Monopólio do futebol na TV

É absurdo só Globo transmitir Copa, por causa de artifício ilegal no resto do mundo, diz chefe da RedeTV!

Do UOL, em São Paulo
Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL
Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

Marcelo de Carvalho, vice-presidente da RedeTV!, reclama que uma prática do mercado publicitário no Brasil cria uma distorção que leva a Rede Globo a ter ganhos de publicidade muito acima de sua audiência. Para ele, o artifício considerado crime em outros países permite que a emissora carioca tenha exclusividade, por exemplo, na transmissão da Copa do Mundo. “Todas as televisões adorariam transmitir o futebol”, diz Carvalho em entrevista na série UOL Líderes.

Antes de ter sua própria emissora, Carvalho vendeu merchandising para a Globo. Na entrevista, o engenheiro químico conta como entrou para o mundo da comunicação, fala sobre as crises enfrentadas pela RedeTV!, critica o ambiente de negócios no Brasil e diz que mudanças faria se ocupasse um cargo público. Ele também avalia a reviravolta que a internet está promovendo nos canais abertos de TV e dá sua opinião sobre a qualidade dos programas exibidos.

Briga de TVs para transmitir jogos

UOL - Vocês deixaram de exibir o Brasileirão série B e adquiriram o Campeonato Inglês. Por que é importante ter futebol na RedeTV!?

Marcelo de Carvalho - Eu adoraria, e acho que todas as televisões adorariam transmitir o futebol. Acho um absurdo, na Copa do Mundo, ficar 60%, 70% [do público] ligado num canal. Como a Globo fica com todo o dinheiro do mercado por causa do BV [bonificação por volume], que é uma comissão que os veículos pagam às agências e que nos Estados Unidos é crime.

Na França, já existia a criminalização disso, e recentemente o [presidente Emmanuel] Macron aprofundou a lei para o digital. Ela [a Globo] fica com um dinheiro tão grande que pode comprar tudo.

Vou dar um exemplo: trouxemos o UFC para o Brasil na televisão aberta. Passava no canal Combate, era pequenininho, ninguém assistia. Trouxemos e começamos todo final de semana a bombar. Até que fizemos uma luta no Rio de Janeiro e chegamos a ficar em primeiro lugar de audiência, por 10 ou 15 minutos, na frente da Globo.

Quando foi hora de renovar, o homem do UFC me falou: 'Marcelo, vamos fechar com a Globo. Eu não vou nem dizer quanto é que eles [a Globo] estão pagando'. [A Globo] Tem tanto dinheiro que paga o que quiser. A mesma coisa acontece com o futebol.

Alguns anos atrás o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] falou que o futebol não pode ser transmitido por uma emissora só. Houve um leilão, e quem ganhou foi a RedeTV! Nós oferecemos na época mais de R$ 500 milhões.

Assinamos o contrato com o Clube dos 13, e o que aconteceu? Acabou o Clube dos 13, porque a Globo fez a conta de quanto dava os R$ 500 milhões divididos pelos times, foi lá e falou: 'ele vai te pagar quanto? R$ 60 milhões? Eu dou R$ 120 milhões.' E acabou o Clube dos 13, acabou o negócio e ninguém falou nada. É um absurdo.

Ano passado a RedeTV!, o SBT e a Record criaram a joint-venture Simba para exigir um pagamento das operadoras de canais de assinatura. Mas vocês acabaram ficando fora do ar, perderam audiência. Foi um erro?

Foi o maior acerto das nossas vidas. Imagine uma coisa: além de a TV Globo ter 34% de audiência e ficar com 89% do dinheiro do mercado publicitário por causa do BV, ela ganhava bilhões das TVs a cabo, e nós, nada. Sendo que 70% de tudo ao que se assiste na TV a cabo é TV aberta.

