Candidato do Exército?

Integrantes do alto escalão militar apoiam, mas fazem críticas a "estilo Bolsonaro"

Luis Kawaguti e Marina Lang Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, no Rio
Andre Melo/Futura Press/Folhapress

A carreira política de Jair Bolsonaro (PSC-RJ) começou no fim da década de 1980, quando ele deixou o Exército para ser vereador e, depois, deputado federal. Sua imagem, porém, nunca se descolou totalmente de seu passado militar. Hoje, em pré-candidatura à Presidência, conta com apoio considerável da classe, inclusive entre membros do alto escalão militar. Porém, algumas de suas propostas e posturas são criticadas e consideradas exageradas no meio.

O UOL identificou esse cenário a partir de conversas com seis altos oficiais ligados a alguns dos principais comandos e departamentos do Exército. Também foram entrevistados cinco lideres influentes da reserva do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A maioria deles deu suas opiniões sob condição de anonimato, pois regulamentos das Forças Armadas os desencorajam a fazer manifestações públicas de caráter político.

A maior parte afirmou que Bolsonaro atrai muita simpatia porque, diferentemente de outros políticos, costuma ser associado a valores importantes para os militares e não é investigado em escândalos de corrupção. Além disso, algumas de suas propostas para a segurança pública agradam a categoria.

Alguns militares, porém, se mostraram preocupados com aspectos relacionados à pré-campanha do deputado. Entre eles estão a proposta de dar fuzis para fazendeiros se “defenderem” de sem-terra, a controvérsia sobre ele representar ou não a classe militar e a possibilidade de que sua eventual eleição aprofunde a polarização política da sociedade.

Além disso, eles divergem sobre se um governo de Bolsonaro integrado por ex-militares poderia afetar ou não a imagem das Forças Armadas.

Institucionalmente, Exército, Marinha e Aeronáutica não apoiam nenhum candidato.

Roberto Jayme/Folhapress Roberto Jayme/Folhapress

De problema para a cúpula a defensor e 'popstar' da categoria

Jair Bolsonaro fez carreira no Exército até a patente de capitão. Em 1986 escreveu um artigo na revista Veja intitulado “O salário está baixo”, sobre a saída de cadetes da academia militar das Agulhas Negras.

O texto fazia referência a publicações de imprensa daquele ano, segundo as quais os cadetes estavam sendo desligados por serem homossexuais, consumirem drogas ou por não terem vocação. Bolsonaro dizia que os jovens estavam saindo sim por causa da remuneração incompatível.

“Esperávamos que algum general ou ministro viesse defender os cadetes, mas quem fez isso foi o Bolsonaro. Naquele momento, muita gente começou a gostar dele”, lembra um oficial.

Mas a atitude foi vista pelo comando como quebra de disciplina e deslealdade. Bolsonaro pegou 15 dias de prisão e foi considerado culpado em uma investigação - sendo absolvido mais tarde.

Esse e outros episódios indispuseram Bolsonaro com membros da cúpula do Exército. Mas com a popularidade alta em 1988, ele deixou a carreira militar para se tornar vereador e mais tarde deputado federal. No momento em que assumiu seu primeiro mandato foi automaticamente para a reserva do Exército.

Na carreira política, tanto apoiou quanto criticou as Forças Armadas e defendeu dezenas de projetos em áreas de interesse militar.

“Altos oficiais que eram contra o Bolsonaro já saíram do Exército. Os oficiais que se formaram na época dele estão hoje no comando e são mais simpáticos a ele", disse um coronel.

Quatro dos atuais 15 generais no alto comando do Exército são da turma de 1977, de Bolsonaro. Outros tantos que conviveram com ele estão em postos importantes da instituição.

O apoio cresceu quando o deputado ajudou a criticar, na Câmara, os resultados da Comissão da Verdade – considerada tendenciosa por uma parte dos militares por não ter investigado crimes cometidos por guerrilhas de esquerda.

Segundo um dos oficiais ouvidos na reportagem, quando Bolsonaro, já como político, decidia visitar um quartel, o chefe da unidade se preocupava sobre como a visita poderia ser vista pelo alto comando. "Hoje ele é recebido com festa”, aponta.

A carreira militar e a relação de Bolsonaro com o Exército

O que em Bolsonaro agrada os militares

  • Valores militares

    Em geral, os militares associam Bolsonaro a valores que consideram importantes, como: patriotismo, hierarquia, honestidade, família e religião. "Embora muitas pessoas possam discordar da maneira como ele se expressa, acho que o que ele pensa está muito de acordo com a formação militar que ele teve e que nós tivemos também", diz o vice-presidente do Clube Militar, general da reserva Clóvis Purper Bandeira, ressaltando que essa é sua opinião pessoal pois o clube não opina institucionalmente sobre candidatos.

