Pela esquerda

Pré-candidata à Presidência, Manuela D'Ávila defende candidatura de Lula, mas avisa: campo não depende só dele

Ana Carla Bermúdez e Mirthyani Bezerra Do UOL, em São Paulo
Lucas Lima/UOL

Manuela D'Ávila tem 36 anos, é deputada estadual pelo PCdoB e já compôs a bancada do Rio Grande do Sul na Câmara dos Deputados por dois mandatos, entre 2007 e 2015. Em 2018, ela tem um projeto mais ambicioso: quer ser presidente da República.

O UOL recebeu a deputada gaúcha em seu estúdio nesta segunda-feira (26). Pré-candidata ao cargo mais alto do Executivo, ela falou sobre ser uma das representantes da esquerda na disputa eleitoral e reforçou a torcida para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também possa disputar o pleito. Mas sinalizou: "ele é importante, mas [a esquerda] não depende de ninguém".

Na entrevista, Manuela também falou sobre segurança pública, um dos temas que se desenham como fundamentais para a eleição de outubro, e lembrou de sua trajetória na política. Recordou como percebeu ser vítima de machismo e admitiu que terá entre seus desafios buscar o apoio das mulheres eleitoras. "A participação política requer que ela [a mulher] esteja no ambiente público, temos que criar mecanismos para tirá-la da vida privada", afirmou a gaúcha.

Lula é importante, mas esquerda não depende de ninguém

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

Dever da esquerda em vencer a eleição

Apesar de "torcer" para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja candidato em 2018 por acreditar que "não há nenhuma prova contra ele", a deputada estadual gaúcha Manuela D’Ávila (PCdoB) afirmou que mesmo que Lula seja alguém "importante" para a esquerda, o campo tem "muitos nomes" e não depende exclusivamente dele.

"Ele [Lula] é muito importante, mas [a esquerda] não depende de nenhum de nós, não é apenas dele. Não depende de nenhum de nós isoladamente", afirmou.

No dia 23 de janeiro, D’Ávila discursou no centro de Porto Alegre (RS) ao lado de Lula. No ato, realizado um dia antes do julgamento em segunda instância que condenou o ex-presidente no caso do tríplex e que tornou incerta a possibilidade de ele ser o candidato do PT nas eleições presidenciais, ela defendeu --assim como outras lideranças da esquerda-- a candidatura de Lula, mesmo sendo também pré-candidata à Presidência.

"A minha pré-candidatura foi construída com o cenário de que ele dispute as eleições", declarou Manuela.

Questionada sobre uma eventual ausência de Lula nas eleições e o que aconteceria com as demais candidaturas de esquerda, a deputada defendeu que os partidos do campo sigam um "programa comum". "Não é momento de olhar com a lupa o que nos separa, mas de favorecer o diálogo e de identificar pontos de unidade", afirmou.

No dia 20 de fevereiro, cinco fundações vinculadas ao PT, PDT, PSB, PSOL e PCdoB lançaram o manifesto "Unidade para Reconstruir o Brasil". O documento, de dez páginas, deve servir como base programática para os partidos. 

Nós precisamos preservar as pontes entre nós. Porque há um programa que nos une e há um dever que nós temos, de vencer as eleições com qualquer um desses nomes no segundo turno, todos juntos

Manuela D'Ávila, pré-candidata à Presidência pelo PCdoB

Luis Kawaguti/UOL Luis Kawaguti/UOL

"Criaria ministério da Segurança , mas não transitório"

Nesta segunda (26), enquanto Manuela concedia entrevista ao UOL, o governo do presidente Michel Temer (MDB) anunciava a criação do Ministério Extraordinário da Segurança, dez dias após o anúncio de uma intervenção federal no Rio de Janeiro. A segurança pública tem sido considerada um tema-chave para a disputa presidencial deste ano.

Apesar de defender a criação de um ministério capaz de coordenar uma melhor integração entre as forças de segurança dentro dos Estados, a pré-candidata, cujo Estado - Rio Grande do Sul - também enfrenta grave crise na segurança pública, disse acreditar que a ação de Temer não deve ter impacto fora do Rio.

"Eu ainda não ouvi desse governo medidas que enfrentem o tema a não ser a intervenção militar no Rio e a criação do ministério, que o Temer diz ser transitório. Eu não vejo como isso vai gerar impacto em outro Estado, porque qual seria o impacto? Nós teríamos outras intervenções?", questionou. E acrescentou: "eu criaria um ministério da Segurança Pública, não transitório, mas de verdade".

Manuela disse ainda que as "saídas de Temer são falhas", mas afirmou torcer para que a intervenção de caráter militar no Rio tenha um resultado positivo. "A gente está falando da única coisa que o capitalismo não consegue vender, que é a vida".

