SP nas mãos de Doria

Ex-prefeito de São Paulo supera Márcio França (PSB) e mantém hegemonia tucana

Guilherme Mazieiro, Janaina Garcia e Luís Adorno Do UOL, em São Paulo
Aloisio Mauricio/Estadão Conteúdo
Arte/UOL Arte/UOL

João Doria (PSDB) derrotou Márcio França (PSB) neste domingo (28) e foi eleito governador de São Paulo, confirmando a sétima vitória consecutiva dos tucanos em disputas para o cargo, sendo a primeira em segundo turno desde 2002. Ele obtém a vitória com 51,75% dos votos válidos (10.990.350 votos), seis meses após deixar o cargo de prefeito de São Paulo, depois de cumprir um ano e três meses do mandato. Na campanha, Doria teve de se reinventar. Se em 2016 ele adotara o discurso de antipolítico e eficiente gestor da área privada, agora começou se identificando como político, mostrou realizações na prefeitura e obteve a vaga no segundo turno com a maior votação.

Momentos após ser confirmado o confronto com França, Doria buscou atrair o eleitor de Bolsonaro ao criar o slogan "BolsoDoria", mesmo sem ter o apoio oficial do capitão reformado do Exército. Para o segundo turno, voltou a destacar a sua performance como gestor no setor privado diante de um "carreirista político", como o tucano denominou o oponente, e enfatizou o fato de França ter sido aliado à esquerda no passado.

Em contraponto, Doria e França lutaram para ter o apoio de Geraldo Alckmin. No entanto, Alckmin se absteve. Oficialmente, esteve ao lado de Doria, mas o presidente nacional tucano criticou internamente o ex-prefeito e não participou de atos no segundo turno. Com discurso atrelado a maior rigidez na segurança pública, na esteira do que prometeu Jair Bolsonaro, e com posição "anti-PT" e "anti-esquerda", Doria superou o pessebista por 741.610 votos de diferença (51,75% contra 48,25% dos votos válidos).

João Agripino da Costa Doria Júnior tem 60 anos, é paulistano, casado com a artista plástica Bia Doria e tem três filhos. Foi secretário de Turismo da Prefeitura de São Paulo (1983-1986), presidente da Embratur (Empresa Brasileira de Turismo) de 1986 a 1988 e filiou-se ao PSDB em 2001, mas só disputou a primeira eleição em 2016, quando foi eleito prefeito de São Paulo. Deixou o cargo neste ano para a campanha vitoriosa ao governo. Seu vice é Rodrigo Garcia (DEM) em uma coligação com outros quatro partidos (PSD, PRB, PP e PTC).

Na campanha, Doria teve de investir R$ 2 milhões do próprio bolso (sendo 70% do valor no segundo turno) e recebeu doações de nomes como Neyde Ugolini de Moraes (mãe dos banqueiros Ermírio de Moraes), Jayme Brasil Garfinkel (presidente da Porto Seguro), Abilio Diniz (da BRF), Roberto Ometto Silveira Mello (fundador da Cosan) e Hugo Eneas Salomone (fundador do grupo Savoy), todos com valores superiores a R$ 250 mil, segundo dados do TSE.

Suas principais promessas são a austeridade policial, o projeto de uma economia liberal com um sistema de desestatização, e a expansão de programas como o Corujão da Saúde. Para 2019, ele terá um orçamento 5% maior do que em 2018 (R$ 229,9 bilhões), mas a peça orçamentária enviada à Assembleia Legislativa fala em “absoluta austeridade” e prevê possível dificuldade de arrecadação por conta da crise econômica do país. O documento estima dívida para 2018 em R$ 11,5 bilhões e aponta 52% do orçamento comprometido com gastos com pessoal e encargos sociais. Neste cenário de contenção, Doria promete governar com PPPs (Parceria Público-Privada) para diminuir o peso sobre o estado e cumprir suas promessas.

Doria diz que fica no PSDB e agradece Alckmin

O que Doria falou após a vitória

Não recebi ligação nem de FHC nem de Geraldo Alckmin. Não vou disfarçar. A partir de 1º de janeiro, no meu PSDB, acabou o muro. Não tem mais muro, tem lado.

João Doria, afirmando que a relação de forças no PSDB mudará após esta eleição

Estou no PSDB desde 2001 como filiado e não sou filiado de ocasião, nem de eleição. Quis me filiar, são 18 anos e vou continuar no PSDB

João Doria, enfatizando que ficará no partido

O trabalho venceu mesmo

João Doria, sorrindo, repete a resposta de um militante durante o pronunciamento

Doria vence em 392 cidades e perde em 253

Arte/UOL
Hélvio Romero/Agência Estado Hélvio Romero/Agência Estado

Os obstáculos na campanha

  • Deixou a prefeitura

    Prometeu que ficaria os quatro anos como prefeito de São Paulo, mas saiu após um ano e três meses. A saída virou munição para os adversários em toda a campanha.

