No palanque da educação

Cotado para 2018, Haddad critica política para área de Temer e vê discurso oportunista em Doria e Bolsonaro

Leonardo Martins e Paula Almeida Do UOL, em São Paulo
Rodrigo Souto/UOL

Fernando Haddad (PT) foi prefeito de São Paulo por quatro anos e fez da mobilidade urbana sua principal plataforma política à frente da capital paulista. Em 2016, tentou a reeleição, mas perdeu ainda no primeiro turno para João Doria (PSDB-SP).

Apesar de ter administrado a maior cidade do país, o petista, que é cotado para disputar a Presidência da República ou uma vaga no Senado nas eleições de 2018, tem dedicado a maior parte do seu tempo para falar de educação. A pedido do partido e, sobretudo, de seu padrinho político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Haddad tem levado seus conhecimentos de acadêmico e ex-ministro para debater políticas relacionadas ao tema.

Formado em Direito, mestre em Economia e doutor em Filosofia, o político de 54 anos chama de gabinete sua sala no Insper, instituição de ensino superior em São Paulo focada nas áreas de administração, direito, economia e negócios. Lá, Haddad, que em maio licenciou-se do cargo de professor doutor da USP, é professor do núcleo de Políticas Públicas da pós-graduação, onde dá aula duas vezes por semana.

“Não estou com foco em 2018. Eu até me dispus a debater aquilo por onde eu passei, na educação, cidades, economia, que são coisas que eu leciono, que eu estudo. Me coloquei à disposição para discutir nas universidades, tenho ido a dezenas de debates no Brasil, acho que faz parte da minha profissão de professor estimular esse tipo de interação. Fazia isso antes da vida pública e continuei fazendo depois”, afirmou na última quarta-feira (11), quando recebeu a reportagem do UOL no seu gabinete.

Na entrevista, fez questão de priorizar a educação como tema, criticou o governo Temer na área e exaltou os números de sua gestão à frente do MEC – onde esteve, como assessor e depois ministro, entre 2003 e 2011. Mas também falou de política, questionou o tom dos discursos de dois dos principais nomes das pesquisas – Doria e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) - e admitiu dois erros dos governos petistas: a falta de reforma política e a não-regulamentação da lei da delação premiada. 

Pedro Ladeira/Folhapress Pedro Ladeira/Folhapress

Cortes nos programas e reforma do ensino médio

“Esse governo não tem nenhuma preocupação com educação, cortou com foice o orçamento, está cortando os programas que foram aprovados por demanda da sociedade. Vários programas da minha época foram prejudicados”. É dessa maneira que Fernando Haddad resume as medidas do governo de Michel Temer (PMDB) e do Ministério da Educação, chefiado por Mendonça Filho (DEM).

Programas criados ou impulsionados pelos governos petistas, como ProUni, Pronatec e Fies, sofreram cortes e suspensões de novas vagas entre 2016 e 2017, depois de já passarem por reduções em 2015 no governo de Dilma Rousseff.

Na gestão de Haddad, o Fies teve um crescimento exponencial, atingindo quase 150 mil contratos firmados. O recorde anual é de 2014, com 731 mil contratos na gestão de José Henrique Paim, mas o modelo se mostrou inviável, e a taxa caiu em quase dois terços já no ano seguinte. Neste ano, o governo anunciou que o Fies 2018 ofertará 300 mil vagas, mas apenas 100 mil delas nos moldes antigos: outras 200 mil serão por categorias novas, financiadas por fundos regionais e o BNDES.

Para Haddad, que considera que deveriam ser ofertados entre 250 mil e 300 mil contratos do Fies por ano, a crise econômica não pode ser justificativa para os cortes altos anunciados por Temer e Mendonça Filho.

 “Eu até entendo o governo falar que não pode oferecer 700 mil contratos por ano, mudou a economia e realmente não dá. Mas oferecer 100 mil contratos? Vai cortar 80%? Uma coisa é ajustar pela nova realidade econômica, outra coisa é quase acabar com o programa”.

Sancionada por Michel Temer em fevereiro deste ano, a reforma do Ensino Médio também é duramente criticada pelo ex-ministro. Embora a previsão do governo seja colocá-la em prática em 2019, as mudanças na grade curricular, com retirada de disciplinas, e na carga horária, investindo no ensino integral, ainda não têm regras definidas.

