Radical? Eu não

Líder do MTST, Guilherme Boulos rejeita rótulos e diz não trair Lula sendo candidato à Presidência pelo PSOL

Ana Carla Bermúdez e Mirthyani Bezerra Do UOL, em São Paulo
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Aos 35 anos, Guilherme Boulos é psicanalista, formado em filosofia pela USP (Universidade de São Paulo), coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e esteve à frente de alguns dos principais protestos em defesa de ex-presidentes petistas, tanto no impeachment de Dilma Rousseff quanto nas condenações de Luiz Inácio Lula da Silva.

Apesar da ligação com o PT, Boulos deverá lançar neste sábado (3), ainda que informalmente, sua pré-candidatura à Presidência da República pelo PSOL, em São Paulo. A chapa deverá ter a líder indígena Sônia Guajajara como vice.

Boulos é amigo e defensor da candidatura de Lula e, apesar de não ter confirmado oficialmente que será candidato durante entrevista concedida na quarta-feira (28), nos estúdios do UOL, em São Paulo, rebateu a ideia de que postular ao cargo seria uma traição ao petista. “Esse tipo de ideia surge de quem quer semear a intriga na esquerda, porque nem o próprio Lula acha isso", disse.

"Eu tenho diferenças com o presidente Lula e já coloquei isso para ele inúmeras vezes. Elas são públicas, mas isso não me impede de ser solidário e leal com ele”.

Na entrevista, Boulos falou sobre os planos dele e do PSOL, reforçou a necessidade de maior participação popular na política brasileira e rechaçou os rótulos de "duro" e "radical" que recebe de setores da sociedade. "Isso é um preconceito", apontou.

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Aposta do PSOL

UOL apurou que o convite para que Boulos dispute as eleições presidenciais partiu do próprio PSOL. Para tanto, ele deverá se filiar ao partido na segunda-feira (5) e ter seu nome confirmado oficialmente durante a conferência eleitoral do PSOL, marcada para o dia 10 de março.

Antes dos anúncios protocolares, porém, ele fará um ensaio neste sábado, em São Paulo. Apesar de ser um evento organizado por movimentos sociais, a Conferência Cidadã contará com a presença de dirigentes e deputados federais do PSOL, segundo confirmou ao UOL Juliano Medeiros, presidente da sigla.

"Não é o PSOL que está organizando, mas vamos prestigiar, os nossos dirigentes vão estar lá, os nossos deputados federais vão estar lá", disse. Devem participar também artistas como Caetano Veloso, Maria Gadú, a economista Laura Carvalho e o escritor Frei Betto.

Oficialmente, o PSOL tem outros quatro nomes no páreo: Plínio Arruda Sampaio Júnior, Hamilton Assis, Nildo Ouriques e Sônia Guajajara –que, apesar de constar formalmente na disputa interna do partido, deve desistir para concorrer ao lado de Boulos como vice. "Ela tem uma simpatia muito grande pelo Guilherme [Boulos], tem uma parceria que eles têm construído nos movimentos sociais", reconheceu Juliano Medeiros.

Segundo Boulos, apesar de haver divergências, "uma maioria ampla de 70%" aprovou durante o Congresso Nacional do PSOL, em dezembro do ano passado, um diálogo para uma aliança com o MTST e com os movimentos sociais, com vistas a construir a possibilidade da candidatura.

"Se defender igualdade social é ser radical, eu sou"

Taba Benedicto/Estadão Conteúdo Taba Benedicto/Estadão Conteúdo

Estigma de radical é "preconceito" na sociedade

Dono de uma voz forte e fala incisiva, Boulos já discursou para multidões nesses 15 anos em que faz parte do MTST. Há quem o veja como duro e radical. Mas ele rejeita os rótulos.

"Não podemos ser seletivos, senão a gente estigmatiza aqui 'esse cara é radical, esse campo é radical, esse movimento é radical'. Isso é bem um preconceito na sociedade", disse. "[Se] defender igualdade social, de oportunidades, investimento público para que o Estado sirva para a maioria, participação popular para que as pessoas possam efetivamente decidir a política, bom, se isso é radical, eu sou. Eu não creio que [essas] sejam pautas radicais, no sentido do extremismo". 

Boulos chegou a dizer que não era duro, nem agressivo, que brinca com as filhas, toma cerveja com os amigos, em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo" em fevereiro. Ao UOL, afirmou achar "curioso" que tenham essa visão sobre ele.

