Han Solo: Uma biografia

Como um Zé Ninguém se tornou o bad boy mais amado da galáxia

Natalia Engler e Fernanda Ezabella Em São Paulo e Los Angeles (EUA)

Antes de estabelecer sua fama (nem sempre boa, diga-se de passagem) como um dos maiores contrabandistas da galáxia, Han Solo era apenas Han, um Zé Ninguém do planeta Corellia, criado nas ruas e amadurecido aplicando golpes aqui e ali.

Apesar de já conhecer seu fim, basicamente era isso que os fãs sabiam sobre o passado do personagem imortalizado por Harrison Ford, sem muitos detalhes sobre os momentos que ajudaram a torná-lo um mestre do cinismo e da bravata. Até hoje.

Em “Han Solo: Uma História Star Wars”, que estreia nesta quinta (24), são justamente esses momentos definidores que são levados à tela, em um submundo bem distante da Força e dos Jedi, e com um Han ainda longe de seu fatídico encontro com Obi-Wan Kenobi e Luke Skywalker.

Quem atirou primeiro?

A chave para esse passado ficou mais de 40 anos escondida em uma das cenas mais polêmicas do “Star Wars” original, de 1977: a troca de tiros entre Solo e o caçador de recompensas Greedo na cantina em Tatooine, que gerou intermináveis discussões sobre quem havia atirado primeiro (o novo filme também ajuda a pôr fim nessa disputa).

"Sempre fui curioso para saber o que aconteceu antes daquela cena na cantina", contou ao UOL o roteirista Lawrence Kasdan, responsável também por “O Império Contra-Ataca” (1980), “O Retorno de Jedi” (1983) e “O Despertar da Força” (2015), que escreveu o novo filme ao lado de seu filho, Jonathan.

Como alguém fica tão cínico? Por que uma pessoa com um coração tão bom o esconde o tempo todo?

Para tentar responder essas perguntas, Kasdan voltou cerca de uma década antes dos acontecimentos de “Uma Nova Esperança”, quando encontramos um Solo que vive nas ruas do planeta Corellia, explorado pela cruel Lady Proxima, aplicando pequenos golpes para sobreviver e sonhando com uma nave para chamar de sua.

Jonathan Olley /Lucasfilm Ltd. Jonathan Olley /Lucasfilm Ltd.

E que aspectos desse Han jovem era importante que o público conhecesse? “É uma mistura”, explica Alden Ehrenreich, 28, escolhido para a difícil tarefa de empunhar o blaster no lugar de Ford.

Tem duas coisas. A primeira é que estamos encontrando esse personagem em uma época muito diferente da sua vida, na qual ele tem certas qualidades que não associamos ao Han Solo que conhecemos, como ser um pouco sonhador e idealista.

“Então, é um equilíbrio entre incorporar e absorver o máximo dos filmes originais, de Harrison, do personagem, de como ele funciona naqueles filmes”, continua. “E também, como em qualquer papel, ser fiel à história que você está contando neste momento”.

Ehrenreich se sai bem em imprimir seu próprio charme ao personagem, o que não significa que não teve que enfrentar a pressão da comparação com Ford. Quanto a isso, o ator tinha uma carta na manga.

Em relação ao fato de Han ser emblemático, o personagem não sabe nada disso. Ele não sabe que é 'o Han Solo' da maneira em que pensamos nele, e provavelmente não se sente assim. Então, acho que a melhor maneira de agradar às pessoas é ignorar essas expectativas e todo esse ruído”, acredita.

A mulher misteriosa e o wookie

Jonathan Olley /Lucasfilm Ltd. Jonathan Olley /Lucasfilm Ltd.

Outra coisa que faz de Han alguém diferente do personagem que conhecemos é que sua companhia no início da vida não era um wookie, mas uma humana, a também órfã Qi'ra, vivida por Emilia Clarke (a Daenerys Targaryen de "Game of Thrones").

É difícil falar sobre ela sem dar muitos spoilers, mas basta saber que Qi'ra divide as dificuldades das ruas com Han, até que as circunstâncias os separam, e depois os reúnem --um reencontro que vai ajudar a entender um pouco da personalidade do futuro contrabandista.

"As mudanças pelas quais ela passa ao longo do tempo em que está distante de Han determinam o relacionamento deles no resto do filme", acredita Clarke. "Você questiona o tempo todo por que ela está ali, o que ela representa para Han, se ela será uma influência positiva ou negativa para ele, se ela está ali para salvar a própria pele ou pelos outros", completa.

Jonathan Olley /Lucasfilm Ltd. Jonathan Olley /Lucasfilm Ltd.