A desculpa era a seguinte: 'Não pagamos a Globo, a Globo vai de graça, porque pagamos os canais da Globosat'. Você conhece alguma televisão a cabo que tenha só a GNT e não exiba a Globo? Está pagando para a Globo e está recebendo os outros canais. A audiência dos canais é 1% e a da Globo são 99%, dentro do pacote da Globosat.

Evidentemente que antes de desligar, nós falamos: ‘É justo, está aqui a nossa proposta’, e a resposta foi 'não vamos pagar'. Então, eu digo que a minha avó falava sempre que pau que bate em Chico bate em Francisco: há de existir uma condição de igualdade entre todos. Então, com toda a razão, desligamos os canais.

Você me pergunta se diminuiu a audiência. Sim, diminuiu a audiência da TV a cabo, porque as pessoas passaram a perceber que elas podiam assistir à RedeTV! no canal 9, e não no canal X, Y, Z da TV a cabo. E aí, a Simba assinou com todas as TVs a cabo.

Qual é a avaliação que você faz da qualidade da programação da TV aberta? Lembrando que há alguns anos a RedeTV! teve que ficar um dia fora do ar por uma questão ligada a direitos humanos de um dos programas da grade.

Eu vou entrar em um assunto que eu adoro, que é o que é politicamente correto, o que não é. Eu odeio o politicamente correto.

Nós tínhamos um programa do João Kléber, o Teste de Fidelidade. É muito engraçado porque as pessoas se manifestavam dizendo 'eu odeio o Teste de Fidelidade, é uma baixaria, é uma coisa horrorosa', mas o programa chegava a ficar em primeiro lugar na audiência. Temos uma minoria que reclama e que fala mais do que a grande maioria.

Como vivemos de vender, não dá para ter um rótulo, um carimbo, uma pecha de má qualidade. Outros canais sofreram com isso, dizendo que a sua programação era popular. Então abolimos 100% da programação que era tida como popularesca. Fiquei tristíssimo, porque dava muita audiência, e eu achava engraçadíssimo.

Você falou sobre o fim da baixaria, mas e o episódio no Carnaval da RedeTV! que foi muito falado?

No Carnaval uma menina se abaixou, ela estava com uma pintura corporal, e mostrou o derrière [a bunda], que não poderia ter mostrado. Infelizmente, nas transmissões ao vivo, não tem como prever determinadas situações.

O grande exemplo que dou, que aconteceu um pouquinho antes da nossa transmissão do Carnaval, foi o Oscar, um dos eventos mais celebrados no mundo, transmitido por várias televisões mundo afora, com os maiores artistas, diretores, produtores de Hollywood. Se somar tudo, lá tem mais de US$ 10 bilhões de cachê.

E o apresentador do Oscar deu o prêmio de melhor filme para o filme errado. Não é sensacional? Por quê? Porque é ao vivo, infelizmente acontece. E, portanto, o bumbum da mocinha apequenou-se perto de uma coisa dessa dimensão.

Foram adotadas medidas para se evitar isso?

No ano que vem, vai haver uma régua: a mulher só pode se abaixar até 73 centímetros, a partir daí não pode abaixar mais.

A luta pelo futebol

Melhor programa social é criação de emprego

UOL - Que decisões estão tomando para superar a crise econômica do país?

Marcelo de Carvalho - Por uma questão cultural –e eu acho que é um erro–, quando há uma crise, muitas empresas põe o pé no freio da publicidade. 'Onde é que eu vou cortar? Vou cortar na publicidade'. É um risco muito grande porque há um cemitério de marcas que eram conhecidas e depois deixaram de estar na cabeça do público, e com isso ficou muito mais difícil elas venderem e até sobreviverem.

Acho que, ao contrário, é na época de crise que existem as grandes oportunidades. Mas é uma coisa do mercado.

Houve uma retração enorme com essa crise. Tivemos três crises: uma institucional, com impeachment de presidente, mudou o governo; uma crise financeira, com inflação crescente, queda do PIB [Produto Interno Bruto], aumento do desemprego. E uma crise moral muito grande, afloramento de muitos escândalos, pessoas sendo presas. Tivemos um ambiente horrível.

