Os três vingadores

Como Tony Stark, Thor e Capitão América se tornaram a última esperança da Terra em "Guerra Infinita"

Natalia Engler e Roberto Sadovski Do UOL

“Vingadores: Guerra Infinita”, que estreia nesta quinta (26), é o maior filme que Hollywood já teve a coragem de fazer. Nunca antes tantas narrativas, de tantos filmes diferentes, com literalmente dúzias de protagonistas, haviam convergido em uma única aventura. É uma iniciativa ambiciosa, ousada e, sem a menor sombra de dúvida, de execução absurdamente complexa.

Ainda assim, quando a poeira baixar e o Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês) tiver lidado com as consequências do ataque de Thanos, o que teremos é a história de três personagens ao longo de uma década, e de como eles evoluíram para se tornar líderes, dentro e fora dos filmes, em uma narrativa cheia de estrelas e de pontos em comum.

É a história de Tony Stark, Thor Odinson e Steve Rogers. São eles que lideram o combate contra Thanos e chegam a “Guerra Infinita” como as últimas esperanças da Terra.

A batalha final

Para combater a ameaça de Thanos (Josh Brolin), o filme tem claramente três “frentes de combate”. A primeira, reúne os heróis no primeiro ataque dos seguidores do Titã Louco: é o Homem de Ferro (Robert Downey Jr.) à frente do Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch), Homem-Aranha (Tom Holland) e do Hulk (Mark Ruffalo).

E se o Capitão América vinha sendo a figura central nos últimos anos, desta vez é Stark quem ocupa, em grande parte, o coração dramático de “Guerra Infinita”, fechando o arco iniciado por ele há dez anos. É em torno do Homem de Ferro, ainda marcado pela experiência de atravessar o portal aberto pelos aliens Chitauri em “Vingadores”, que sentimos que os riscos são mais reais.

Apesar da origem cósmica de Thanos, ele e Tony têm um histórico. Foi o presságio da chegada do vilão que levou Stark a criar Ultron e sempre o impediu de aposentar a armadura para viver tranquilo ao lado da eternamente paciente Pepper Potts (Gwyneth Paltrow). Enfrentar cara a cara o maior vilão do MCU parece um fechamento perfeito para a jornada do herói que começou tudo isso, e que, ao que tudo indica, pode deixar as telas em breve, quando o contrato de Downey Jr. acabar.

Thor (Chris Hemsworth) e o Capitão América (Chris Evans), por sua vez, comandam as outras duas frentes de defesa do universo.

No front cósmico, o filho de Odin se junta aos Guardiões da Galáxia. Agora mais um líder do que um guerreiro, e movido pelo luto e pela vingança depois de ver todo seu povo dizimado, ele empreende uma busca por uma nova arma, capaz de fazer frente ao poder de Thanos.

Finalmente, Steve Rogers, em exílio desde “Capitão América: Guerra Civil”, é obrigado a retornar quando os Filhos de Thanos atacam seus companheiros em busca da Joia da Mente, que dá vida a Visão (Paul Bethany). É ele quem vai buscar ajuda em Wakanda, a última esperança da Terra diante do poder do titã, e se junta ao Pantera Negra (Chadwick Boseman), Soldado Invernal (Sebastian Stan), Viúva Negra (Scarlett Johansson), Máquina de Combate (Don Cheadle) e outros heróis, em uma missão quase suicida para impedir o fim do mundo.

Mas não foi por acaso que os três heróis tomaram a frente do combate. Para chegar até aqui, o trio viveu uma jornada semelhante, atravessando conflitos narrativos que também carregam muitas similaridades. Foi sua jornada pessoal – e seu encontro sucessivo nos dois “Vingadores”, que traçou a história grandiosa que agora chega ao clímax.

Mas tudo começou, claro, em uma caverna escondida nas montanhas do Oriente Médio.

