Agoniza, mas não morre

Entre o sertanejo e o funk, samba luta por espaço 100 anos depois

Anderson Baltar e Guilherme Bryan Colaboração para o UOL
Júlio Guimarães/UOL

Neste domingo (27), completará cem anos o momento histórico em que Donga e Mauro de Almeida registraram "Pelo Telefone" e a canção, nascida de forma coletiva na casa de Tia Ciata, na Praça Onze, levou o nome de "samba". O gênero musical que nascia ali passaria por uma série de modificações, conquistaria todas as classes sociais e seria instituído como símbolo máximo da identidade cultural do Brasil.

Às vésperas de seu centenário, contudo, o samba vive um momento de inflexão. Se, nos anos 70, 80 e 90, sambistas chegaram a liderar vendagens e execuções em rádio, atualmente, o estilo parece distante do público e da mídia.

 

Números como esses fazem a gente se perguntar: será que o samba perdeu importância dentro da cultura brasileira? Ou vive um momento cíclico, em que outros gêneros musicais estão na vitrine?

"Nos anos 50, tivemos o samba-canção. Nos 70, a popularização de grandes sambistas como Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Beth Carvalho e Clara Nunes. Nos 80, a geração do Cacique de Ramos e, na década seguinte, o pagode romântico, que impulsionou a venda de medalhões como Martinho e Zeca. Vivemos outra entressafra", acredita Leonardo Lichote, crítico musical do jornal "O Globo".

Lichote destaca que o atual domínio da música sertaneja se deve, além de um grande investimento financeiro, a uma particularidade que o samba perdeu com o passar dos anos: a condição de dialogar com as diversas formas de música do país.

Eu acho que o sertanejo conseguiu chegar ao Brasil como ele é. Ele segue a tradição brasileira da música romântica, mas incorporou a sacanagem e a ostentação do funk. Atualmente, é um certo esperanto de ritmos nacionais populares. Ele dialoga com o forró, com o arrocha, com a música gauchesca, com a sanfona que corta todas as músicas. As fronteiras se misturam. Enquanto isso, o samba se aferra demais às suas tradições”

Júlio Guimarães/UOL Júlio Guimarães/UOL

"Essa visão do samba como reserva histórica dificulta a relação com o mercado. Fica parecido com um bairro quando é tombado. De um lado, se mantém a tradição arquitetônica, de outro, se impede o progresso. O ideal é achar o meio termo. Manter a tradição e evoluir. Hoje tem uma galera fazendo funk com cavaquinho e esses músicos vieram do samba. Quem sabe o samba não precise beber em outras fontes?", especula Lichote.

Para o diretor artístico da Rádio Mania, João Carlos Filho, o sertanejo é um fenômeno impossível de se ignorar.

Atualmente, destino 50% da grade para o samba, mas a predominância é total do pagode. Se formos analisar o samba de raiz, a proporção cai muito. Procuramos ser plurais, tocar de tudo um pouco, mas, realmente, o momento é do sertanejo" 

João afirma que, além do investimento maior, os artistas sertanejos estão mais conectados ao que se faz no mercado internacional enquanto o samba ainda tem uma estrutura um tanto purista. "O sertanejo traz uma experiência musical nova. A produção de seus artistas é semelhante a dos astros internacionais. Eles rodam o país com palcos com estruturas fantásticas e um som fabuloso", acredita.
 

O sertanejo na praia do samba

Público e artistas do festival Villa Mix defendem convivência pacífica

Julio Cesar Guimarães

Tem sangue novo na roda

Se, de um lado, é pouco provável que um festival de samba de raiz conseguisse reunir, hoje, tanta gente quanto o festival Villa Mix, por outro, chamam atenção iniciativas alternativas onde se vê surgir uma nova geração de sambistas de qualidade, na avaliação do produtor musical Jorge Cardoso, responsável por álbuns de Alcione, Só Pra Contrariar, Molejo e Raça Negra.

O grande fenômeno no Rio são as rodas de samba, onde a entrada é franca. E é, justamente delas, que estão surgindo os novos artistas, que, aos poucos, estão renovando o samba. Aos poucos, os jovens estão se interessando pelo gênero"

Nas páginas a seguir, selecionamos uma amostra dos artistas que mais têm se destacado no novo cenário do samba não só no Rio, mas em diversos estados do país onde o gênero tem conseguido se renovar.