    Imagem: Nelson Antoine/Estadão Conteúdo
  • Rejeição na capital

    Ao deixar a prefeitura, Doria trouxe para si uma rejeição entre os eleitores. Chamou Rodrigo Garcia (DEM), bem avaliado no interior, e ganhou força fora da capital.

    Imagem: Renato S. Cerqueira/ Futura Press/ Estadão Conteúdo
  • Vídeo problemático

    Na última terça (23), um vídeo de uma orgia entre um homem, que supostamente seria Doria, e ao menos seis mulheres circulou na web. Doria negou estar no vídeo, gravou um desabafo ao lado da esposa e acionou a Justiça.

    Imagem: Redprodução/Facebook
  • "Traidor" de Alckmin?

    Após dizer que votou em Geraldo Alckmin por "solidariedade", enquanto já flertava com Jair Bolsonaro, Doria ouviu do ex-governador uma insinuação que seria traidor em reunião da Executiva Nacional do PSDB.

    Imagem: Nelson Antoine/UOL

Padrão Rota e "bandido na cadeia"

Na esteira do cenário nacional, e na cola de Jair Bolsonaro (PSL), João Doria (PSDB) apostou na rigidez na segurança pública como o principal meio de atrair eleitores em São Paulo. Semelhante ao que dizia Paulo Maluf (PP), o tucano adotou o slogan "polícia na rua, e bandido na cadeia".

A principal proposta para a área é a expansão de 17 BAEP's (Batalhões de Ações Especiais), além da presença do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), no interior. A proposta gerou embate e dissidência de integrantes do grupo de trabalho que estudou junto com Doria a segurança no estado.

Ainda segundo o eleito neste domingo, a perspectiva é de manter a política de redução de homicídios e sequestros, deixada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), e valorizar os policiais civis e militares. Doria promete que será "prioridade combater" o crime organizado, que inclui a maior facção do país, o PCC (Primeiro Comando da Capital), nascida e expandida a partir do estado.

Para combater o PCC, Doria afirma que vai aumentar o número de vagas no sistema penitenciário e os detentos vão trabalhar e estudar dentro dos presídios --o que hoje já existe. Ele promete ainda impedir a entrada de celular em presídios e combater negócios usados para lavagem de dinheiro como "postos de gasolina". Além disso, diz que vai batalhar, em Brasília, junto aos deputados federais, para tornar as leis mais rígidas.

Doria promete "melhores advogados" a PMs que matarem suspeitos

A turma de Doria

O que esperar do governo Doria

João Doria reforça o eixo que tornou vitoriosa a sua candidatura em duas eleições consecutivas (prefeitura de São Paulo, em 2016, e governo de São Paulo, neste ano), com discurso focado em uma gestão com menos poder estatal. O tucano tem como promessas de campanha a privatização de serviços do estado (defende, por exemplo, a oferta de ações da Sabesp na Bolsa de Nova York) e o incentivo às PPPs (Parceria Público-Privada).

No município, Doria não conseguiu concluir a privatização de qualquer instrumento proposto em seu plano, atribuindo a responsabilidade à negociação com a Câmara dos Vereadores. No estado, o novo governador acredita que não enfrentará as mesmas dificuldades, apesar de a maioria dos deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) integrar partidos que prometem ser oposição a Doria.

Para aprovar os seus projetos, ele terá de se aproximar com o PSL, partido de Bolsonaro, dono da maior bancada, com 15 deputados, e negociar ainda com as 13 siglas que integravam a coligação de Márcio França. O PSDB perdeu força na Casa e tem oito cadeiras, atrás ainda do PT (10).

O plano de governo do tucano é baseado nos eixos: descentralização, participação, eficiência, transparência e inovação. Ele espera incentivar o empreendedorismo para criar empregos e promete expandir o programa Corujão da Saúde – que realiza exames clínicos de graça em hospitais privados, na madrugada.

Na avaliação do cientista político Eduardo Grin, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o novo governador precisará ter flexibilidade para lidar com as prioridades da sociedade que, em sua avaliação, mostrou que quer mudanças. "Doria não pode entrar chutando o balde, ele tem uma visão mais liberal do estado, próxima aos empresários. Vai ter que dialogar com o funcionalismo, os deputados, os demais entes federativos”, analisou.

Promessas de Doria

Educação

  • - Construção de 1.200 creches

Habitação

  • - Entregar 40 mil unidades habitacionais

Saneamento Básico

  • - Despoluir os rios Tietê e Pinheiros em 8 anos
  • - Adequada destinação e manejo dos resíduos sólidos

Saúde

  • - Construção de seis centros de reabilitação e 88 hospitais essenciais
  • - Expansão do Corujão da Saúde para o estado

Segurança

  • - Criar 17 batalhões da Rota
  • - Abrir 800 bases comunitárias da PM
  • - Inaugurar 40 delegacias da mulher
  • - Semiblindagem de 8.000 viaturas policiais

Transporte

  • - Construir um acesso à Rodovia Castelo Branco pela cidade de Osasco
  • - Concluir trecho norte do Rodoanel
  • - Prolongar a rodovia Carvalho Pinto até Aparecida
  • - Levar o metrô na capital a Parelheiros e Jardim Ângela
  • - Concluir as linhas 4, 5, 6, 15 e 17 do metrô na capital
Marivaldo Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo Marivaldo Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo

"BolsoDoria" será realidade?