Os primeiros anos

Gênio, bilionário, playboy, filantropo

“Homem de Ferro” foi o primeiro filme do MCU, lançado há exatos dez anos. Em duas horas de ação, o diretor Jon Favreau apresentou Tony Stark (Robert Downey Jr.), filho de um industrial e herdeiro de uma empresa que fabrica armas – para todos os lados de qualquer conflito.

O ponto central do filme é responsabilidade: Tony precisa passar por uma experiência de quase morte para enxergar as consequências de seus atos e, assim, buscar algum tipo de redenção. “Homem de Ferro” é, por trás de toda a fanfarra, a história de um homem em busca de sua alma. Ele acredita ser capaz de consertar o estrago causado por sua tecnologia bélica voltando contra ela justamente sua maior criação.

Ainda incapaz de deixar o ego de lado, em “Homem de Ferro 2” (2010) Stark passa a perceber que o mundo talvez não orbite em torno de seu umbigo. Mais uma vez sob o comando de Favreau, a segunda aventura também é um modo de a Marvel marcar território e dizer que seu jogo era maior e mais ambicioso que as franquias dominantes no cinemão.

É testamento ao talento de Downey conseguir, com uma narrativa tão fragmentada, injetar ainda mais personalidade em Stark. Mais focado, disposto a abrir seu coração (com Potts), entendendo que a SHIELD, na figura de Nick Fury (Samuel L. Jackson) e da Viúva Negra (Scarlett Johansson), opera num nível que talvez esteja acima de seu ego. Bom, só talvez...

Deuses e heróis

Quando Thor chegou aos cinemas no ano seguinte, o Deus do Trovão tinha uma tarefa árdua: introduzir num mundo pé no chão, centrado na tecnologia, um protagonista mergulhado por completo na fantasia. Mais uma vez, o ego é parte da engrenagem. Assim como Stark, Thor, o filho de Odin (Hemsworth, um achado), fora criado para a guerra. Poderoso e implacável, ele se acha invencível, e sua impulsividade só encontra paralelo em sua imaturidade.

O protagonista é privado do que o faz especial – no caso seus poderes divinos –, e, assim como Stark, precisa encontrar um rumo em sua jornada caótica, marcada por uma vida inteira em batalhas. Longe de Asgard, lar dos deuses nórdicos, e preso na Terra, Thor aos poucos é confrontado com as consequências de suas ações, e também só triunfa ao se redimir. Ao fim da aventura, está mais sábio e ciente de sua inadequação para assumir, pelo menos por hora, o trono que é seu por direito.

Herói de outra era

A última peça neste quebra-cabeças chegou em “Capitão América: O Primeiro Vingador” (2011). A diferença é que Steve Rogers (Chris Evans) não é movido a ego, e sim a compaixão. Quando questionado pelo cientista que lhe dará sua superforça se está ansioso para “matar nazistas”, sua resposta é certeira: “Não quero matar ninguém, só não gosto de valentões”.

Se Stark é um gênio herdeiro de uma fortuna, e Thor, um deus superpoderoso, Steve Rogers, por outro lado, somos todos nós: uma pessoa comum, só que destinada a um caminho fora do comum. O centro da trama aqui é a devoção que Steve tem por seu país, pela disciplina militar, e por uma ordem que possa dar alguma normalidade ao caos. Tudo isso é apresentado sem trafegar por muitas áreas cinzentas, fruto da ambientação nos anos 1940, o que será determinante para o futuro do personagem – e seu papel chave dentro do MCU. 

Divulgação

Embate de egos

Stark e Thor são rebeldes por natureza, seja por total indiferença ou por puro ego. Do lado oposto, mesmo depois de se tornar um supersoldado, Steve desafia ordens apenas para salvar vidas, somente quando “fazer a coisa certa” é mais imperativo do que bater continência. E essas personalidades entram em choque pela primeira vez em “Os Vingadores” (2012).

