Educação em xeque

Falta de interesse político e crise ameaçam aumento de vagas e melhorias no ensino e na carreira do professor

Lucas Rodrigues Do UOL, em São Paulo
Fernando Moraes/Folhapress
Hélvio Romero/Estadão Conteúdo Hélvio Romero/Estadão Conteúdo

Não estamos cumprindo o PNE

Boa parte das metas previstas até junho de 2016 no PNE (Plano Nacional de Educação), lei que estabelece diretrizes, metas e estratégias de concretização no campo da educação, não foi cumprida.

Dentre as metas descumpridas, segundo um balanço feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, estão a universalização da pré-escola e do ensino médio e elevação da taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais.

Para especialistas ouvidos pelo UOL, o desinteresse político pelo tema e os recentes cortes na área por conta da crise econômica estão afetando diretamente o plano para a década de 2014-2024.

As metas têm uma inter-relação. Deixar de cumprir uma delas é prejudicial, uma vez que pode trazer efeitos para o cumprimento de várias outras

Anna Helena Altenfelder, Superintendente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária)

Para Alejandra Meraz Velasco, superintendente do movimento Todos Pela Educação, o PNE é essencial para garantir bons resultados mesmo com mudanças de ministros e de governo. "O plano é a bússola de Estado. É uma ferramenta muito importante para auxiliar na continuidade das políticas públicas. Mudanças de gestão que trazem novos projetos, alteram prioridades e objetivos são muito prejudiciais para os resultados na educação."

Professora Dorinha (DEM-TO), deputada federal e membro da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, acredita que haja uma dificuldade financeira, mas que ela não pode ser uma justificativa para o não cumprimento das metas. "Além de o PNE ser um instrumento de gestão, ele está disponível para a sociedade. Precisamos fazer esse monitoramento e cobrar os atores envolvidos."

Mas o que é PNE?

Diferentes setores da sociedade defendem o PNE. Por que ele é tão importante? O Plano Nacional de Educação é uma lei, prevista na Constituição Federal, que entrou em vigência no dia 26 de junho de 2014 e valerá por 10 anos. 

Ele tem 20 metas que abrangem todos os níveis de formação, desde a educação infantil até o ensino superior, com atenção para detalhes como a educação inclusiva, a melhoria da taxa de escolaridade média dos brasileiros, a formação e plano de carreira para professores, bem como a gestão e o financiamento da educação.

O prazo final para o cumprimento dessas metas é até 2024. Mas o plano possui estratégias e metas intermediárias. Ficou estabelecido, por exemplo, que o Brasil deveria ter universalizado o acesso à pré-escola para crianças de 4 e 5 anos até 2016.

O PNE também dá grande peso ao financiamento e ampliação dos investimentos.

A lei estipulou que o país passe a investir o equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) em educação até o fim da vigência do plano. A ideia é que essa meta de investimento cresça gradualmente: 7% do PIB nos primeiros cinco anos e chegando a 10% no prazo dos cinco anos seguintes.

Principais metas com prazo até 2016 descumpridas

  • Todas as crianças de 4 e 5 anos na pré-escola

    Segundo o Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2014, 89,1% das crianças nesta faixa etária estavam matriculadas -- o que representa cerca de 640 mil ainda fora da escola. Por conta do ritmo de crescimento nos dois últimos anos (cerca de 3,2%), a meta da universalização não deve ser atingida em 2016.

  • Todos os jovens de 15 a 17 anos na escola

    Levantamento do movimento Todos Pela Educação indica que as taxas de atendimento do ensino médio estão estagnadas desde 2012 e, portanto, a meta não deve ser alcançada em 2016. No Brasil, cerca de 2,8 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos estão fora da escola. Desses, aproximadamente 1,7 milhão têm entre 15 a 17 anos.

