Superpoderosas

Comic-Con de San Diego reflete força das meninas na cultura pop

Beatriz Amendola Do UOL, em San Diego (EUA)
Bill Wechter/AFP
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O mundo nerd costumava ser visto como um grande Clube do Bolinha, cheio de meninos que curtem quadrinhos de heróis e passam o dia jogando videogame. Mas esse estereótipo, pouco condizente com a realidade, foi enterrado de vez na edição deste ano da San Diego Comic-Con.

Desta vez, o maior evento de cultura pop do mundo deu forte destaque para as personagens femininas e suas ações -- coincidente e simbolicamente, poucas semanas após a estreia da versão só com mulheres de "Os Caça-Fantasmas" e do anúncio de que a armadura do próximo Homem de Ferro dos quadrinhos será vestida por uma jovem negra.

A grande estrela do evento foi a Mulher Maravilha, que já havia roubado a cena numa ponta em "Batman vs Superman", que chegou aos cinemas no primeiro semestre, e serviu de inspiração para muitas cosplayers.

O trailer do filme da heroína, repleto de momentos que refletem não só sua força mas também sua personalidade superpoderosa, foi bem recebido dentro e fora da convenção. Um dos principais - e raros - ícones feministas das HQs, a personagem foi homenageada por seus 75 anos com um painel, que ficou lotado. "Ela é a heroína máxima", disse Gal Gadot, atriz que incorpora a Mulher Maravilha na nova safra de filmes da DC Comics.

"Mulher Maravilha": 1º trailer

Representatividade

De fato, a Mulher Maravilha é a grande referência quando se fala de heroínas. Mas o filme de 2017 será o primeiro dela a ser lançado nos cinemas desde sua criação, um sintoma da pouca representatividade que as mulheres encontraram em Hollywood ao longo dos anos -- basta comparar com as incontáveis versões que Batman e Superman ganharam ao longo dos anos.

Apesar de tratada com frequência como "mimimi" feminista, a questão da representatividade é séria. "Eu tenho um filho trans, que foi designado como mulher ao nascer, e uma vez ele me disse 'Por que eu seria uma menina? É a coisa menos poderosa que você pode ser'", conta Margareth Stohl, autora por trás de HQs da Viúva Negra e da Capitã Marvel. "É um trabalho. Por que você associa mulher com fraqueza? Como podemos ir além das caixas que rotulam os gêneros?"

O cenário, felizmente, está mudando, como provam produções para a TV e o cinema como "Jessica Jones", "Supergirl" e "Capitã Marvel", que finalmente ganhou um rosto no último sábado (23), quando a Marvel anunciou a atriz vencedora do Oscar Brie Larson para o papel. Há até quem defenda um 007 mulher.

Mesmo personagens que já tinham lugar cativo na cultura pop também passam por transformações para se tornarem mais próximas do público. Foi o que aconteceu com a heroína dos games Lara Croft, que nos anos recentes ganhou um visual menos sexy e mais realista.
 

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"Só falavam do físico dela. Nós queríamos que as pessoas a reavaliassem como personagem, como se a conhecessem pela primeira vez. Essa mudança foi para humanizá-la e tornar os traços visuais mais reais"

Noah Hughes, diretor criativo da Crystal Dinamics, em painel sobre os 20 anos da personagem do jogo "Tomb Raider"
 

Chris Pizzello/Invision/AP Chris Pizzello/Invision/AP

As reações nem sempre são positivas, vide as críticas que o novo "Caça-Fantasmas" recebeu. Mas o público, em San Diego, reagiu bem à questão do crescimento da representatividade feminina durante alguns dos painéis mais importantes do evento.

Após temporadas sendo criticada por cenas consideradas sexistas, a série da HBO "Game of Thrones" ganhou elogios dos fãs pela sexta temporada, que teve boa parte de sua trama comandada pelas mulheres.

Já na apresentação de "The Walking Dead", uma fã, negra, emocionou ao comentar o retrato de Michonne na série e dizer que ela era uma inspiração para outras jovens como ela. Danai Gurira, intérprete da personagem, disse entender como ela se sentia.

"Sou grata por estar em uma narrativa que prioriza a história e não se prende a preconceitos. Eu espero, e acredito, que isso quebre barreiras"
Danai Gurira, anunciada como nova integrante do filme "Pantera Negra"

A heroína e a anti-heroína

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3 x Maravilha

Demorou 75 anos, mas finalmente a Mulher Maravilha terá seu primeiro filme, além de aparecer em "Batman vs Superman" e "Liga da Justiça". A direção também é de uma mulher e, se o trailer é um indício, será uma heroína muito empoderada.