A luta dos três em uma floresta na Alemanha é emblemática: nos quadrinhos, é regra que super-heróis "tretem" antes de encontrar equilíbrio contra um inimigo comum. A cena vai além em seu simbolismo. Nenhum dos três está preparado para tomar a frente de uma ação em conjunto quando a Terra é ameaçada. Se os objetivos são os mesmos (impedir que Loki conclua seu plano que pode, por fim, destruir o planeta), a execução ainda é capenga.

É preciso uma tragédia pessoal – a morte do agente da SHIELD Phil Coulson (Clark Gregg) para que a equipe passe a agir como uma unidade. Uma unidade militar, diga-se, com a liderança passando para o Capitão América porque, ora, ele é um capitão do exército, um estrategista e um líder nato.

Uma nova fase

Não é ao acaso que a segunda fase da Marvel no cinema comece com “Homem de Ferro 3” (2013), e com Tony Stark sofrendo as consequências da invasão alienígena da aventura anterior. O filme de Shane Black encerra sua jornada de autoconhecimento fazendo com que o herói se dispa de vez de seu ego – simbolizado pela perda da armadura, que fica de escanteio por quase toda a trama.

Ao encarar um terrorista misterioso, Stark tem de vencer primeiro seu pior inimigo: ele mesmo, seu vício em apoiar-se na tecnologia, seu egoísmo. A conclusão traz um Stark mais livre (sem o reator arc alojado em seu peito), menos egoísta (ele percebe o que realmente tem valor em sua vida), ainda que obcecado por controle. Esse conflito vai conduzir o MCU a partir daí.

Do mesmo ano, “Thor: O Mundo Sombrio” traz um Deus do Trovão menos impulsivo e mais propenso a usar o cérebro em vez dos músculos. Embora tenha um vilão que em nada conduza sua jornada, o filme de Alan Taylor expande Thor como um amigo leal e um filho dedicado, dividido em dois mundos após os eventos de “Os Vingadores”.

O começo do fim

O ponto de virada do MCU e de toda a dinâmica até então construída pela Marvel no cinema foi “Capitão América: O Soldado Invernal” (2014).

Apesar de o Homem de Ferro se apresentar como o personagem mais complexo deste universo, Steve Rogers é o foco da narrativa. Sua evolução nesta aventura dirigida por Joe e Anthony Russo é a mais marcante entre todos os heróis. Não só pela perda de inocência, causando uma ruptura definitiva com os “tempos gloriosos” da Segunda Guerra, mas também pela Marvel inserir seus filmes em um contexto realista, em um pano de fundo político fundamental para o crescimento de todos os seus personagens.

“O Soldado Invernal” é particularmente duro com o Capitão América, que observa toda a estrutura na qual baseava sua vida ruir entre mentiras, conspirações e o ressurgimento de um inimigo ainda mais letal, por estar escondido entre os mocinhos (a SHIELD está contaminada pela HYDRA). E é fascinante observar o crescimento de Chris Evans como ator, já que toda a premissa torna-se crível porque acompanhamos tudo com seu ponto de vista.

Esse esfarelamento estrutural também força os Vingadores a trabalharem longe do olhar de um “comitê”, surgindo como uma força de resposta independente, o que vai alinhar a evolução de seus três jogadores principais em “Vingadores: Era de Ultron” (2015), que traz o Capitão América como líder incontestável, mas reserva a Stark e a Thor papéis não menos importantes.

O primeiro continua na busca por um sistema de proteção global definitivo, mesmo que tenha de agir sem a anuência dos companheiros; o segundo, ciente de que fora criado como instrumento de guerra, tenta encontrar propósito e termina por fazer o oposto da destruição ao ajudar a trazer o sintozóide Visão à vida. Ao final, a equipe está fragmentada, com Thor partindo para desvendar o mistério das Joias do Infinito; Tony Stark se afastando para finalmente viver um idílio pessoal; e com o Capitão América, certo de seu papel como líder, conduzindo uma nova equipe de Vingadores.

