Adorável megera

De teste no Faustão a Laureta, Adriana Esteves faz 30 anos no ar como uma das atrizes mais queridas do Brasil

Carlos Helí de Almeida* Colaboração para o UOL, em Gramado (RS)
Zanone Fraissat/Folhapress
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A indomada

Antes mesmo de "O Segundo Sol" estrear, em maio deste ano, a expectativa era grande: Adriana Esteves conseguiria com Laureta repetir o estrondoso sucesso de  Carminha, de "Avenida Brasil" (2012)?

Foi só ir ao ar alguns poucos episódios da novela de João Emanuel Carneiro para dar o que falar: mais do que uma reprise de uma das mais emblemáticas vilãs da televisão brasileira, Adriana Esteves foi além e emplacou mais uma personagem tão desprezível quanto adorável.

Prata da casa da Globo, a atriz chega a 2018 completando 30 anos de carreira desde sua primeira aparição em uma novela (uma ponta em "Vale Tudo"). De lá para cá, ela até encarnou algumas vezes a mocinha clássica, mas nada que tenha sido tão marcante quanto seus papéis cômicos ou seus personagens maldosos e perversos.

Mas ela é também muito mais do que uma vilã. A carioca de 48 anos está no cinema como Sônia, uma doce e sofrida vítima de violência doméstica no filme "Benzinho". E em breve será vista no filme "Marighella", dirigido por Wagner Moura, e na série "Assédio", que chegará ao serviço de streaming da Globo, ambos sem previsão de estreia.

"O mais importante é descobrir a verdade de cada personagem. Todas as minhas personagens, boas, más ou cômicas, são parte de mim", ela diz em entrevista ao UOL.

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Projeto bailarina

Antes da consagrada atriz de TV, cinema e teatro, houve a Adriana bailarina e a Adriana modelo fotográfico.

"Meu primeiro projeto para a vida inteira era ser bailarina clássica. Sonhava com isso desde os 10 anos de idade. Mas tudo mudou quando entrei naquela fase jovem adulta, em que você bate em todas as portas para sobreviver. Entrei na faculdade de comunicação ainda muito nova, aos 17 anos de idade. Por essa época, comecei a trabalhar como modelo fotográfico, fiz vários comerciais de televisão”.

Não demorou muito, Adriana foi convidada para apresentar um novo quadro dentro do "Domingão do Faustão", em 1987.

Eu tinha 18 anos. O tal quadro no Faustão acabou não dando certo, mas consegui uma chance para fazer meu primeiro teste para uma novela.

Adriana Esteves em teste no "Domingão do Faustão"

Reprodução Reprodução

E depois desses primeiros testes, vieram outros. "Nesse meio tempo, conheci pessoas lá dentro [da Globo], que me diziam que não era seguro contar só com aquilo, que eu deveria me dedicar ao teatro também. Ai entrei para o Tablado", recorda ela, sobre a escola de teatro fundada pela dramaturga Maria Clara Machado em 1951, no Rio.

Com seis meses dentro do curso, Adriana foi chamada para fazer a Tininha da novela "Top Model" (1989).

"Deu vontade de largar a faculdade, mas minha mãe dizia: 'Não faça isso, você é muito jovem, e vai conseguir fazer tudo ao mesmo tempo'. Hoje me vejo fazendo o mesmo com meus filhos, quando eles dizem que vão largar algum projeto. Digo: 'Vamos embora, se alimenta bem, dorme bastante, que vou ajudar vocês a não terem aborrecimentos. Tentem tudo, abram todas as portas possíveis'".

Adriana é mãe de Felipe, de 18 anos, fruto de seu casamento com o ator Marco Ricca, e de Vicente, 11 anos, resultado na união com o atual marido, o ator Vladimir Brichta, e de Agnes, 20 anos, do casamento de Brichta com a cantora Gena, que morreu em 1999.

Uma trajetória na TV

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Marina, "Pedra Sobre Pedra"

Primeira protagonista de Adriana Esteves no horário nobre, a atriz fez Marina em "Pedra Sobre Pedra" (1992). Na trama, ela viveu um romance proibido com Leonardo Pontes (Maurício Mattar). Os dois eram filhos de políticos rivais e lutaram pelo amor que sentiam. Uma passagem importante para a atriz, que lhe abriu novos espaços dentro da dramaturgia.