Depois, assumiu o presidente Temer e, de fato, fez reformas que são extremamente importantes. Impor um teto de gastos, uma coisa óbvia, que todo mundo tem em casa, por que um país não tem que ter?

A reforma da Previdência deveria ser aprovada. Sou engenheiro: se aumentam a idade média e o número de pessoas e não corrige, uma hora quebra.

E não é que exista uma entidade chamada governo, que tem dinheiro. Não, o dinheiro é nosso, nós pagamos imposto.

Então hoje, de fato, conseguimos baixar a inflação, aumentar o índice de crescimento que estava negativo, e agora pelo menos está positivo, e conseguimos diminuir o desemprego. Mas aí vem a crise da delação da JBS, da gravação [com o presidente Temer]. Estamos de crise em crise. Então, o mercado foi afetado.

O que acontece conosco é que não navegamos no mainstream. Nosso discurso não é irmos de agência em agência dizendo 'olha, por favor, compra de mim, olha como eu sou bacana'. Até porque, se eu fizer isso, eu não vou vender nada, porque todo o dinheiro, por causa do BV, vai acabar indo para a Globo.

O nosso perfil é provarmos que damos soluções alternativas por um custo extremamente rentável e fazemos coisas que os outros não fazem.

Hoje, eu dou a solução na televisão, no merchandising e também no online. Mostrar o crescimento extraordinário que estamos tendo no online, mostrar que na nossa faixa nobre há programas pontuando enormemente, disputando posições importantes.

E sem dúvida nenhuma sermos muito agressivos comercialmente, ou seja, provar isso: olha, está aqui, testa, olha como funcionou, olha esse case como está bacana.

Lógico que, como o mercado inteiro, fomos afetados, mas pelo menos conseguimos manter o nosso nível de emprego intacto, o que é muito importante. E todos os funcionários recebendo em dia.

Inauguramos a sede nova em Brasília, que é uma coisa fantástica, inauguramos vários telejornais locais e inauguramos esse grande empreendimento novo que é a Peanuts [produção de conteúdo de youtubers]. Só as novas instalações da Peanuts compreendem 12 novos estúdios digitais, o que é uma coisa muito bacana e muito importante.

Você já falou em entrar para a política. O que gostaria de mudar se estivesse num cargo político?

Há várias coisas para mudar. Acho que existe uma lenda de que, se o sujeito ficar quieto, o Estado tem que cuidar dele. Não é verdade. O Estado tem que prover um caldo de cultura para as empresas crescerem, e as empresas crescendo vão dar mais emprego, e as pessoas vão ganhar melhor.

O maior programa de distribuição de renda que existe no mundo chama-se 'Mais e Melhor Empregos', não é o cara ser cliente do Estado. Então isso é uma questão de mentalidade.

Mais uma vez, o ecossistema do Brasil atrapalha a empresa. Comparado com qualquer país do mundo, quanto tempo se demora para abrir uma empresa, qual é o custo de abrir uma empresa, de mantê-la, de gerar o produto, o custo tributário?

A primeira coisa que eu faria seria ajudar o crescimento da economia do Brasil, quebrando esses paradigmas que não são verdadeiros. Não é verdade que deve haver essa complicação burocrática imensa, porque nos outros países do mundo não existe mais. Hoje as pessoas concorrem por competitividade, por produtividade, não por fechar o seu mercado.

A segunda coisa bastante importante é a seguinte: estamos em guerra civil aqui no Brasil, um país onde 65 mil pessoas são assassinadas por ano. E não estou falando do rico, que leva um tiro por causa de um Rolex. Estou falando do cara da comunidade, cujo filho ou filha não pode voltar da escola à noite senão leva um tiro.

Estou falando das crianças que não podem, como [se fazia] na minha época, andar de patinete. A gente brincava de carrinho de rolimã na rua. O problema da segurança é gravíssimo.