É justamente no período em que Han e Qi'ra se separam que ele vai encontrar seu futuro copiloto e amigo fiel, quando ambos se vêem em uma situação, digamos, desfavorável, e superam as diferenças para poder sobreviver, criando um laço que vai durar até o resto da vida de Solo.

É nesse momento também que pela primeira vez o público poderá entender que a língua de Chewbacca não é apenas feita de ruídos sem sentido.

"Quando estávamos filmando, basicamente inventávamos na hora. Mas naquela cena em particular, e acho que foi a primeira vez que fizeram isso, tinha legendas do shyriiwook, que é a língua dele. Havia algumas palavras que se repetiam, então tínhamos que nos assegurar de que fosse sempre o mesmo som, se não, não traduziria direito e aconteceriam motins [entre os fãs]", brinca.

Jonathan Olley /Lucasfilm Ltd. Jonathan Olley /Lucasfilm Ltd.

Uma nave nova em folha

Outro encontro importante que Han terá: a Millennium Falcon. Como qualquer fã de “Star Wars” sabe, Solo ganhou a nave de seu amigo e rival Lando Calrissian (Donald Glover) em um jogo de Sabacc (uma espécie de pôquer intergaláctico). O que ninguém ainda sabia eram as circunstâncias em que isso aconteceu.

“Há muitas perguntas em ‘Star Wars’ que você não sabe as respostas, mas como ele ganhou a nave é uma das poucas coisas que nunca questionei”, revela o roteirista Lawrence Kasdan. “A questão então era: quais foram as circunstâncias, alguém estava trapaceando?”

É isso que o filme revela, além de mostrar uma Falcon novinha em folha, sem o desgaste natural de uma nave usada por Solo por anos a fio, com toques de elegância de seu então proprietário.

“Nos deram uns minutos para surtar”, diz Glover sobre pisar pela primeira vez na Millennium Falcon. “Também era legal porque era tudo limpo e muito elegante, como nunca vimos antes, naquele estilo dos anos 1970 de Lando. Era estranho, porque você meio que já a conhece, está acostumado com a arquitetura e a estética. Eu sabia exatamente onde ir”.

É a bordo da Millennium que outro pequeno mistério de “Star Wars” também é revelado: por que Solo tanto se gaba de ter completado o Percurso de Kassel em menos de 12 parsecs. Sem revelar muito, podemos dizer que é uma rota bastante difícil de ser percorrida, e que o contrabandista tinha alguma razão em contar vantagem. É também a cena preferida do trio Ehrenreich, Glover e Clarke.

“Te deixa com os nervos à flor da pele, de verdade. E tem humor”, diz Clarke. “Eles não aliviam a tensão por muito tempo, até o finalzinho”, completa Glover. “Você fica muito feliz quando eles conseguem. E você ouve Han falando o tempo todo: 'Eu fiz o percurso de Kessel em 12 parsecs', então, é legal poder realmente ver pela 1ª vez”.

Cinismo e charme

Entre novos e velhos conhecidos, Han obviamente vai enfrentar dificuldades e algumas rasteiras do destino, que vão colocando-o no caminho para se tornar o personagem que conhecemos (alguém ouviu falar em Tatooine?), e revelando os primeiros traços das características que conquistaram os fãs há mais de 40 anos.

“Sempre foi meu personagem favorito”, revela Kasdan. “Ele é imprudente, cínico, não confia em ninguém. É um pouco estúpido, e amo isso. Ele faz coisas que não deveria e se acha um pouco”, elabora o roteirista.

Ehrenreich também tem sua teoria sobre como um personagem com tantas características consideradas negativas tem, ao mesmo tempo, tanto apelo com o público.

Ele é um dos personagens mais humanos da saga original. É complicado, não é sempre fácil conviver com ele, ele oscila entre o medo e a bravura, não é uma pessoa transparente, preto no branco, fácil de entender. É mais como uma pessoal real.

“Harrison falou algo sobre isso, que no filme original ele é mais como o público, não acredita muito nas coisas da Força e tudo mais", continua. "E acho que tem muitas nuances. Você acha que é apenas um cara presunçoso, mas então vê algumas das cenas com Leia, e ele é muito inseguro. Tem muitas dimensões diferentes, e isso torna tudo mais divertido. Acho que esse filme faz um ótimo trabalho de passear por cada uma dessas pequenas partes da personalidade dele”, completa.

Está aí a receita para o bad boy mais amado da galáxia. “Eu sei”, responderia Han Solo, com todo seu cinismo e charme.

Curtiu? Compartilhe.

Topo