"Na verdade, não existe reforma do Ensino Médio. Está sendo feita uma publicidade de uma coisa que não vai acontecer”, diz Haddad. “Está se anunciando uma coisa e não tem nem rubrica orçamentária. Não tem convênio sendo feito. Não tem caderno de diretrizes. Como se faz uma reforma sem caderno de diretrizes? Por anúncio de TV de um minuto? Isso não vai acontecer”.

MEC voltou a ser moeda de troca, diz Haddad

Falta de transparência no Enem

Conforme anunciou o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2017 teve o menor número de inscrições confirmadas dos últimos quatro anos, com pouco mais de 6,7 milhões. Fernando Haddad atribui essa queda a três fatores: o aumento no preço da inscrição, a regra que impede alunos com isenção de taxa de não pagarem o Enem do ano seguinte em caso de falta e, o que ele classificou como fator mais significativo, o fim da certificação de conclusão de Ensino Médio.

“O Encceja é um bom exame para certificação, aumentei-o como ministro, mas uma coisa é você ter o Encceja porque o Enem ‘bota o sarrafo alto demais’, vamos dizer assim. Mas por que não certificar também se a pessoa tirou nota alta no Enem? Isso que eu não compreendo. O número de pessoas que buscavam certificação pelo Enem era altíssimo”, diz.

Outra crítica de Haddad às mudanças no exame é sobre a decisão do Inep, em março deste ano, de encerrar a realização do “ranking do Enem por escolas”. Nele, a pasta divulgava anualmente uma lista com as maiores notas médias do país atingidas pelos colégios no Enem.

O ex-ministro avalia que falta de transparência é “um escândalo”, já que os microdados interessam à comunidade científica e pesquisadores da área da educação. "Você pode não querer divulgar, o Inep tem o direito, mas não é um direito dele não entregar os microdados para a sociedade fazer o que bem entender com eles. Sonegar microdado, na minha opinião, fere a lei de acesso à informação".

Para Haddad, a atual gestão do MEC peca também por enterrar as conversas sobre a implantação de um Enem eletrônico feito por computador, similar ao sistema de grandes provas estudantis dos EUA. Ele acredita que o novo modelo seria fundamental para reduzir o número de fraudes. “Não se trata de o país ter economia grande ou pequena, trata-se de querer fazer. Uma prova feita no computador, com salas seguras e que você já receba o resultado na hora. O Enem eletrônico tinha de ser uma meta. Pode ser para daqui dez anos, mas tem que ter.”

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Sistema de cotas: aprovado

Enquanto contesta números e medidas atuais do Ministério da Educação, Haddad comemora os avanços do sistema de cotas nas universidades, implantado há quase 20 anos e consolidado na última década. Neste ano, o modelo foi adotado por duas das instituições mais tradicionais do Brasil: a USP (Universidade de São Paulo) e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Apesar dos casos recentes de fraudes de alunos que se autodeclararam negros para ter o acesso facilitado ao curso na universidade, o ex-ministro não vê grandes problemas no sistema. “Toda política pública universal tem fraude. SUS, Bolsa Família, Fies, ProUni, todos são sujeitos a fraude, mas isso não significa que o programa seja manchado, porque há mecanismo de correção contra as fraudes.”

Haddad lembra que o prognóstico dos especialistas em educação era de que as cotas não comprometeriam o mérito. “Você não diferenciaria um engenheiro formado que entrou como cotista e um engenheiro formado que entrou no sistema universal. O que interessava era saber como seria o desempenho do cotista depois de sair, a nossa aposta era que haveria um nivelamento em questão da oportunidade. E é o que foi comprovado na prática.”

Eu vivi um momento no ministério que a educação era o assunto mais discutido do país. E isso não era só mérito do governo não, pelo contrário. A sociedade estava muito enriquecida. Eu percebo que nós perdemos um pouco desse ímpeto e a educação perdeu centralidade no debate político

Fernando Haddad

Rodrigo Souto/UOL

Corrupção na política

Divulgação/Ricardo Stuckert Divulgação/Ricardo Stuckert

PT e PSDB erraram em não fazer a reforma política

Fernando Haddad é mais um entre os diversos políticos que tiveram seus nomes citados na Operação Lava Jato. Em junho de 2017, uma operação foi deflagrada pela Polícia Federal para apurar supostos crimes eleitorais e lavagem de dinheiro na candidatura do petista para a prefeitura de 2012. Delatores relataram que, a pedido do então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, a empresa UTC havia pagado dívidas da campanha para compensar acordos ilícitos firmados com a Petrobras. Haddad e o PT negaram as acusações, e as investigações continuam.