Rio de Janeiro

Nina Rosa

Cantora de voz marcante e presença forte no palco, já dividiu shows e rodas com Luiz Carlos da Vila, Nei Lopes, Leci Brandão e outros ícones. Cantou samba-enredo nas disputas de escolas como Mangueira e Império Serrano. Nina prepara seu 1º CD, com composições próprias e de outros nomes da nova geração.

Marina Iris

Nascida no Meier e enteada de Gisa Nogueira (irmã de João Nogueira), Marina vive no samba desde pequena. Iniciou sua carreira em 2007 e, em 2014, lançou seu primeiro CD, "Marina Iris", com 13 canções, sendo 10 inéditas de novos compositores. Já fez temporadas em casas de samba tradicionais do Rio.

Juninho Thybau

Nascido e criado no Irajá, subúrbio do Rio, Juninho soma mais de 20 músicas gravadas. Dentre elas, "A Vitória Demora Mas Vem", sucesso na voz de Diogo Nogueira. Sobrinho de Zeca Pagodinho, participou da gravação do tio em 2012 e lançou seu primeiro CD, "Juninho Thybau", em 2015.

Renato da Rocinha

O artista frequenta as rodas de samba da cidade desde os seis anos de idade, levado pelo pai. A partir de um projeto realizado na comunidade da Rocinha, lançou seu 1º CD, "Qualquer Lugar", em 2010, indicado ao Prêmio da Música Brasileira em duas categorias. Em 2015, lançou "Moleque Bom", o segundo álbum.

Pedro Miranda

Fruto das rodas de samba que revitalizaram a Lapa carioca nos anos 90, Pedrinho fez parte do Grupo Semente, que acompanhou a cantora Teresa Cristina por muitos anos. Também atuou no musical "Sassaricando" e em shows como "Para Sempre Noel". Lançou neste ano o álbum "Samba Original" e participou de vários discos coletivos.

Leo Aversa Leo Aversa

Alfredo Del-Penho

Figura constante nas casas de samba da Lapa, é cantor, violonista, ator, pesquisador e compositor, considerado um dos artistas mais completos da nova geração da cena carioca. Atuou no musical "Sassaricando" e participou da minissérie "Dalva e Herivelto". Recentemente, lançou os CDs, "Samba Sujo" e "Pra Essa Gente Boa".

Lucio Sanfilippo

Um dos ícones do movimento de revitalização da Lapa, já lançou três CDs. Seu repertório gira em torno de sambas, jongos, afoxés, cocos e cirandas, em uma uniformidade pouco vista. Já cantou na Argentina e Haiti e já dividiu o palco com Lia de Itamaracá, Délcio Carvalho, Beth Carvalho, Wilson Moreira e Tia Maria do Jongo.

Divulgação Divulgação

João Martins

Multi-instrumentista, toca percussão, banjo e cavaquinho. Iniciou a carreira aos 14 anos e participou de importantes rodas de samba do Rio. Como compositor, tem músicas gravadas por Galocantô, Moyseis Marques e Renato da Rocinha. Em 2009, lançou o primeiro CD, "Juízo que dá samba" e, em 2012, o "Receita para Amar".

Além do Rio

Divulgação Divulgação

Arthur Espíndola (Pará)

Faz o "samba amazônico", misturado a ritmos percurssivos do Norte do Brasil. O resultado está no CD "Tá Falado", com Gaby Amarantos e a Velha Guarda da Mangueira. Desde criança, frequenta as serestas realizadas pelos tios e, aos 13, entrou para a escola de samba Rancho, a terceira mais antiga do Brasil.

Divulgação Divulgação

Leandro Fregonesi (São Paulo)

Com três álbuns e um DVD na bagagem, o sambista paulista radicado no Rio já foi gravado por nomes tão diversos quanto Maria Bethânia e Beth Carvalho e possui como parceiros em mais de 170 composições feras como Darcy da Mangueira, Noca da Portela, Alceu Maia e Roberto Serrão, entre outros.