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Mariana, "Renascer"

Um de seus primeiros grandes papeis: a vingativa Mariana de "Renascer" (1993), de Benedito Ruy Barbosa. Ela era crucial para a trama: tinha uma conexão misteriosa com o poderoso José Inocêncio (Antonio Fagundes). Mas sua atuação foi criticada, a atriz entrou em depressão e se afastou durante um tempo da televisão.

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Lúcia Helena, "A Indomada"

Adriana voltou ao horário nobre quatro anos depois, e em grande estilo. Foram dois papéis: a destemida Lúcia Helena, protagonista de "A Indomada" (1997), e de sua mãe, Eulália, a quem deu vida na primeira fase da trama. A novela foi um sucesso e sua personagem promoveu grandes embates com a cruel Altiva (Eva Wilma), a grande vilã.

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Sandrinha, "Torre de Babel"

Primeira vilã de Adriana, a Sandrinha de "Torre de Babel" (1998) deixou sua marca com seu jeito tresloucado. Interesseira e calculista, a personagem revelou um lado cômico da atriz --a forma como a personagem falava "vagabunda" se tornou quase um bordão. Ela acabou sendo revelada como a grande responsável pela explosão no shopping, principal mistério da novela.

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Catarina, "O Cravo e a Rosa"

Aproveitando ao máximo sua veia cômica, a atriz deu vida à explosiva Catarina em "O Cravo e a Rosa" (2000), sucesso de Walcyr Carrasco no horário das 18h. A personagem era escandalosa, intempestiva e irresistivelmente hilária, o que cativou todo mundo que assistia. O casal formado entre a atriz e Eduardo Moscovis foi um dos mais comentados na época.

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Carminha, "Avenida Brasil"

De longe a personagem mais marcante da atriz, a Carminha, de "Avenida Brasil" (2012) se tornou um fenômeno. Dona de diversos memes na internet, a megera entrou para a história como uma das mais marcantes vilãs da dramaturgia. Adriana deitou e rolou em uma interpretação debochada, que atravessava com facilidade a linha entre o cômico e o diabólico.

Reprodução/Instagram/walcyrcarrasco Reprodução/Instagram/walcyrcarrasco

Fátima, "Justiça"

Foi na minissérie "Justiça" (2017) que ela voltou com tudo. Na pele da sofrida Fátima, uma mulher acusada de tráfico de drogas e presa injustamente por sete anos, a atriz levou os espectadores às lágrimas com os dramas sofridos por sua personagem, que tentava reconstruir sua família e era única protagonista da série que não buscava a vingança.

Globo/João Miguel Júnior Globo/João Miguel Júnior

Laureta, "Segundo Sol"

Muito se falava se Adriana conseguiria deixar para trás o rótulo de "nova Carminha" com sua vilã em "Segundo Sol" (2018). E a atriz surgiu com interpretação bem diferente, mais contida e com nuances sutis. Ao mesmo tempo, mostrou que sua nova malvada era muito pior que Carminha, sendo capaz de matar e de outros lados cruéis, em um estilo cínico.

E os convites para filmes?

Adriana também tem brilhado em suas escolhas fora da televisão. E "Benzinho" é a mais recente contribuição da atriz para o cinema, que está redescobrindo o gosto por filmes. 

Ela estreou na tela grande com "As Meninas" (1995), de Emiliano Ribeiro, mas manteve um contato esporádico com a atividade, aos poucos retomado após a repercussão de "Avenida Brasil". De lá para cá, participou de "Real Beleza" (2015), de Jorge Furtado, "Mundo Cão" (2016), de Marcos Jorge, e "Canastra Suja" (2017), de Caio Sóh.

"Acho que pode ter alguma relação com o sucesso de 'Avenida Brasil'. Mas também havia uma disponibilidade maior minha para o cinema, uma vontade de fazer mais filmes, de voltar a conversar com amigos de todas as áreas, atores, roteiristas diretores", admite a atriz, que reconhece que talvez não esteja fazendo mais filmes por inibição dos próprios realizadores.