Opositor declarado do PT, João Doria mostrou logo no início do segundo turno que seria de Jair Bolsonaro (PSL) o seu voto na disputa presidencial contra o petista Fernando Haddad. Em busca dos eleitores do novo presidente, o tucano impulsionou o slogan "BolsoDoria" nas redes sociais e em atos eleitorais. Doria ainda viajou para o Rio de Janeiro atrás do apoio do capitão reformado, mas não teve sucesso e passou a usar uma entrevista concedida por Bolsonaro a jornalistas em que ele desejava "sorte" ao tucano.

Na caminhada do segundo turno, o empresário de 60 anos elogiou Paulo Guedes, o guru econômico de Bolsonaro, dizendo estar alinhado com as propostas feitas pelo presidente eleito. No entanto, também lembrou ter críticas a algumas das posturas do sucessor de Michel Temer, como o trato com as mulheres e a relação de elogios à ditadura militar --o pai de Doria chegou a ser exilado político.

Agora eleito, Doria defende que o PSDB precisa ter autocrítica e dar uma guinada à direita, "observando o que pedem as ruas" e, ao mesmo tempo, o que propõe o presidente eleito. A guinada, no entanto, tem um forte bloqueio da velha guarda tucana, que projeta o partido na oposição nos próximos quatro anos e a manutenção como centro-direita.

Além do contato direto com o futuro presidente, Doria manifestou interesse de se aproximar da ala conservadora da Câmara. Uma de suas promessas de campanha é de que iria para Brasília utilizar sua "força de governador" para pautas como a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, e o fim do benefício das saídas temporárias, que atualmente são previstos a presos em regime semi-aberto. O relacionamento com os deputados federais se faz necessário para isso, uma vez que o governador não pode reter esse direito, nem reduzir a maioridade apenas no estado.

Para a cientista política Rachel Meneguello, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), um entendimento entre Doria e Bolsonaro é possível. "A relação Doria e Bolsonaro permite supor que haverá algum sinal positivo entre governo federal e estadual. Mas ainda estamos no campo especulativo", explica. 

Luiz Cláudio Barbosa/Estadão Conteúdo Luiz Cláudio Barbosa/Estadão Conteúdo

Alesp: Oposição a Doria deve ser maioria

Reprodução/Twitter Reprodução/Twitter

Meta é rejuvenescer PSDB

A sétima vitória consecutiva nas urnas mantém o PSDB no comando do governo de São Paulo, mas, segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a gestão Doria deve mudar as forças do partido no estado. Após os 4% de votos válidos obtidos por Geraldo Alckmin na eleição para presidente, Doria indicou que a sigla deveria buscar uma "sintonia melhor com o eleitor, principalmente com os cidadãos mais humildes" e fazer "uma reavaliação profunda de suas convicções".

O governador eleito defende uma aproximação com os jovens para renovar os quadros do partido. Na campanha, ele destacou lideranças jovens, como os deputados estaduais Cauê Macris (35 anos) e Marcos Vinholi (34 anos), para atuar na articulação política. Nomes tradicionais do partido no estado como Geraldo Alckmin, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aloysio Nunes pouco apareceram em toda a caminhada eleitoral ou sequer estiveram no palanque de Doria.

A cientista política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Rachel Meneguello, acredita que Doria deve despontar como uma liderança dentro do partido e aumentar sua influência no diretório estadual e na Executiva Nacional após o triunfo neste domingo. “Ele vem para romper e fazer um certo estrago na composição que em São Paulo dura 20 anos. Embora tenha sido uma cria dessa força, é uma cria que se rebelou”, disse Rachel, que completou. "Fato é que o perfil Doria rompe com todas as figuras do PSDB paulista”, analisou.

Eduardo Grin, cientista político da Fundação Getúlio Vargas, prevê agora uma disputa entre Doria e Alckmin, que foi o maior cabo eleitoral do empresário em 2016, pelo comando paulista. "Com a vitória, ele tem mais capital político para assumir o controle do PSDB no estado, assim como ele já tem no município. Vai tencionar a disputa com Alckmin no plano nacional para dominar a sigla”, afirmou.

Na avaliação de Grin, a postura de Doria altera o perfil do PSDB e pode indicar um novo rumo ao partido, caso tenha êxito na disputa interna. "A condução de Doria não é produzir consenso, é sempre em conflito e disputando espaço. Ele está sempre em disputa, agrega pouco na construção de união. É o perfil dele. E isso gera um problema sério, porque rompe com o histórico conciliador do PSDB”, avaliou.

Análise: Alckmin será questionado no comando do PSDB

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