Divulgação Divulgação

Karina Telles (Minas Gerais)

Formada no Conservatório Estadual de Música Cora Pavan Capparelli, em Uberlândia, Karina começou cantando em festas regionais de Folias de Reis e de congado. Lançou o seu primeiro CD, "Flor do Samba", em 2011, e hoje é artista residente no Bar do Alemão, em São Paulo, onde vive desde 2009.

Toque de Salto (Brasília)

Formado apenas por mulheres, o grupo se destaca na cidade por tocar clássicos do samba com arranjos próprios. O quarteto tem como característica misturar todos os sotaques do samba do Brasil: a ginga carioca, aliada ao estilo paulistano de Adoniran Barbosa, mesclados com o samba de roda da Bahia.

Julio Cesar Guimarães/UOL

Opinião de bambas

Francisco Cepeda/AGNews-SP Francisco Cepeda/AGNews-SP

Zeca Pagodinho

Apesar do momento adverso, Zeca Pagodinho, acredita que o samba tem seu lugar marcado na música brasileira e, no momento certo, voltará ao topo das paradas.

O samba sempre estará nos corações e mentes dos brasileiros por ser o gênero que sintetiza melhor a sua vida cotidiana. O samba é quem dá voz ao povo” 

Para quem começou a carreira há mais de 30 anos cantando pelas rodas do subúrbio carioca e hoje é um dos artistas mais valorizados do show-business brasileiro, a gratidão ao samba é eterna.

Renan Katayama/AgNews Renan Katayama/AgNews

Beth Carvalho

Com 50 anos de carreira, Beth Carvalho já passou por vários momentos do samba: das rodas do Zicartola e Teatro Opinião, ao sucesso dos anos 90. Do alto de sua experiência, vaticina:

O samba é igual à Bolsa de Valores: sobe, desce, mas está sempre marcando presença. É um sucesso absoluto para onde quer que eu vá. Ele ainda está no inconsciente coletivo popular, mas falta investimento para que volte às paradas” 

Martinho da Vila: "O samba nem agoniza, nem nunca vai morrer"

Para o compositor, samba é como religião, passado de geração a geração

Elas mantêm viva a tradição

Alice Venturi Alice Venturi

Ana Costa

Revelada para o mundo do samba cantando em grupos com os filhos de Martinho da Vila, Ana Costa resolveu, em 2015, homenagear o padrinho com o show "Pelos Caminhos do Som", em que lançou luz para um repertório pouco conhecido do cantor e compositor. "Acho que o sucesso foi maior por ter fugido do óbvio. E muitas pessoas vieram me dizer que passaram a se interessar por Martinho da Vila por conta do meu trabalho, o que muito me envaidece e me faz feliz, porque ele é fundamental para entendermos o samba e a música brasileira".

Mariene de Castro

A cantora baiana - que alguns vão reconhecer da novela "Velho Chico" - não tinha Clara Nunes como um de suas principais influências, mas de tanto ouvir das pessoas que seu jeito de cantar e presença de palco lembravam-na resolveu aceitar o convite para, em 2012, gravar o show "Um Ser de Luz". "Costumo dizer que fui escolhida para fazer a Clara. Foi algo que nunca pensei ser possível. Eu tinha muito receio de tocar nessa obra que, para mim, é intocável." Como resultado, Mariene ganhou o respeito dos fãs de Clara Nunes, que passaram a acompanhar seu trabalho.

Arquivo/Folha Imagem Arquivo/Folha Imagem

100 sambas para celebrar 100 anos

A tarefa não parecia fácil, mas o UOL Música Deezer convocou dois grandes especialistas no assunto - os jornalistas Anderson Baltar e Guilherme Bryan - para elaborar uma playlist com as 100 canções mais influentes ou marcantes do samba nestes seus primeiros 100 anos de história. A lista traz clássicos seminais como "Carinhoso", de Pixinguinha, "As Rosas Não Falam", de Cartola, e "Feitiço da Vila", de Noel Rosa (foto), passando por standards eternizados nas vozes de Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Gal Costa, Paulinho da Viola e muitos outros. Clique abaixo para conferir a lista e, se quiser, fazer a sua própria e compartilhar!

ler mais

Curtiu? Compartilhe.

Topo