  • Implementação do gasto mínimo por aluno

    O CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) traduz em valores quanto o Brasil precisa investir por aluno ao ano, em cada etapa e modalidade da educação básica pública, para garantir, ao menos, um padrão mínimo de qualidade do ensino. Desde 2010 há um parecer aprovado pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Ele normatiza o CAQi. No entanto, o documento não foi homologado.

  • Regulamentação do Sistema Nacional de Educação

    A proposta é de aumentar a autonomia e as responsabilidades de Estados e municípios com a educação e garantir financiamento. Ainda não foi aprovado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. "O sistema vai estabelecer como se dará a cooperação entre os entes federados, o que é atribuição de cada um para garantir o cumprimento das metas", explica Anna Altenfelder, do Cenpec

  • Elevar a taxa alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5%

    A ideia era alcançar esta taxa de alfabetização até junho de 2015. De acordo com o balanço feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o país tem atualmente a taxa de 91,7% da população nesta faixa etária plenamente alfabetizada

  • Assegurar nível superior a todos os professores da educação básica

    Outra meta para o ano de 2015 que não foi cumprida. Segundo o Censo Escolar 2013, apenas 74,8% dos professores tinham diploma de ensino superior. Segundo o relatório do Todos Pela Educação, foi emitido um decreto que prevê programa de formação nacional, e há ações pontuais, mas não um conjunto de ações articuladas para garantir esta meta

Importância do Plano Nacional de Educação

O PNE é um plano decenal que determina diretrizes, metas e estratégias para o Brasil na área da educação. O que se pretende com ele é a consagração de um padrão de qualidade, a expansão de matrículas públicas da creche à pós-graduação, a universalização da alfabetização, a equiparação da média salarial do magistério com as demais profissões com escolaridade equivalente, a formação continuada dos educadores e o enfrentamento das desigualdades educacionais.

Daniel Cara

Daniel Cara, Coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e membro do Fórum Nacional de Educação

Aprovação após mais de três anos de tramitação no Congresso

O PNE foi enviado pelo governo federal ao Congresso em 15 de dezembro de 2010 e só foi aprovado pela Câmara dos Deputados quase dois anos depois, em outubro de 2012, após ter recebido cerca de três mil emendas.

No Senado, o texto foi aprovado em plenário no dia 17 de dezembro de 2013. Em seguida, foi encaminhado para a Comissão Especial da Câmara, onde teve o texto-base aprovado em 22 de abril de 2014. O plenário da Câmara acabou aprovando o plano no dia 3 de junho do mesmo ano.

O texto originalmente aprovado pela Câmara previa que 10% do PIB fossem destinados apenas para a educação pública. O plano, porém, foi alterado no Senado, que acrescentou o ponto que possibilitava a entrada na conta de recursos destinados a creches conveniadas e programas de bolsas e financiamento.

A proposta estabeleceu prazo de um ano, a partir da vigência da lei, para que Estados, Distrito Federal e municípios elaborassem seus planos de educação ou fizessem as adequações necessárias aos planos existentes para que fiquem de acordo com as metas do PNE.

 

Gustavo Lima/Câmara dos Deputados

Por que as metas não foram cumpridas?

Cortes na educação

Segundo Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e membro do Fórum Nacional de Educação, 14 dispositivos do PNE agendados até 2016 não foram plenamente cumpridos. Os cortes de gastos por conta da crise econômica teriam sido um dos motivos para isso.

"Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff em 2015, sacrificou demasiadamente o PNE: R$ 11 bilhões de recursos da área foram cortados. Isso impediu a execução de programas federais dedicados à expansão e manutenção de creches, pré-escolas, escolas de ensino fundamental e de ensino médio, além da manutenção de matrículas em educação de jovens e adultos e educação em tempo integral", disse Cara.

Alejandra Velasco, do Todos Pela Educação, acredita que a crise se traduz numa dificuldade de ampliação do atendimento e da formação continuada dos professores, além de inviabilizar uma série de ações previstas no PNE.

“São necessários mais recursos para a educação, sem dúvida. Mas muitas estratégias dependem de articulação política. Se não forem feitas essas articulações e discussões já nesse começo de PNE, a gente não vai chegar aos resultados”, diz Velasco.