Ela defendeu também que a sociedade debata a necessidade de tributar as drogas, apesar de esse ser apenas um ponto dentro do conjunto de ações que, segundo ela, precisam ser feitas para melhorar a segurança pública no país, como a criação de um fundo nacional de segurança pública, o estabelecimento de um piso nacional para policiais civis e militares e a integração das polícias em um ciclo que agregue policiamento nas ruas e investigação.

"As nossas polícias não fazem um ciclo completo, uma fica na rua e a outra investiga --o que não existe em nenhum outro país do mundo. Só a Polícia Federal tem ciclo completo no Brasil", afirmou a deputada. "Como elas não têm o ciclo completo, as polícias pegam o chamado tráfico de varejo, o que resulta nessa mega população carcerária no Brasil. 70% dos 760 mil presos são oriundos do enfrentamento ao tráfico de varejo, porque é o que o policial pode fazer", complementou.

"Não quero vender a ilusão que só tributar as drogas resolveria o problema da segurança, porque eu não acredito nisso. Temos muitos problemas para resolver. E eu acho que o próximo presidente tem a obrigação de trazer essa responsabilidade para si. Ele não vai ser dono da pauta, mas a missão seria fazer um pacto com os governadores e com os prefeitos dos principais centros para a política ser a política de segurança pública", afirmou.

"Precisamos de debate sobre quão custosa é a guerra ao tráfico"

Pedro Ladeira/Folhapress Pedro Ladeira/Folhapress

Feminista de olho no voto feminino

Feminista, a deputada afirmou que vai aproveitar o momento de popularização do empoderamento feminino, que trouxe inclusive campanhas contra o assédio --como o Não é Não, do Carnaval-, para conquistar o voto das mulheres brasileiras.

"Eu li uma frase esses dias nas redes sociais que eu achei muito bonita: claro que eu sou feminista, eu sou mulher há muito tempo para ser contra mim. Acho que as mulheres mais do que nunca estão atentas a tudo que as envolvem", disse.

Em meados de 2016, quando uma foto sua amamentando a filha Laura, então com 11 meses, no plenário da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul viralizou, Manuela afirmou que o fato só ganhou notoriedade na mídia, inclusive em sites internacionais, porque “a política é masculina e machista”.

Para ela, essa atual luta pela "liberdade" da mulher tem provocado reações "em setores mais conservadores" e as eleições serão marcadas por candidaturas que defendem a "volta da mulher para dentro de casa".

Manuela contou ainda que descobriu tardiamente que também era vítima do machismo. "[Foi] quando eu entrei para a política, aos 22 anos, e vi as primeiras matérias ao meu respeito dizendo que eu era bonita. Quando, aos 25 anos, fui candidata à prefeita, em vez de ouvir ‘olha, que genial uma menina concorrendo para prefeita’, ouvi que eu era bonitinha. Descobri como enfrentar o machismo sendo cortada na minha própria pele", conta.

Ela afirmou que o brasileiro é capaz sim de escolher novamente uma mulher como presidente e que para aumentar a presença da mulher na política é preciso buscar alternativas para fazer com que a política seja mais representativa. "A participação política requer que ela [a mulher] esteja no ambiente público, temos que criar mecanismos para tirá-la da vida privada".

E acrescentou: "Brasil ainda é muito atrasado em compreender que as responsabilidades no ambiente privado não são só nossas. O Temer uma vez deu até aviso de pauta dizendo que ele ia buscar o filho na creche", disse. "Se vocês quiserem, eu tenho um aviso de pauta quase diário pra vocês", brincou.

"Enfrentei o machismo sendo cortada na própria pele"

É evidente que eu vou aproveitar [esse novo momento do feminismo]. Quantas mulheres têm a oportunidade de estar onde eu estou para falar isso? São pouquíssimas. Nessa eleição acho que seremos duas [ela e Marina Silva, da Rede]

Manuela D'Ávila, pré-candidata à Presidência pelo PCdoB

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

Polarização e ódio na corrida eleitoral

Intensificada nos últimos meses, a polarização política tem sido vista por especialistas como um terreno fértil para discursos de ódio e a disseminação de notícias falsas, que podem interferir no processo eleitoral deste ano

Manuela se classificou como alguém que "combate o ódio" e afirmou que um dos esforços de sua pré-candidatura é para que "a eleição seja palco de debate de programas".

"Marina, [Geraldo] Alckmin, [Jair] Bolsonaro se situam, digamos, nesse campo [de direita]. Nós temos as candidaturas de esquerda. Isso é polarização política, e isso não é necessariamente ruim", defendeu. "O ruim é o debate se pautar a partir da desqualificação dos outros interlocutores".

Para ela, as eleições devem ser um momento de debate sobre a saída da crise –caso contrário, "nós teremos anos piores pela frente". "Nós temos 12 milhões de desempregados. Temos que enfrentar isso, temos que ter saídas sólidas para isso, e não transitórias", complementou.

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