Ele interrompeu a luta confirmando o nocaute técnico do calouro sobre o veterano. Borrachinha levantou-se triunfante de braços abertos recebendo os gritos da torcida como se já soubesse há dois meses que a luta terminaria daquele jeito.

“Paulo Borrachinha deixa sua mensagem em Fortaleza”, disse o locutor do UFC. “Que forma incrível de causar uma boa impressão aos fãs de MMA do mundo inteiro!”

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As costelas de McLellan

O MMA é um esporte sangrento. Em outra luta naquela mesma noite, um choque de cabeças abriu um corte profundo na testa do peso-galo americano Joe Soto e transformou o octógono em algo parecido com a antessala de um açougue.

Os golpes de Borrachinha também tiraram um filete de sangue do supercílio de McLellan. Recuperado do massacre, o sul-africano se aproximou do rival e elogiou sua luta. Borrachinha, que tinha promovido um clima bélico entre os dois durante a semana, abraçou longamente McLellan e disse que agora gostaria de se tornar seu amigo.

Uma tatuagem em espanhol nas costelas de Garreth McLellan traduz o sentimento que une duas pessoas que algum dia já dividiram uma jaula durante uma luta de MMA:

Você que derrama seu sangue comigo será para sempre meu irmão.

Borrachinha cumpre promessa e cita Bolsonaro no UFC

Entrevistado no octógono logo após a luta, Borrachinha perguntou ao público se ele não merecia o bônus de melhor performance da noite.

Quando o apresentador já caminhava para anunciar a próxima atração, o lutador lembrou de cumprir uma antiga promessa. Levantou o dedo e pegou o microfone com as mãos, dirigindo-se às milhares de pessoas que lhe assistiam ao vivo e a outras milhões que ligadas na TV ou na internet.

“Bolsonaro 2018!”, gritou ele. O público se dividiu. Metade o apoiou com gritos e outra metade o vaiou.

Na entrevista coletiva à imprensa minutos depois, um repórter de TV voltou ao assunto.

“Bolsonaro é um cara em quem eu acredito muito e virou meu amigo”, respondeu o lutador. “É uma pessoa excepcional, tranquila, humilde, simples. Sempre falei dele, mas agora eu estou tendo visibilidade.”

Ele tentou entrar no ginásio novamente para ver de perto as outras lutas ao lado de amigos e da namorada. Depois de fazer parte, agora ele ansiava curtir o espetáculo. Além de lutador, Borrachinha é um fã de MMA e, para esse tipo de gente, o UFC é a Disneylândia.

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A caminho do hotel, a grande notícia

Mas o vencedor do primeiro combate da noite foi impedido de assistir ao resto do evento ao vivo. Por questões de segurança, os atletas são reunidos após suas lutas em uma sala reservada onde podem assistir ao evento com comes e bebes. Paulo Borrachinha então precisou ver o primeiro UFC de que participou da mesma forma que viu todos os outros: pela TV.

Quando Vitor Belfort foi nocauteado por Kelvin Gastelum também no primeiro round frustrando a torcida cearense no ginásio, os jornalistas se reuniram para ouvi-lo comentar sua terceira derrota consecutiva na carreira. Borrachinha e seus técnicos foram levados de volta ao hotel em um ônibus fretado.

Então, no meio de uma entrevista, eu recebi a notícia que todo lutador do UFC sonha em ouvir depois de uma luta. Puxei o celular e procurei o nome de Borracha no Whatsapp. “Seu irmão ganhou o bônus”, escrevi.

Ele achou que eu tivesse feito uma pergunta. “Ainda não sabemos”, respondeu.

“Ganhou”, insisti. “O quarto bônus por melhor performance.”

Borracha mostrou o celular ao irmão e os dois começaram a celebrar no ônibus. Uma chuva fina caía sobre Fortaleza desde o meio da noite. “Vou descer do ônibus e sair correndo na chuva depois dessa”, me escreveu de volta o lutador. Essa é a típica reação que você espera ter quando descobre que ficou 50 mil dólares mais rico.  

Ao todo, Paulo Borrachinha e sua equipe faturaram 72,5 mil dólares (R$ 230 mil) naquele sábado. Antes disso, o maior prêmio que ele havia ganhado na vida tinha sido de R$ 7 mil em um torneio nacional.

Já eram quase 4h da manhã quando ele entrou no hotel para sua primeira noite de pura tranquilidade e alívio, após dois meses de treinos intensos, dieta, socos, chutes e ameaças de morte. Quando ele finalmente conseguiu dormir, o dia já estava claro.   

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