Ambiente conturbado

Propostas de Bolsonaro para o Meio Ambiente enfrentam resistência dos setores público e privado

Alex Tajra Do UOL, em São Paulo
Arte/UOL

A partir de 1º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro (PSL) governará um país que é, ao mesmo tempo, detentor de uma das maiores reservas florestais do mundo (atrás apenas das de Rússia e Canadá) e uma potência agropecuária.

Para lidar com essas questões, ao iniciar a campanha, o presidente eleito apresentou um plano de governo que propõe fundir as pastas do Meio Ambiente e da Agricultura e afirmou reiteradas vezes que pretende retirar o Brasil do Acordo de Paris. A fusão também foi defendida por Bolsonaro em um vídeo publicado em março deste ano.

Entre os objetivos das medidas, estão reduzir o número de ministérios e facilitar a produção agropecuária do país. Mas alguns setores, inclusive exportadores, fazem ressalvas às propostas, afirmando que elas incentivariam o avanço do desmatamento, além de dificultar a aceitação de produtos brasileiros em mercados preocupados com o meio ambiente.

Os apoiadores da fusão, o que inclui a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e a União Democrática Ruralista (UDR), minimizam esses riscos."Nós entendemos que isso é bom, já é praticado na Europa em muitos países como a Inglaterra, a Espanha, na Alemanha", disse ao UOL Tereza Cristina (DEM), líder da FPA.

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Potência verde

Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o Brasil é o terceiro maior exportador agrícola do mundo. E parte do setor se queixa dos controles estabelecidos pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).

"O problema do ministério do Meio Ambiente em relação ao desenvolvimento no campo é a ideologia, são as pessoas que buscam cada vez mais colocar dificuldades, regras novas", disse ao UOL o deputado Nilson Leitão (PSDB), membro da Frente Parlamentar Agropecuária.

Para ele, a fusão dos ministérios não é necessariamente a saída para a questão. "Nossa grande luta na FPA é ter segurança jurídica e direito à propriedade, sem um ministro do Meio Ambiente que queira criar parques e reservas de estimação", afirmou.

Queixas similares são colhidas entre o setor hoteleiro. "O empresário quer investir e iniciar novos empreendimentos. Mas esbarra na morosidade do licenciamento ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, ligado ao MMA)", diz Alexandre Sampaio, presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação.

Diante da pressão de setores com grande poder econômico, no Brasil e no mundo, há o temor de que o novo governo faça concessões demais e retroceda na proteção ambiental.

"Até recentemente, o Brasil foi elogiado como líder ambiental", disse um texto publicado no jornal norte-americano The New York Times antes do segundo turno. "Uma vitória de Bolsonaro ampliaria a influência da bancada 'Boi, Bíblia e Bala'", completou o artigo antes da eleição do capitão da reserva.

Quem fica com a cadeira?

Confirmada a fusão de Meio Ambiente, ministério criado em 1985, com o da Agricultura, criado em 1860, surge a dúvida sobre o dono da cadeira. Na terça-feira (30), Bolsonaro decidiu seguir em frente com a ideia e ainda afirmou que o nome para o ministério está "por um detalhe".

Até o momento está garantida esta fusão. O ministro será indicado pelo setor produtivo, logicamente que a bancada do agronegócio terá seu peso nessa indicação. O que não podemos continuar é com dois ministérios antagônicos

Jair Bolsonaro, presidente eleito do Brasil

Na esteira das declarações, começa a corrida pelo assento.

"A Frente tem condições de sugerir alguns nomes para que ele [Bolsonaro] faça sua escolha. Mas o que a Frente quer é ajudar o próximo presidente da República a diminuir os impasses, a burocracia e deixar que o setor caminhe de maneira mais leve", disse a líder da FPA, Tereza Cristina.

Uma indicação para o ministério pode vir também da União Democrática Ruralista, presidida pelo agropecuarista Luiz Antônio Nabhan Garcia, conselheiro e amigo de Jair Bolsonaro.

Nabhan foi um dos alvos de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigava a atuação de ruralistas em 2003. No relatório produzido pelo então deputado federal João Alfredo (PSOL), a comissão pediu o indiciamento de Nabhan e outros quatro ruralistas suspeitos de apropriação ilegal de terra pública, falso testemunho e ameaça.

Alfredo ainda pediu a investigação da participação da UDR com milícias privadas no Pontal do Paranapanema, oeste do estado de São Paulo. O relatório não foi aprovado e as investigações não seguiram.