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Apu Gomes/Folhapress Apu Gomes/Folhapress

O desafio do ensino médio

De acordo com o Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), entre 2012 e 2013, o percentual de jovens entre 15 e 17 anos na escola aumentou apenas 0,7 ponto percentual, de 82,6% para 83,3%, e voltou a cair no ano seguinte para o mesmo patamar de 82,6%. Ao todo, são 1,7 milhão de pessoas nessa faixa etária ainda fora da escola.

Para Alejandra Meraz Velasco, superintendente do movimento Todos Pela Educação, esse é o período da educação básica no qual há a maior dificuldade para a universalização.

O ensino médio é desafio porque são jovens que já passaram pela escola e tiveram uma má experiência. Abandonaram por diversos motivos, como fracasso escolar, falta de atividades de reforço que permitissem uma boa trajetória e porque os programas do ensino médio são pouco atrativos

Alejandra Velasco, do Todos Pela Educação

Além disso, a especialista acredita que o país tem muitas disciplinas obrigatórias e uma jornada escolar muito curta. “Fica difícil você fazer uma ponte entre as diferentes disciplinas. Por isso temos uma forma de ensino totalmente descontextualizada, fora de propósito par aos jovens.”

A discussão da Base Nacional Comum Curricular pode ajudar a repensar o ensino médio. Ela irá definir o que os estudantes devem aprender em cada etapa de ensino. A entrega da versão final da proposta, que estava prevista para junho, foi adiada para novembro pelo MEC.

A opinião dos especialistas

O PNE trata de coisas muito concretas, como a garantia das nossas crianças e jovens em aprender aquilo que têm direito, salário dos professores, sala de aula com condições adequadas, número de alunos por sala, contenção da evasão e repetência

Anna Helena Altenfelder

Anna Helena Altenfelder, Superintendente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária)

A crise econômica se traduz numa dificuldade de ampliação do atendimento. Mas ela não pode ser utilizada como argumento para justificar o não cumprimento do Plano Nacional da Educação. Muitas estratégias e metas dependem de articulação política

Alejandra Meraz Velasco

Alejandra Meraz Velasco, Superintendente do movimento Todos Pela Educação

A opinião das parlamentares

Ana Volpe/Agência Senado Ana Volpe/Agência Senado

Fátima Bezerra (PT-RN)

A senadora e pedagoga acredita que o governo Dilma Rousseff não conseguiu cumprir as metas por dificuldades orçamentárias. Para a parlamentar, a situação vai se agravar com a aprovação da PEC 241, que determina que o limite de gastos públicos de um ano sejam iguais ao do exercício orçamentário do ano anterior. "Isso significaria uma redução brutal de recursos para a educação e uma inviabilização do cumprimento das metas do PNE"

Divulgação Divulgação

Professora Dorinha (DEM-TO)

Dorinha Rezende é deputada federal e ex-secretária da Educação de Tocantins. Para ela, o PNE é suprapartidário. "Não interessa mudança de gestão. O plano é estratégico para o país." A parlamentar acredita que a gestão Dilma Rousseff não conseguiu alcançar as metas em parte por conta da crise política. "Tem desafios de financiamento, mas muitas noções do plano poderiam ter sido cumpridas e não foram porque faltou determinação e vontade também."

Alan Marques/Folhapress

Outro lado

Novo MEC culpa gestão anterior

Por meio de nota, a nova gestão do MEC, comandada pelo ministro Mendonça Filho (DEM-PE), afirmou que nenhum programa do ministério será abandonado e que a prioridade será a reforma do ensino médio. 

Segundo a pasta, a universalização do ensino médio não foi possível porque "as ações da gestão anterior eram pulverizadas e, como mostram os dados, não apresentaram resultado".

