Reforma da Previdência

Marcelo Caetano, secretário de Previdência, fala como as novas regras da aposentadoria afetarão os brasileiros

Ricardo Marchesan Do UOL, em São Paulo
Alan Marques/Folhapress
Erasmo Salomão/Previdência/Divulgação Erasmo Salomão/Previdência/Divulgação

Reforma não vai cortar nada do deficit da Previdência

A reforma da Previdência não vai cortar em nada o deficit da área. Atualmente, o gasto do governo com a Previdência é de 8% do PIB (Produto Interno Bruto) e vai continuar assim. A mudança vai apenas impedir que o deficit aumente. A informação é do secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, em entrevista exclusiva ao UOL.

No final do ano passado, o governo propôs novas regras, que dificultam o acesso à aposentadoria, entre elas a idade mínima de 65 anos e a necessidade de 49 anos de trabalho para conseguir o benefício integral.

 

 

Mudar agora ou subir impostos

Se não fizer nada, a gente vai ter que suportar um aumento de carga tributária de 10 pontos percentuais do PIB. Ou seja, hoje, fazendo uma simplificação, de um ano que a gente trabalha, quatro meses a gente utiliza para pagar tributos. Então esses quatro meses ficariam algo na faixa de seis meses

Marcelo Caetano, secretário de Previdência do Ministério da Fazenda

O rombo é real?

Sindicatos e entidades que representam trabalhadores discordam do governo e afirmam que o rombo seria uma farsa.

Um dos argumentos é que o governo considera apenas a contribuição de trabalhadores e empresas para calcular o resultado da Previdência. Segundo a entidade, teria de ser considerada também a arrecadação de outras contribuições sociais, como a CSLL (Contribuição Sobre Lucro Líquido), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e PIS/Pasep.

Isso porque a Previdência faz parte da Seguridade Social, que também inclui Assistência Social e Saúde. 

Marcelo Caetano diz que a Previdência é deficitária, mesmo quando analisada a Seguridade Social como um todo. 

"Se a Previdência por si só já tem um deficit de R$ 150 bilhões, só o INSS, naturalmente que ela está puxando dinheiro de outras áreas. Esse dinheiro que está indo para a Previdência é o dinheiro que está deixando de ir para Assistência, está deixando de ir para a Saúde. Então, existe um deficit", afirma.

Ascom/Divulgação Ascom/Divulgação

Secretário evita falar em amenizar regras

O secretário evita falar na possibilidade de as regras da reforma da Previdência serem amenizadas pelo Congresso. Alguns deputados defendem que, se houver maior financiamento da Previdência, diminuindo o rombo, a reforma não precisaria ser tão dura.

Uma forma de aumentar esse financiamento seria acabar com as isenções a alguns setores, como entidades filantrópicas e microempresários, que não pagam INSS de seus funcionários.

Caetano afirma que essas isenções somaram pouco mais de R$ 30 bilhões em 2016 e que, portanto, não seriam suficientes para acabar com o rombo.

“O governo encaminhou essa proposta porque julga que é o caminho a seguir. Agora, naturalmente que nós vivemos num ambiente democrático", afirma. "Tem agora essa discussão na comissão especial (da Câmara, sobre a reforma). Se, de repente, no próprio ponto de vista do Congresso, observar-se que algumas renúncias previdenciárias merecem revisão, é uma coisa que entra em discussão, que faz parte de um ambiente democrático, e o Legislativo tem o poder de definir um pouco isso."

Caetano afirma que a projeção do governo é que, se a reforma for aprovada do jeito que está, não seriam necessárias outras reformas em curto prazo. A aposentadoria ficaria sem grandes mudanças por 30 anos.

Será preciso mais reformas nos próximos 30 anos?