    Imagem: Agência Câmara
  • Combate à corrupção

    O fato de Bolsonaro não estar envolvido em nenhuma investigação de corrupção é um dos fatores que mais agrada os militares. Além disso, na opinião de alguns dos entrevistados, ele é um dos pré-candidatos que mais tem defendido a bandeira do combate à corrupção.

    Imagem: Ricardo Borges/Folhapress
  • Propostas sobre segurança

    Apesar de nesta fase da corrida eleitoral as propostas de campanha não estarem totalmente definidas, Bolsonaro tem defendido mudanças na segurança pública que agradam muitos militares. Entre elas, a defesa jurídica de agentes que matem ou deixem suspeitos de crimes feridos durante ações policiais oficiais e o fim de benefícios para detentos como a saída temporária durante feriados.

    Imagem: Lula Marques/Folhapress

O que em Bolsonaro desagrada os militares

  • Fuzis para fazendeiros

    Alguns dos militares entrevistados disseram achar exagerada a proposta do pré-candidato de entregar fuzis para produtores rurais "se defenderem" de integrantes de movimentos sem-terra. "O que algumas pessoas podem considerar radicalismo (de Bolsonaro) em geral não incomoda os militares, mas acho que ele poderia rever, por exemplo, essa ideia de dar fuzis para os fazendeiros se defenderem contra invasores de terra", diz um general sob anonimato. Para ele, isso poderia facilitar a violação de direitos fundamentais e agravar o conflito agrário no país.

    Imagem: Márcia Ribeiro/ Folhapress
  • Mais político que militar

    Outros afirmam que Bolsonaro é mais político do que militar, por ter passado relativamente pouco tempo trabalhando no Exército. Bolsonaro deixou o Exército quando era capitão, uma patente média, e não passou pelo processo de formação de oficiais mais graduados. Segundo o almirante Rui da Fonseca Elia, presidente do Clube Naval, instituição civil ligada à Marinha, quem representa a classe são os chefes militares. "Eu não acho que um candidato político vá representar a classe. Pode ser um candidato que defenda os interesses da classe porque ele é militar, conhece os problemas e vai defender. Agora, falar pela classe? Nunca", afirma Elia, que diz ainda não ter escolhido seu candidato.

    Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
  • Divisão ideológica do país

    Outra preocupação mencionada é que a eventual eleição do deputado federal reforce a divisão política da sociedade brasileira entre direita e esquerda. A radicalização ideológica do país é vista como um problema em potencial pelos militares, independentemente de sua preferência individual. "Há o perigo também se ele aprofundar a divisão da Nação num fosso difícil de se tapar posteriormente", aponta outro general sob anonimato

    Imagem: André Lucas/UOL
  • Imagem das Forças Armadas

    Os militares ouvidos pelo UOL se mostraram divididos sobre a possibilidade de um eventual governo de Bolsonaro prejudicar a imagem do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Alguns argumentam que isso poderia acontecer se o então presidente formar um gabinete de ex-militares e eles se mostrassem incapazes de resolver problemas crônicos do país. Para outros, isso não aconteceria, porque ex-militares possuem boa formação educacional e conhecem bem o país. Além disso, as figuras deles não seriam associadas à imagem das Forças Armadas. Segundo o almirante Elia, a chegada de ex-militares a qualquer cargo público dentro dos parâmetros constitucionais "seria boa para República".

    Imagem: Alan Marques/ Folhapress
Airton Soares/Folhapress Airton Soares/Folhapress

Por que o apoio dos militares é importante?

Institucionalmente, as Forças Armadas não apoiam candidatos. Questionado sobre o assunto, o Exército respondeu: "O Exército Brasileiro, como instituição do Estado, e que serve a este Estado e não a pessoas, está acima de interesses partidários e de anseios pessoais, quaisquer que sejam as pessoas ou os partidos".

Porém, os militares de carreira, os da reserva, os pensionistas e seus familiares votam e podem fazer diferença em uma eleição acirrada, segundo David Fleischer, professor emérito de ciência política da Universidade de Brasília.

Ele acredita que a categoria esteja dividida sobre apoiar ou não o deputado. Mas observa que militares simpáticos a Bolsonaro podem eventualmente influenciar até outros cinco eleitores em suas famílias.

Considerando que, juntos, os efetivos de Exército, Marinha e Aeronáutica aptos a votar podem ultrapassar 300 mil pessoas, esse eleitorado pode, em tese, fazer diferença para levar Bolsonaro para um possível segundo turno em um cenário de disputa com pequena diferença de votos entre tantos candidatos, como o que se apresenta atualmente.

“Mas ainda é cedo para dizer, há muitos pré-candidatos escondidos e não sabemos com certeza o que vai acontecer com o Lula”, afirma o professor.