Na avaliação do ex-prefeito, a principal causa para os supostos crimes de corrupção investigados pela Lava Jato está no financiamento empresarial de campanha que funcionou até as eleições de 2014 e na demora em se fazer uma reforma política. E neste ponto, ele critica seu próprio partido.

"Nós tivemos dois presidentes que governaram por 8 anos e que tiveram força no Congresso Nacional, prestígio. A reforma política tinha que ter sido tentada mais de uma vez, tinha que ter havido uma insistência de que aquele sistema iria implodir", opina Haddad. "Então nós tivemos 16 anos, Fernando Henrique [Cardoso, do PSDB, entre 1995 e 2002] e Lula [entre 2003 e 2010). PT e PSDB deveriam ter dito ‘olha, isso não vai acontecer. Nós temos protagonismo, somos os dois polos, vamos nos acertar em torno disso’. Mas não havia acordo entre os dois partidos."

Na semana passada, uma reforma política foi aprovada no Congresso após meses de mudanças de posição. Um projeto de lei saído do Senado criou um fundo público de campanha, que em 2018 pode corresponder a R$ 1,7 bilhão. Já uma proposta de emenda constitucional saída da Câmara estipulou uma cláusula de barreira para os partidos e determinou, a partir de 2020, o fim das coligações partidárias.

A criação do "fundão" foi bastante questionada na opinião pública. Para Haddad, porém, é a melhor saída contra a corrupção nas eleições. "Na conta do financiamento empresarial tem a parte oculta dele, que é o que o empresário está pedindo de volta do financiamento que está fazendo, que ninguém vê, que são essas barbaridades, essas licitações todas que a gente acompanhou. A verdade é que nós estamos evitando com isso que novas Lava Jatos sejam necessárias, porque nós estamos cortando o mal pela raiz, que é o financiamento privado", opina.

Financiamento público eleitoral é melhor que empresarial, avalia Haddad

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Falta de regras está deturpando as delações

Fernando Haddad também faz um mea culpa pelo PT em relação à maneira como foi sancionada a lei de delação premiada, pela ex-presidente Dilma, em 2013. Para o ex-prefeito, a falta de uma regulamentação da lei deixa em dúvida quais os limites dos benefícios dos colaboradores, as medidas a serem tomadas em caso de revogação e as situações em que os acordos podem ser desfeitos.

No entendimento de Haddad, a inexistência de regras claras promove distorções, injustiças e leva investigados presos à condição de narrarem fatos nem sempre reais.

"Olha a confusão que se armou em torno da delação da JBS. A confusão em torno da delação do Delcidio [Amaral, ex-senador]. Se isso tudo tivesse um regramento, o que acontece em cada caso, nós estaríamos pisando em terreno mais firme", diz Haddad. "A delação deveria dar benefícios, mas não no nível que está dando. É um patamar tão elevado de benefícios que está todo mundo fazendo fila pra contar história sem ter documento, sem ter prova pra apresentar."

O ex-prefeito não comentou o caso do ex-ministro Antônio Palocci, que negocia um acordo de colaboração, fez várias acusações contra o ex-presidente Lula e pediu desfiliação do PT. Entretanto, citou as delações exatamente quando questionado sobre o ex-colega de ministério.

"Nós destruímos empresas, destruímos empregos, e os delatores, que estavam à frente dessas operações, vão sair em pouco tempo da cadeia, com uma boa parte do seu patrimônio, e os delatados por eles, que cometeram às vezes crimes menores, vão pagar. Na verdade, o que nós deveríamos era fazer doer no bolso do empresário, e não da empresa. Estamos deturpando dois instrumentos - delação e acordo de leniência - que poderiam ser muito úteis se bem utilizados".