"É curioso que as pessoas considerem radical quem luta pelo direito à moradia e não considerem radical que hoje no Brasil tem 7 milhões de imóveis vazios e 6,2 milhões de famílias sem-teto. Que as pessoas considerem radical quem vai à rua se manifestar e não considerem radical que hoje tem gente, a céu aberto, defendendo a tortura, inclusive candidato à Presidência da República, que defende intervenção militar, que defende a ditadura no país", disse.

Para o líder do MTST, defender a intervenção federal de caráter militar em curso no Rio de Janeiro é alimentar a ideia de que "Exército e militar resolvem tudo"-- o que, para ele, seria algo "perigoso".

“Especialmente em um período em que as pessoas estão descrentes de saídas, em um cenário de muita desilusão no país. Isso mexe com ideias perigosas. No Brasil a gente já viu esse filme antes e não terminou bem, terminou com uma ditadura de 21 anos. Não podemos mexer com essas ideias de maneira irresponsável como o Michel Temer está fazendo", criticou.

"Defendo de maneira categórica o direito de Lula ser candidato"

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Defesa de Lula, com ressalvas

Guilherme Boulos faz parte há 15 anos do MTST, movimento social que tem sido umas das principais presenças nas passeatas em defesa da candidatura de Lula à Presidência, algo ainda incerto apesar de o PT insistir que o ex-presidente será o candidato do partido.

O próprio Boulos esteve ao lado do petista no ato realizado em Porto Alegre em 23 de janeiro, um dia antes do julgamento que condenou o ex-presidente em segunda instância no caso do tríplex.

"Eu defendo de uma maneira categórica o direito do Lula ser candidato. Acho que é uma sacanagem o que estão fazendo com o Lula. Uma condenação sem nenhuma prova", afirmou.

Mas entre defender a candidatura do ex-presidente e fechar os olhos para os erros do PT, há uma grande diferença, segundo Boulos. Ele afirma que apesar de os 13 anos de governos petistas terem trazido "avanços importantes para a sociedade", seus "erros e limites importantes" também devem ser considerados.

“Dentre eles, não ter enfrentado o que é o sistema político brasileiro, não ter pautado uma reforma política profunda que precisa ser feita no nosso país, não ter feito cumprir a constituição em relação ao tema das comunicações”, disse.

Eu tenho uma excelente relação com o Lula, [ele] respeita as definições que eu tomo

Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST

"MDB nunca foi eleito, mas deu as cartas em todos os governos"

Gabriela Biló/Estadão Conteúdo Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Aumentar participação popular e renovar Congresso

Apesar de não falar ainda oficialmente como pré-candidato, Boulos disse que o próximo governo vai precisar fazer um plebiscito para que a população decida se aceita ou rejeita as mudanças feitas durante o governo de Michel Temer (MDB).

"O próximo governo não tem como não colocar um plebiscito para revogação de uma série de medidas tomadas pelo governo ilegítimo do Temer. Esse governo não foi eleito e a agenda que ele colocou também não foi eleita pelo povo brasileiro", disse.

Para ele, aumentar a participação popular é a saída para a crise do sistema político brasileiro.

"O povo tem que decidir várias coisas, porque se você deixa o Congresso como único espaço de decisão, vai acontecer o que aconteceu nos últimos 30 anos no Brasil. O MDB nunca elegeu um presidente da República, mas deu as cartas em todos os governos, chantageou quase todos os governos", disse.

E foi além: para Boulos, além de aumentar a participação popular, é preciso fazer com que o partido do presidente Michel Temer se torne oposição.

"Um próximo governo, se tiver compromisso com a maioria do povo, tem que ter o compromisso também de botar, pela primeira vez na história da Nova República, o MDB na oposição. Porque o MDB, em todo governo, é governo", disse.

Mas aumentar a participação popular na política, para Boulos, não seria sinônimo de negar o papel do Congresso Nacional. "O Congresso é Legislativo, tem um papel de decisão, ele só não pode decidir tudo. A sociedade não pode terceirizar o poder de decisão política ao Congresso e ponto final".

Fazendo a ressalva de que ainda não faz parte do PSOL, Boulos disse que há um esforço "muito grande" do partido de lançar chapas fortes ao Legislativo, com Marcelo Freixo como candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro e Chico Alencar como candidato a senador.

"A bancada atual do PSOL, que é uma bancada muito comprometida e bem avaliada, vai também buscar a reeleição. Terá uma gama de novas candidaturas em todo o país que expressam, no meu entendimento, muitas delas, um processo de renovação de conceito da política", explicou.

Lamentavelmente aqui prevaleceu uma visão esvaziada da democracia, que parece com o programa do Big Brother na televisão. Que as pessoas podem definir quem entra e quem sai da casa, mas não definem nada que acontece dentro da casa. Democracia não é isso

Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST

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