Divulgação Divulgação

Vilã de salto alto

Uma anti-heroína vem roubando a cena nos trailers de "Esquadrão Suicida" e foi campeã de cosplayers na Comic-Con deste ano: a Arlequina vivida por Margot Robbie. Personagem que, como ela bem lembra, faz tudo que os outros fazem, em cima do salto.

Charley Gallay/AFP

Por trás das telas

Se na frente das telas a representação feminina começa a mudar, o processo por trás das câmeras e do papel também, mas ainda de forma lenta -- segundo dados do instituto Women in Film, apenas 15% dos diretores de Hollywood são mulheres.

Deborah Snyder, produtora de vários dos filmes da DC, incluindo "Mulher Maravilha", disse que houve um "esforço consciente" para trazer uma mulher para a direção do longa -- posto que ficou com Patty Jenkis -- e que tenta fazer isso também em outros departamentos de seus filmes.

"É muito fácil ver a atriz, a diretora e a roteirista, mas e as outras? Esses filmes às vezes têm uma equipe de 5.000 pessoas por trás", disse Snyder, que escalou mulheres também para os cargos de diretora-assistente e coordenadora de dublês para o filme da "Liga da Justiça".

A produtora encontrou uma forma de ajudar inclusive jovens mulheres com interesse em cinema: ela levou um grupo de vinte adolescentes para o set de "Mulher Maravilha" para que elas pudessem ver como é trabalhar na área. 

Produtora dos Estúdios Marvel, Vitoria Alonso disse que a empresa também tem se esforçado para trazer mais mulheres. "Há um esforço para ter mulheres nas nossas equipes, no elencos e na criação. Leva tempo. E não falo só de mulheres. Falo do que chamamos das 'united colors of Benetton'." 

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"Não é porque é Capitã Marvel que tem que ser uma mulher dirigindo ou porque é do Pantera Negra, um negro. Espero pelo dia em que nossas histórias sejam dirigidas por todos os tipos de pessoas"
Vitoria Alonso, produtora dos Estúdios Marvel

 

Cabe aos homens serem receptivos às colegas mulheres, defende. "Aos homens, o que eu adoraria que vocês fizessem é permitir as mulheres nas suas salas de reunião, nas salas de roteiro. Quando a porta se abre, do lado de dentro você tem que estar receptivo ao equilíbrio".

Ela mesma, apesar de já trabalhar há anos com o estúdio, passou por uma situação desagradável quando um homem com o qual tinha uma reunião pediu para que ela fizesse um café para ele.

O próprio público pode ajudar a incentivar os produções feitas por mulheres de uma forma simples: comprando. "Você não tempo pra ver? Entre no site e compre o ingresso. Você nem precisa ir, só compre", brinca Vitoria.

Meninas reivindicam espaço na cultura pop: "Somos 51% da população"

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"Geeks de verdade"?

Na outra ponta da cultura pop e do mundo geek estão as fãs. E elas também não estão imunes ao preconceito, apesar de serem uma parcela importante de eventos como a San Diego Comic-Con -- em 2015, a porcentagem de homens e mulheres que compareceram ao evento foi a mesma.

Ainda há os estereótipos de que mulheres vão a esses eventos para acompanhar os namorados ou que não são geeks "de verdade".

Esses julgamentos ficaram mais evidentes na época em que os filmes da saga "Crepúsculo" começaram a marcar presença na Comic-Con, segundo Suzanne Scott, professora da Universidade do Texas: "Era implicado que, se você fosse menina, você estava lá para 'Crepúsculo'. E havia a preocupação de que as fangirls de crepúsculo iam pegar os lugares dos 'fãs de verdade' de 'Avatar'."

A presença cada vez maior de mulheres no meio de fãs foi vista como ameaça ao domínio masculino, avaliou Sam Maggis, autora do livro "Fangirls Guide to The Galaxy".

"Nós passamos a maior parte da nossa vida sendo excluídas, e isso é horrível. Os caras brancos têm dominado esses espaços há muito tempo, e agora que nós temos voz, eles têm essa visão de que viemos para roubar o brinquedo deles. Mas isso nunca vai acontecer. Nós só queremos acrescentar coisas, para que todo mundo possa curtir"

O preconceito direcionado a obras ditas femininas acaba prejudicando até os próprios homens. Segundo a autora da "Trilogia Grisha" Leigh Bardugos, há fãs que sussurram para dizer que gostaram de seu livro. "Quando as pessoas zombam e criam vergonha em torno das coisas direcionadas para as mulheres, nós a tornamos inacessíveis para uma grande parte das pessoas. E isso não ajuda ninguém."

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