E temos a base de tudo, que é o nosso sistema educacional. Temos algumas instituições de ponta, até alguns colégios públicos muito bons, como o Sesi-SP, que têm uma atuação formidável, escolas que estão aí nesse caminho, mas infelizmente a grande maioria não. Então, temos que levar educação.

Além disso, temos que trabalhar na melhora da saúde pública. Um mínimo de saúde pública básica temos que ter. Não pode faltar vacina. Não estou falando que eu que tenho condições tenho que ir a um hospital público e ter saúde pública.

Nem estou falando que o Estado tem que prover saúde pública de graça. Quem tem que prover são as empresas. Porque todo empregado devia ser bem remunerado e a empresa pagar um plano de saúde bom para ele. Isso desoneraria o Estado.

Estou falando do básico, que é uma pessoa ir a um posto de saúde para tomar uma vacina contra o H1N1 e não ter. Isso é uma vergonha.

Fico muito feliz com o engajamento cada vez maior de pessoas que não são da classe política -vou citar o João Dória, o Flávio Rocha, da Riachuelo [a entrevista foi feita antes da desistência do pré-candidato] e outros-, que saem da sua postura cômoda, não precisariam, e vão dar a cara a bater, ser alvo às vezes de críticas injustas, para tentar melhorar. E evidentemente não querem roubar, porque não precisam, porque já são ricos.

Você acabaria com o Bolsa Família?

Não acabaria com o Bolsa Família. Mas eu cresceria a economia de uma maneira que ninguém mais precisaria do Bolsa Família. Precisa do benefício do Estado aquele que não tem a quem recorrer.

Mas, mais do que esse ‘pixulé’ que o sujeito ganha, que para ele é uma salvação, se ele tivesse um emprego bom, no qual ele ganhasse cinco, seis, sete vezes mais do que isso, e pudesse ter o orgulho de dizer para o filho dele 'estou empregado, eu produzo, olha o exemplo que eu dou', isso é o mais importante.

O ex-presidente [dos EUA Ronald] Reagan disse uma frase formidável: o sucesso de um programa social não é medido pelo número de pessoas que entram nele, mas sim pelo número de pessoas que saem dele.

Vamos dizer que o Bolsa Família dê R$ 80, R$ 100, R$ 200. Se o cara ganhar R$ 2.000, é melhor. Se o filho dele se formar numa faculdade para ganhar R$ 5.000, é melhor. E ele ter o incentivo de dizer para os filhos, para os filhos dos filhos, 'olha, eu fiz isso, eu construí isso'.

Eu vejo, por exemplo, a minha cozinheira, Benê, minha parceira –eu gosto de cozinhar, então eu fico na cozinha com a minha cozinheira, minha amiga. A filha dela se formou na universidade, já está empregada. O orgulho dela é bacana. Mas é porque ela tem um bom emprego, ganha bem, mora em São Paulo, está fora dos bolsões de pobreza.

Ela conseguiu comprar seu carro, sua casa própria, dar um estudo universitário para a filha, que bom para ela. Muitos não conseguem, mas, se a economia crescesse como um todo, se as empresas ficassem mais fortes, o Brasil teria tanto o que crescer.

O Rio de Janeiro tem potencial para ser um dos dois, três maiores destinos turísticos do mundo, arrecadar bilhões e nadar em dinheiro. Mas não. Por quê? Porque vai lá o turista e é assaltado, porque podem dar um tiro no cara para levar o tênis dele ou o celular.

Cadê a solução do Rio de Janeiro? Está no turismo, é óbvio, mas não dá para ter turismo com esse grau de violência. E a solução não passa pelo Estado ser o papai que paga a conta de todos, a mamãe passarinho que dá a minhoca na boquinha dos filhotes. Não é assim. Se o Estado não atrapalhar, o Brasil cresce.

Há algum tempo você chegou a negociar com Amilcare Dallevo, presidente da RedeTV!, a compra da sua parte na empresa. Ainda abriria mão da sua parte?