De acordo com as hipóteses que nós estamos fazendo, não. Se aprovado nesses termos, de acordo com as hipóteses que nós estamos fazendo. Agora, mesmo projeções de um ano para outro já apresentam dificuldades. Então, quando a gente faz projeções de muito longo prazo, a margem de erro naturalmente existe

Marcelo Caetano, secretário de Previdência do Ministério da Fazenda

Gustavo Roth/Folhapress Gustavo Roth/Folhapress

Idade mínima de 65 anos já existe

Dois dos principais pontos da reforma são os requisitos básicos para uma pessoa conseguir a aposentadoria: 65 anos de idade e 25 anos de contribuição.

Atualmente, um trabalhador pode se aposentar se contribuir por 35 anos (homem) e 30 anos (mulher), pela regra de tempo de contribuição, que não tem idade mínima.

Para justificar a idade mínima proposta, Marcelo Caetano afirma que ela já existe, na aposentadoria por idade.

"Isso é uma realidade que já existe para grande parte dos aposentados homens do Brasil, que só conseguiram obter o benefício, principalmente no setor urbano, quando atingiram os 65 anos de idade", afirma.

A maior parte dos brasileiros se aposenta hoje por idade, quando chega a 65 anos (homens) ou 60 anos (mulheres). Uma das razões para essa ser a forma mais popular de aposentadoria é que ela exige um tempo menor de contribuição: 15 anos.

Como muitas pessoas trabalham sem carteira assinada, não conseguem pagar o INSS por tempo suficiente para se aposentar por tempo de contribuição.

Mas, com a reforma, as pessoas não conseguiriam mais se aposentar com 15 anos de contribuição, apenas com 25 anos, ou seja, dez anos a mais.

Caetano diz que o mínimo de 25 anos de contribuição "não é uma coisa tão alta assim", porque seria "um pouco mais" da metade do tempo de contribuição de uma pessoa que tenha começado a trabalhar antes dos 18 anos até atingir a idade mínima para se aposentar, de 65 anos.

Ele afirma que o governo não calculou quantas pessoas não conseguiriam atingir os requisitos mínimos, mas que "imagina que as pessoas venham a se aposentar”.

Reforma não aumentará número de pessoas que ganham o mínimo

Além do mínimo de 65 anos de idade e 25 anos de contribuição, a reforma da Previdência estabelece que as pessoas deverão trabalhar por 49 anos para conseguir o valor integral de sua aposentadoria. O longo período gerou críticas e piadas nas redes sociais. Mas o secretário Marcelo Caetano relativiza o impacto dessa medida.

Cerca de dois a cada três aposentados pelo INSS recebem um salário mínimo, segundo dados do instituto. Ou seja, é a maior parte. O secretário diz que, como não é permitido ganhar menos do que o mínimo de aposentadoria (algo que a reforma não muda), essas pessoas não teriam de trabalhar os 49 anos para conseguir o benefício integral.

Ele diz que, com a reforma, o tamanho dessa fatia de pessoas que ganham o mínimo não deve mudar. 

Sobre quem recebe mais do que o mínimo, o secretário diz que muitos já não recebem o benefício integral, por causa do fator previdenciário, que diminui a aposentadoria de quem para mais cedo de trabalhar.

Quem se aposentar com os requisitos mínimos, de 65 anos de idade e 25 anos de contribuição, receberá 76% da aposentadoria. "Se a gente for comparar com o fator previdenciário, do jeito que é hoje, muita gente tem reposição na faixa de 70%, até menos do que isso, então é uma reposição até maior o que as pessoas têm hoje", afirma. 

Cálculo da média da aposentadoria não vai mudar

Para calcular o valor das aposentadorias, o INSS faz uma média dos 80% maiores salários que o trabalhador recebeu, descartando os 20% mais baixos, de acordo com as regras atuais.

O texto da reforma da Previdência não cita essa média de 80%. Caso fossem considerados todos os salários, o valor final da aposentadoria cairia. 