O levantamento mais recente do Datafolha engloba todos os segmentos da sociedade e coloca Bolsonaro em segundo lugar, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em todos os cenários em que aparecem juntos. Em situações sem o ex-presidente, o deputado é o primeiro, com até 18% das intenções de voto.

Em dúvida

Apesar de a maior parte dos militares ouvidos pelo UOL ter demonstrado boa receptividade à candidatura de Bolsonaro, não é possível estimar se a maioria dos militares votará ou não nele. Isso porque não há uma pesquisa de opinião específica enfocando o meio militar.

A precocidade do debate eleitoral e a incerteza sobre as propostas dos pré-candidatos causam dúvida entre os entrevistados.

"O pensamento dele como candidato ainda não está bem esclarecido. Não existe ainda uma plataforma, um plano de governo, uma proposta. Não existe porque, na verdade, não há candidatos ainda. Só depois de eles se registrarem vão começar a apresentar o que eles pretendem fazer", diz o general Clóvis Purper Bandeira.

"Não vejo também qualquer outra liderança que possa ser bastante melhor que ele. Todos têm seus pratos negativos na balança bem carregados", pondera outro oficial.

Pedro Ribas/ANPr - Agência de Notícias do Paraná Pedro Ribas/ANPr - Agência de Notícias do Paraná

Governo e ministério de militares

Bolsonaro afirmou em entrevista a um blog em fevereiro deste ano que escolherá os nomes de 15 ministros já no início de sua campanha formal e que a metade deles deve ser ex-militar.

Em janeiro, quando firmou compromisso de se candidatar pelo PSL (Partido Social Liberal), também disse que anunciaria em breve um general da reserva para fazer parte de sua campanha. O nome não foi divulgado.

Luciano Bivar, presidente do partido, disse ao UOL que cogita convidar o general Antônio Hamilton Mourão, que ficou no centro de polêmica no ano passado ao dizer que as Forças Armadas poderiam "impor uma solução" caso as instituições não conseguissem resolver o problema da corrupção.

"O general Mourão poderia ser um candidato nosso ou, quem sabe, após a eleição, ele participar de um governo do Bolsonaro. A gente se sentiria muito lisonjeado se ele viesse para o nosso partido", afirmou Bivar à reportagem.

O presidente do PSL admitiu, porém, que ainda não falou com o general sobre o assunto. Disse também que convidaria um segundo general, que ainda está na ativa e faz parte do alto comando do Exército.

Fontes ligadas ao general Mourão afirmaram ao UOL que ele tem recebido sondagens de políticos para se candidatar, mas que seu projeto, após passar à reserva do Exército em março, é se candidatar à presidência do Clube Militar, no Rio. Segundo a instituição, só ele mencionou intenção de concorrer à Presidência do clube até agora e, como não há outra chapa, pode até ser eleito por aclamação no meio do ano.

Candidatos nos quartéis?

Nas eleições de 2014, um total de 104 militares da reserva se candidataram para cargos em todas as esferas, segundo levantamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Preparando-se para um cenário similar neste ano, o Exército está prestes a lançar orientações específicas sobre como os militares devem lidar com a possível visita de candidatos ex-militares a quartéis.

Atualmente, a campanha política com comícios, camisetas e santinhos é proibida nas instalações e vilas militares. Porém, os principais candidatos da eleição de 2018 devem ser convidados para expor suas ideias nos clubes e associações militares ao longo da campanha.

J RICARDO / AGENCIA FREELANCER J RICARDO / AGENCIA FREELANCER

O que diz Bolsonaro?

O UOL procurou o deputado Jair Bolsonaro para comentar o tema na semana passada e também na última quinta-feira, mas seu assessor de imprensa afirmou que nem ele nem assessores dariam entrevista. A assessoria disse, porém, que iria analisar o assunto e eventualmente responder à reportagem.

No início de fevereiro um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, usou sua conta no Twitter para negar uma reportagem de um órgão de imprensa que afirmava que Bolsonaro teria apoio entre oficiais jovens, mas não na cúpula militar. “Não precisa uma pesquisa muito avançada para encontrar centenas de fotos de @jairmessiasbolsonaro com militares, assim como vídeos e postagens dos mesmos o apoiando”, escreveu Eduardo.

Todas as fontes ouvidas pelo UOL afirmaram que Bolsonaro tem simpatia ou apoio de muitos militares. Mas todos foram enfáticos ao dizer que sua pré-candidatura não deve ser confundida com intervenção militar na política. Eles ressaltaram que qualquer candidato só pode chegar à Presidência por vias democráticas e as Forças Armadas são a garantia do processo eleitoral e do respeito ao resultado das urnas.

Assim, disseram, Bolsonaro tem que ser tratado na campanha como um político, e não como um militar. "Qualquer brasileiro que esteja legalmente apto a se candidatar tem esse direito”, afirmou um brigadeiro da Aeronáutica à reportagem

Curtiu? Compartilhe.

Topo