Bruno Kelly/Reuters

Missões conflitantes

"Catastrófica, é o mínimo que eu posso dizer", diz a subprocuradora da República Sandra Cureau ao UOL sobre a fusão dos ministérios. "Os setores são conflitantes. Enquanto a agricultura representa o setor produtivo, a pasta do Meio Ambiente defende a biodiversidade brasileira, a questão do clima, e isso não interessa à agricultura".

Cureau ocupa o cargo desde 1997 e já coordenou da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal para o Meio Ambiente. Para ela, unir os ministérios aumentará o desmatamento e enfraquecerá a fiscalização.

"A ideia do ministério do Meio Ambiente é fiscalizar, evitar obras que produzam impactos ambientais exacerbados. Já a agricultura não tem nenhuma preocupação com o desmatamento, pelo contrário", argumenta. "Na prática, o ministério do Meio Ambiente vai acabar", diz Cureau.

A possibilidade de fusão suscita preocupações por parte do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), vinculado ao ministério do Meio Ambiente. "É um retrocesso de três décadas na política ambiental do país", disse o instituto em nota.

"As pautas conduzidas pelo Ministério do Meio Ambiente e suas secretarias vinculadas vão além da questão agrícola. Podemos citar como exemplos a homologação de veículos automotores, em razão da emissão de gases poluentes", diz o Ibama em nota.

Décio Semensatto, professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), concorda com Cureau.

"O conflito é claro. Se você coloca o setor produtivo no controle, acabou a questão ambiental no Brasil. Vamos perder o equilíbrio do debate entre essas duas frentes", explicou o professor.

Em outubro, Nabhan falou à Folha e, ao responder se caberia mais desmatamento na Amazônia, afirmou: "Mas é óbvio; o sujeito tem uma propriedade, comprou e pagou".

Bruno Kelly/Reuters

Saída do Acordo de Paris

"O Acordo de Paris não pode intervir na soberania de um país. O que o Acordo de Paris e seus integrantes estão dando em troca para o Brasil adotar o desmatamento zero?", disse Nabhan, cotado para o governo Bolsonaro sobre o tratado.

Bolsonaro também já se posicionou sobre o assunto. "Eu saio do Acordo de Paris se isso continuar sendo objeto. Se nossa parte for para entregar 136 milhões de hectares da Amazônia, estou fora sim", completou o capitão.

O acordo de Paris, no entanto, não versa sobre a soberania do país. O documento tem como objetivo limitar em 1,5 graus Celsius o aumento da temperatura do planeta. E para isso, impulsiona medidas como o controle ao desmatamento.

Na última segunda-feira (29), um dia após a vitória de Bolsonaro, o presidente francês, Emmanuel Macron, emitiu uma nota em que, sutilmente, condiciona "a cooperação com o Brasil" à manutenção do "Acordo de Paris sobre o clima".

Consequências econômicas

Deixar o Acordo de Paris pode trazer consequências além das ambientais. O texto obteve tamanho êxito não só pelo empenho das principais nações do mundo, mas por conta da participação do setor privado, que viu a necessidade de adotar determinadas medidas de sustentabilidade para manter seus negócios vivos.

"Independentemente do governo que entrar a partir do ano que vem, nós já decidimos que vamos permanecer no Acordo", disse o vice-presidente de Sustentabilidade da Ambev em um debate sobre o tema antes do segundo turno.

Para Marina Grossi, presidente do Centro Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), as empresas brasileiras devem seguir o exemplo norte-americano: as corporações mantiveram os compromissos ambientais mesmo com a saída dos Estados Unidos, por iniciativa de Donald Trump, do acordo.

"Manter nosso compromisso é o que mais faz sentido, não só para as empresas, mas para nosso consumidor também. É melhor para as exportações, o acordo só foi firmado por conta da atuação das empresas, ou seja, elas têm um grande interesse nisso. Podemos vender créditos de carbono para os países que não conseguirem atingir a meta, o Brasil só tem a ganhar com o Acordo de Paris", explicou Grossi.

A atitude de Trump gerou grande repercussão, e os impactos econômicos ainda estão sendo avaliados. À época, empresas como General Motors, Apple, Facebook, ExxonMobil, Chevron, Tesla, Google e Unilever se posicionaram contra a decisão de Trump.

"A decisão de hoje é um retrocesso para o meio ambiente e para a posição de liderança dos EUA no mundo", escreveu à época Lloyd Blankfein, CEO do banco de investimentos Goldman Sachs.