Vale ressaltar aqui que a complexidade do MCU não é apenas logística. É um jogo criativo que depende não só da evolução desses três personagens em particular, mas também da habilidade de seus intérpretes em entregar heróis de carne e osso, completamente desenvolvidos, de forma que o público se importe e perceba o peso em cada uma de suas decisões.

Fase 2

Um racha na equipe

“Capitão América: Guerra Civil” (2016) surge como ponto de ruptura no MCU. A franquia deixa Thor de lado por um momento para concluir a jornada evolutiva de Steve Rogers e Tony Stark, e seu consequente racha. Após uma ação que custa a vida de inocentes, as Nações Unidas decidem que a equipe só pode agir com a sanção de uma comissão internacional, evitando incidentes diplomáticos e transferindo a culpa por danos colaterais.

O que acontece a seguir é movido por culpa e caráter. Culpa porque Tony Stark carrega o peso do mundo depois que sua invenção ter saído do controle e ceifado milhares de vida em "Era de Ultron"; caráter porque Steve Rogers entende a responsabilidade dos Vingadores e até a necessidade de controle, mas sabe que seria incapaz de não agir quando fosse necessário. Ambos estão certos, ambos estão errados, e o conflito a seguir é o clímax da jornada do Capitão América e do Homem de Ferro. Tanto no político quanto no pessoal, “Guerra Civil” tem o cuidado de mostrar que seus protagonistas superaram seus demônios e decidiram, à sua maneira, fazer a coisa certa.

A última peça nesta engrenagem evolutiva é “Thor Ragnarok” (2017), em que o Deus do Trovão, ao fracassar em sua busca pelas Joias do Infinito, é privado de seu poder, vê seu lar tomado pela Deusa da Morte, Hela (Cate Blanchett) e é banido a um mundo em que o único propósito é entrar em combate. O “antigo” Thor se sentiria em casa. Este “novo” Thor entende que lutar é um último recurso. Na aventura de Taika Waikiki ele finalmente encontra o equilíbrio e, agora digno, assume o trono de Asgard.

Fase 3

O fim da jornada

Depois de tudo isso, “Vingadores: Guerra Infinita”, mais um trabalho dos irmãos  Russo, encontra sua tríade em posição bem diferente da que ocupavam na primeira aventura da equipe. Se o filme de 2012 trazia personalidades conflitantes buscando algum semblante de ordem, apesar de ainda separados, a nova aventura os coloca como líderes não por imposição do roteiro, mas por ser a evolução natural perpetrada em uma década de filmes.

Cada um liderando sua frente de combate, Thor, Rogers e Starks completam suas jornadas, mas também servem outro propósito, desta vez na engrenagem maior que criou e sustenta a maior franquia da história do cinema: criar condições para passar o bastão para uma nova geração, que deve assumir a frente dos mais de 20 filmes que a Marvel tem planejados para os próximos anos, depois que “Vingadores 4” “trouxer algo que nunca se viu em um filme de super-heróis: um final”, nas palavras do próprio chefão da Marvel, Kevin Feige.

Rogers, indiretamente, introduziu o Pantera Negra em “Guerra Civil”. Stark assumiu a tarefa de forma mais direta, como mentor do Homem-Aranha. Agora rei de um reino dizimado, Thor ainda precisa fazer seu sucessor. Mas, ao final desta batalha de proporções épicas (e aqui, com todo cuidado para não dar nenhum spoiler), tudo ainda se resume aos Vingadores originais.

Três heróis. Três líderes. Três personagens completos representados por três atores no auge de suas carreiras. O Universo Cinematográfico Marvel prova que vai além do entretenimento puro por um motivo único: não são histórias sobre super-heróis, e sim sobre os homens por trás das máscaras. Isso, como testemunhamos nos últimos dez anos, faz toda a diferença.

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