Mesmo não sendo citado na reforma, o secretário Marcelo Caetano diz que a média continuará usando os 80% maiores salários, porque isso é definido por uma lei separada, que está em vigor e não faz parte da reforma. Para alterar o cálculo da média, essa lei também teria de ser alterada, segundo ele. Mas o governo atual não pretende mudar isso, garante.

Regras para se aposentar poderiam variar em cada Estado?

A reforma da Previdência define o mínimo de 65 anos de idade e 25 anos de contribuição para poder se aposentar. Isso valeria para o país todo, mesmo com as condições sociais e a expectativa de vida variando por Estado. Marcelo Caetano afirma que as regras de aposentadoria não poderiam ser diferentes de acordo com cada região.

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Previdência não resolve desigualdade homem-mulher

As regras de aposentadoria que valem hoje permitem que as mulheres se aposentem cinco anos antes dos homens. Uma das justificativas para essa diferença é que as mulheres fazem a dupla jornada -- além de trabalhar fora, são responsáveis pela maior parte das tarefas domésticas. Segundo dados do IBGE, elas dedicam quase o dobro do tempo dos homens aos afazeres da casa. E isso praticamente não mudou nos últimos11 anos. 

Outros dados do mercado de trabalho também indicam que elas têm salários menores, em média.

A reforma da previdência propõe acabar com as diferenças na aposentadoria. Homens e mulheres cumpririam os mesmos requisitos, incluindo os 65 anos de idade e 25 anos de contribuição.

Marcelo Caetano defende a mudança. Ele diz que essa igualdade nas regras é uma tendência mundial, e que as diferenças no mercado de trabalho têm diminuído.

“Uma coisa é reconhecer a existência de diferencial de mercado de trabalho entre homens e mulheres. Ainda que venha diminuindo ao longo do tempo. A gente observa que esses diferenciais são maiores para as mulheres mais velhas e são menores nas mulheres mais jovens, e com o passar do tempo esse diferencial também vai diminuindo entre homens e mulheres. Então há uma tendência  de redução", afirma.

Ele também defende que a Previdência não pode arcar com desigualdades do mercado de trabalho.

Uma coisa são questões de mercado de trabalho, outra coisa são questões de Previdência. Tudo bem. Existem de fato diferenças no mercado de trabalho entre homens e mulheres. Mas não vai ser a Previdência que vai resolver esse problema

Marcelo Caetano, secretário de Previdência do Ministério da Fazenda

Transição é "meio-termo" entre fator e regra 85/95

Os trabalhadores mais velhos terão um benefício na reforma da Previdência com relação ao tempo, mas não terão nenhuma vantagem no valor e também precisarão trabalhar 49 anos para receber aposentadoria integral, se o Congresso aprovar o projeto apresentado.

O governo propôs regras de transição a homens com 50 anos ou mais e mulheres com 45 anos ou mais. Eles não terão que trabalhar até os 65 anos para se aposentar, mas precisarão contribuir 50% a mais do tempo que falta hoje para sua aposentadoria.

"O intuito disso é que a gente consiga ter uma transição do regime atual para o regime novo em 20 anos", afirma o secretário. Ele diz que, se essas faixas forem alteradas, a transição vai ficar cada vez mais longa e poderá forçar uma nova reforma da Previdência pouco tempo depois da que está sendo discutida.

Sobre o valor das aposentadorias, Marcelo Caetano afirma que as pessoas que se encaixarem nas regras de transição terão um "meio-termo" entre o fator previdenciário, em que aposentados recebem em média 70% da aposentadoria, e a regra 85/95, que garante a integral.

Se você for comparar com o fator previdenciário, é até maior. Um homem com 53 anos (de idade), 35 de contribuição, ele vai pegar, por essa fórmula (da reforma), 86% (do valor da aposentadoria). No fator previdenciário isso seria mais baixo. Então está um meio-termo entre as duas regras que existem hoje (fator previdenciário e 85/95)

Marcelo Caetano, secretário de Previdência do Ministério da Fazenda

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