"Às vezes, rola aquela ilusão de que uma atriz muito conhecida de televisão não vai querer fazer filme se não pegar a protagonista. Alguns diretores se aproximam e falam assim: 'Ah, eu teria um papel para você no meu filme, mas é pequeno'. O tamanho da participação não importa. Quero estar em filmes que acredito, com pessoas que acredito, com personagens que quero fazer, e com pessoas que acreditem em mim", avisa.

Às vezes, rola aquela ilusão de que uma atriz muito conhecida de televisão não vai querer fazer filme se não pegar a protagonista. Quero estar em filmes que acredito

Adriana Esteves

Divulgação Divulgação

Em "Benzinho", longa-metragem dirigido por Gustavo Pizzi, Adriana interpreta Sônia, mulher madura que recorre ao colo da irmã mais nova após ser agredida pelo ex-marido, que não aceita a separação.

"É uma história muito bonita de duas irmãs muito unidas, que se cuidam muito, e que acham que os filhos e os sobrinhos são delas. Tenho uma relação afetiva com essa situação, pois venho de uma família pequena, mas muito linda", observa a atriz, que perdeu uma irmã em 2002.

No filme há também a questão do abuso dentro de casa que, embora de menor peso na trama protagonizada por Karine Telles, ganha dimensão de denúncia dentro do contexto do movimento "Mexeu com uma, mexeu com todas".

"Na época em que o slogan surgiu, inspirado no #MeToo, eu defendi a causa. Agora, várias empresas, não só do audiovisual, incluem cláusulas nos contratos de trabalho proibindo o assédio no local de trabalho. Uma conquista recente, mas tardia". 

Assista ao trailer do filme "Benzinho"

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Um filme político

Em breve Adriana Esteves poderá ser vista em "Marighella", longa-metragem que marca a estreia do ator Wagner Moura na direção. No filme, ela encarna Clara Charf, feminista de primeira hora que viveu a resistência política nos primeiros anos da ditadura militar, nos anos 1960, ao lado do marido, o líder comunista Carlos Marighella. Ainda não há uma data confirmada para o lançamento de "Marighella" no país.

"Foi lindo ser dirigida pelo Wagner porque, além de ser o grande ator que é, e de ser um grande amigo, ele estava muito apaixonado pela ideia de ser diretor, ele estava encantado no set", conta Adriana.

Wagner queria não só o resultado do trabalho dele, mas também que os atores estivessem felizes. Porque, como ator, ele sabe o quanto é importante estarmos bem no ambiente de trabalho, fica mais fácil conseguir tirar o melhor desempenho

Dirigir ainda não é uma ambição de Adriana. "Mas adoraria ser assistente de direção, ou mesmo codiretora. Não quero comandar o circo, não. Mas costumo ter palpites muito interessantes durante o trabalho, que gosto de dividir com a equipe", admite a atriz. "Há momentos no set que me sinto inspirada, não só como atriz, mas em relação a outros aspectos das filmagens, por trás das câmeras. Até já faço isso informalmente, conversando com meus diretores, e meus colegas atores". 

Ana Ottoni/Folhapress Ana Ottoni/Folhapress

De volta ao tablado

A atriz tem vontade de voltar ao teatro, onde estreou com o infantil "A Dama e o Vagabundo", ao lado de Selton Mello, em 1992. A última montagem da qual participou foi "Auto de Angicos", na qual o dramaturgo Amir Haddad imagina como seria a última noite de Maria Bonita e Lampião.

Entre uma e outra aconteceram "A Falecida" (1994), "Ponto de Vista" (2001) e "Only You" (2002), dirigida por Bibi Ferreira, a partir de um texto de Consuelo de Castro. "Naquela época, a Bibi me falou: 'Meu amor, teatro é tempo de voo. Você vai me jurar que nunca mais vai me ficar um ano sequer sem pisar no palco'", recorda Adriana. 

"Acho que traí a Bibi, eu a decepcionei muito. Teatro é algo que gostaria que voltasse a acontecer, e está acontecendo, as pessoas estão pedindo: 'Adriana, volta para o teatro, faz uma peça atrás da outra também'. Tudo depende da minha agenda, da minha disponibilidade, porque não gosto da ideia de me comprometer com projetos simultâneos".

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