Nomeado pela ONU como diretor do Pacto Global para sustentabilidade, o químico Carlo Pereira classificou a ideia de Bolsonaro como "muito negativa para o Brasil". "Além da questão ambiental, o Acordo está garantindo questões importantes para a competitividade das empresas.Tirar o país do acordo vai na contramão de tudo que está sendo feito no mundo", disse

Um estudo do Instituto Escolhas aponta que o desmatamento zero, uma das principais exigências do Acordo de Paris, teria impacto pouco significativo à economia do país: uma redução de apenas 0,62% do PIB acumulado entre 2016 e 2030.

Atritos com Ibama e ICMBio

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foram classificadas por Bolsonaro e Nabhan como "indústrias de multas" e praticantes de um "ativismo xiita".

Reportagem da Folha de S. Paulo revelou que o capitão foi multado pelo Ibama em R$ 10 mil por pesca irregular na região de Angra dos Reis. Em janeiro 2012, Bolsonaro foi surpreendido por uma equipe do Ibama enquanto pescava em uma estação ecológica protegida por lei.

Após o episódio, Bolsonaro retaliou o órgão. Então filiado ao Partido Progressista, Bolsonaro apresentou uma lei para desarmar os fiscais do Ibama e do ICMBio em ações de campo — proposta contraditória com suas ideias de flexibilizar acesso às armas de fogo no país.

Ao mesmo tempo, os fiscais dos órgãos se queixam de falta de segurança para o desempenho do trabalho.

Uma semana antes do segundo turno, três viaturas do Ibama foram incendiadas em Buritis (RO). Um dia antes, em Trairão (PA), uma ponte de acesso à Floresta Nacional foi queimada, e a Polícia Militar foi acionada para proteger agentes do ICMBio. Nos dois casos, os funcionários dos institutos estavam averiguando denúncias de desmatamento ilegal.

"Ataques criminosos jamais implicarão em atenuar o rigor das operações de fiscalização ambiental. O Ibama realiza essas atividades como parte importante de sua missão institucional de proteção ambiental e continuará cumprindo suas tarefas estabelecidas por lei", afirmou a presidente do Ibama, Suely Mara Vaz, em texto publicado no site do Instituto.

Em nota enviada ao UOL, o Ibama defendeu as multas e explicou que, dos 2.800 processos de licenciamento ambiental em curso atualmente, apenas 29 dizem respeito a atividades agrícolas.

"O Ibama realiza em média 1.400 operações de fiscalização ambiental por ano previstas no Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental (PNAPA). Esse trabalho gera multas que totalizam cerca de R$ 3 bilhões por ano", afirma o instituto. Os valores arrecadados são direcionados para o Tesouro Nacional (80%) e para o Fundo Nacional do Meio Ambiente (20%).

Outras pastas

Além de Nabhan para Meio Ambiente e Agricultura, outros nomes começaram a ser aventados para o novo governo. Marcos Pontes é apontado como o próximo ministro de Ciência e Tecnologia - pasta que pode ainda abrigar outras atribuições, uma vez que a ideia de Bolsonaro é reduzir de 29 para 15 ministérios.

O coordenador da campanha, deputado Onyx Lorenzoni (DEM) deverá chefiar a Casa Civil — pasta que tem maior aproximação com o chefe do poder Executivo, e o mentor do plano econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes, deve ocupar o ministério da Economia - pasta que aglutinaria Fazenda e Planejamento.

Para Saúde, o nome mais cotado é o de Henrique Prata, presidente do Hospital do Câncer de Barretos e amigo de Bolsonaro. É o mesmo caso do professor Stavros Xanthopoylos, muito próximo ao presidente eleito e favorito para ocupar o ministério da Educação, segundo informações da Folha de S. Paulo.

As pastas de Transportes e Defesa provavelmente serão ocupadas por militares. Para o primeiro, Bolsonaro tem preferência por Osvaldo Ferreira, general quatro estrelas da reserva. Já na Defesa, o capitão da reserva já deu a entender que o general Augusto Heleno é o principal nome.

Heleno, inclusive, foi um articulador importante na campanha de Bolsonaro. Impedido por sua legenda, o PRP, de ocupar o posto de vice na chapa, ele liderou um grupo de militares que elaborou uma série de documentos para orientar o presidente eleito, conforme apurado pela revista Época.

Segundo a reportagem, outros militares cotados para ocupar ministérios são o general de divisão Aléssio Ribeiro Souto, o general Oswaldo de Jesus Ferreira e o engenheiro militar Elifas Chaves Gurgel.

Outros nomes revelados pelo texto foram o do recém eleito deputado federal Luiz Phillippe de Orléans e Bragança, membro da extinta família real, e de Alvaro Garnero, apresentador de um programa na TV Record e filho do empresário e investidor Mario Garnero, para ocupar as pastas de Relações Exteriores e do Turismo, respectivamente.

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