Sobre a universalização da pré-escola, o MEC afirma que as ações da gestão do governo Dilma Rousseff "foram focadas apenas em creches e, mesmo assim, não entregou o prometido, deixando inúmeras obras paralisadas e canceladas". O foco da gestão Mendonça Filho deverá ser a melhoria da aplicação dos recursos.

Sobre CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), o MEC afirma que está fazendo uma análise do orçamento para assegurar a implantação. "Importante destacar que a atual gestão recebeu o orçamento com um corte de R$ 6,4 bilhões. No entanto, já foi possível recompor R$ 4,7 bilhões para minimizar qualquer prejuízo a políticas do Ministério da Educação", diz a nota.

 

Conheça as metas do PNE: 1 a 10

  • Meta 1

    Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%

    Imagem: Leonardo Soares/UOL
  • Meta 2

    Universalizar o ensino fundamental de 9 anos para toda a população de 6 a 14 anos e garantir que pelo menos 95% dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE

    Imagem: Leandro Moraes/UOL
  • Meta 3

    Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%

    Imagem: Apu Gomes/Folhapress
  • Meta 4

    Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento a alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação preferencialmente na rede regular de ensino

    Imagem: Márcio Neves/Folhapress
  • Meta 5

    Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do ensino fundamental

    Imagem: Fernando Donasci/Folhapress
  • Meta 6

    Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica

    Imagem: Edson Silva/Folhapress
  • Meta 7

    Atingir as seguintes médias nacionais para o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica): 6,0 nos anos iniciais do ensino fundamental; 5,5 nos anos finais do ensino fundamental; 5,2 no ensino médio

    Imagem: Danilo Verpa/Folhapress
  • Meta 8

    Elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, de modo a alcançar o mínimo de 12 anos de estudo para a população do campo e para os 25% mais pobres; e igualar a escolaridade média entre negros e não negros

    Imagem: Edson Silva/Folhapress
  • Meta 9

    Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até 2020, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional

    Imagem: Marlene Bergamo/Folhapress
  • Meta 10

    Oferecer o mínimo de 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio

    Imagem: Juca Varella/Folhapress

Metas do PNE: 11 a 20

  • Meta 11

    Triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% de vagas gratuitas na expansão

    Imagem: Karime Xavier/Folhapress
  • Meta 12

    Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% por cento da população de 18 a 24 anos

    Imagem: Valterci Santos/UOL
  • Meta 13

    Elevar a atuação de mestres e doutores nas instituições de ensino para 75%, no mínimo, do corpo docente, sendo, do total, 35% de doutores

    Imagem: Silvia Zamboni/Folhapress
  • Meta 14

    Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação 60 mil mestres e 25 mil doutores

    Imagem: Marcelo Justo/Folhapress
  • Meta 15

    Garantir, no prazo de um ano, a criação de uma política nacional de formação continuada dos profissionais da educação, com capacitação inicial e oportunidades de formação continuada em nível superior de graduação e pós-graduação gratuita na respectiva área de atuação

    Imagem: Carol Guedes/Folhapress
  • Meta 16

    Garantir que, até o último ano de vigência do PNE, 50% dos professores que atuam na educação básica tenham concluído curso de pós-graduação stricto ou lato sensu em sua área de atuação

    Imagem: Andrea Mohin/The New York Times
  • Meta 17

    Equiparar o rendimento médio dos profissionais do magistério das redes públicas de educação básica ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência do PNE

    Imagem: Peter Leone/futura Press
  • Meta 18

    Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional

    Imagem: Luís Cleber/Estadão Conteúdo
  • Meta 19

    Garantir a efetivação da gestão democrática na educação básica e superior pública, informada pela prevalência de decisões colegiadas nos órgãos dos sistemas de ensino e nas instituições de educação, e forma de acesso às funções de direção que conjuguem mérito e desempenho à participação das comunidades escolar e acadêmica, observada a autonomia federativa e das universidades

    Imagem: Dill Santos/Divulgação/Icep
  • Meta 20

    Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil no 5º ano de vigência do plano e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final do decênio

    Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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