Hoje, por falta de regras, o desespero de um prisioneiro pode levar a ele buscar um benefício falando qualquer coisa, porque não tem um regramento

Fernando Haddad

Suamy Beydoun/Futura Press/Estadão Conteúdo

Eleições de 2018

Plano B para presidente ou candidato ao Senado?

Em julho deste ano, em entrevista ao canal "ultrajano", no YouTube, o ex-presidente Lula citou Fernando Haddad como uma opção do PT para concorrer à Presidência em 2018 caso ele esteja impossibilitado pela Justiça. Não por coincidência, logo em seguida, o ex-prefeito acentuou sua marcha pelo país para falar de educação e gestão pública.

A ideia de um "plano B" dentro do PT, porém, só é abertamente falada pelo próprio Lula. Publicamente, todos os membros do partido defendem que a sigla lute até o fim para ter o ex-presidente na eleição do ano que vem. Enquanto isso, o nome de Haddad começa a ser especulado em outras funções. Agora, a ideia do presidente estadual do PT em São Paulo, Luiz Marinho, é lançá-lo a uma vaga no Senado.

"Nunca me vi no Legislativo, nunca pensei nessa possibilidade", diz Haddad sobre tentar pela primeira vez um cargo que não seja do poder Executivo. Ele nega ainda qualquer possibilidade de atrito com Eduardo Suplicy, quadro histórico do PT, vereador mais votado de 2016 e político disposto a voltar ao Senado. "Eu sou amigo há 30 anos do Suplicy, foi meu secretário, fui o único chefe de Executivo que convidou o Suplicy pra equipe. Não tem risco de acontecer um incidente entre nós".

Enquanto as incertezas pairam no cenário nacional, Haddad aponta que as definições no plano local deverão ser feitas em cima da hora. Questionado se a demora do PT em escalar um plano B para a eleição presidencial não pode ser prejudicial ao partido, ele responde: "É o partido que está tomando essa posição de assumir esse risco, e na minha opinião com legitimidade em função do quadro [Lula]. O seu principal dirigente, por tudo que nós sabemos".

Haddad: Manifestações hostis de Doria são inadequadas para uma autoridade

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Doria e Bolsonaro usam discurso oportunista

Haddad pode ainda não discutir abertamente suas pretensões para a eleição de 2018, mas se diz preocupado com o discurso de dois dos principais nomes que despontam para o pleito do ano que vem: Jair Bolsonaro e João Doria.

Segundo a pesquisa Datafolha divulgada no mês passado, o deputado federal aparece em 2º lugar nas intenções de voto em todos os cenários, oscilando entre 16% e 17%, só atrás de Lula. Já o prefeito tucano aparece na 4ª colocação, com 8%, atrás ainda da ex-ministra Marina Silva (Rede-AC).

Na avaliação de Haddad, os dois adversários têm utilizado um tom agressivo em suas manifestações para encontrarem coro na sociedade. O ex-prefeito julga a atitude de ambos como "oportunista".

"É o oportunismo de quem vê, de quem não pensa as consequências dos seus atos, está pensando o jogo fácil de angariar apoio", opina. "O Doria e o Bolsonaro estão ocupando no espectro político essa visão mais extremada e alimentando essa visão. Sinceramente, acho que o Brasil não está precisando disso, está precisando do contrário".

Para o ex-prefeito, o deputado e o prefeito surfam em uma onda conservadora que tem tomado o país.

"Uma pauta que estava vencida, das minorias políticas, está voltando à tona novamente pela ação obscurantista de um pessoal muito ignorante que está ganhando voz, está ganhando corpo no país", diz ele. "É de se lamentar, porque as pessoas não estão se respeitando mais, não estão respeitando a Constituição brasileira, que garante a integridade física das pessoas em relação à cor de pele, orientação sexual, liberdade religiosa, liberdade de associação. São fundamentos básicos da democracia, são direitos civis. Nós estamos regredindo 200 anos, porque os direitos civis foram tematizados exatamente na revolução francesa e na revolução americana".

Acredito que há uma onda conservadora. O Brasil inventou uma coisa nova, que é o neoliberalismo regressivo: você é neoliberal na economia e regressivo na cultura. É uma coisa que vai produzir efeitos deletérios. A violência está aumentando por conta disso

Fernando Haddad

Haddad responde: acha que se saiu melhor como prefeito ou ministro?

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