Não. Isso foi em 2011. Tive duas propostas de dois grupos internacionais para comprar a minha parte, e acho que foi um mau movimento que fiz, porque deu a entender que eu não estava entusiasmado com o negócio, e isso não é verdade. Foi simplesmente a minha alma comercial que sempre vai me levar a colocar um preço em qualquer coisa. Eu gosto de negociar. Tudo.

Mas acho que passou uma mensagem muito errada. Em 2012, concomitantemente ao auge da crise, nós dois tivemos uma reunião para discutir justamente isso. Mas nunca mais se falou desse assunto, e vou aqui dizer uma coisa: eu já tive três casamentos, filhos maravilhosos, mulheres ótimas, mas eu nunca mudei de sócio, nesse período todo.

O Amilcare e eu somos pessoas absolutamente complementares. Nós temos divergências grandes, o que é muito bom, porque um convence o outro, e com argumentos. E temos qualidades, para não falar dos defeitos, complementares. Onde um é mais falho, o outro completa. Então, não, hoje não venderia a minha participação na empresa.

"Odeio o politicamente correto"

Internet vira TV de "cabeça para baixo"

UOL - Sobre o serviço de streaming, a nova empresa criada pela RedeTV!, a Peanuts, já foi pensada para ir por esse caminho?

Marcelo de Carvalho - Já. A RedeTV! foi pioneira nisso porque toda a programação pode ser assistida ao vivo pelo nosso portal. Há um botão ‘ao vivo’, e você assiste de qualquer lugar do Brasil ou do mundo com excelente qualidade.

O modelo de negócio do streaming ainda precisa ser mais bem orientado, mas, sim, sem dúvida nenhuma, é uma das atribuições, uma das vertentes da Peanuts. Não é a maior porque eu estou disponibilizando, numa espécie de 'assista quando quiser', a minha programação.

A Peanuts, como agregadora de todos os conteúdos digitais da RedeTV!, tem que turbinar a nossa transmissão da televisão, seja através do portal, seja através das nossas matérias, seja através do streaming.

O público é que vai acabar com a distribuição da televisão como nós entendemos hoje no Brasil. Tudo o que entendemos hoje vai virar de cabeça para baixo, porque os antigos players, com raras exceções, estão pouco acostumados com isso.

Eu brinco que a emissora líder, se pudesse, botava todas as pessoas que trafegam no meio digital em um ônibus, para nunca mais voltar, porque é óbvio que gostaria que continuasse o status quo original. Esse mundo está virando de cabeça para baixo. Então todo mundo é player agora.

Você acredita que as pessoas no futuro, por poderem escolher ao que e quando querem assistir, vão ter que pagar por isso?

Acho que sempre vai haver conteúdos, principalmente os conteúdos premium, que são pagos e sempre vai haver conteúdos gratuitos. A televisão aberta, por definição, é gratuita para o telespectador. Temos aqui milhares de pessoas trabalhando, produzimos mais de 18 horas inéditas de programação por dia, e isso disponibilizamos gratuitamente para as pessoas que nos assistem.

Vamos continuar a ter distribuição gratuita de conteúdo. Só que vai haver outros produtos, cada vez mais premium, que serão pagos. Vou dar um exemplo do meu filho de 7 anos que entra em um determinado game para crianças: normalmente os games são gratuitos, só que, se você quer evoluir, vai pagar mais ‘x’. Esse exemplo eu não estou dizendo que se aplique agora à RedeTV ou à Peanuts, mas essa é a regra mundial. O conteúdo básico será gratuito, o conteúdo premium será pago.

Como funciona e como você vê o futuro da mídia programática? Já se fala nisso também na TV aberta?

A propaganda hoje acontece ou sob a forma de merchandising ou nos breaks, com comerciais. O sujeito está assistindo ao programa, mas não sabemos exatamente qual é a dispersão na hora do comercial, se o sujeito se levanta, vai ao banheiro, falar ao telefone ou ver se a polenta queimou.

A mídia programática é uma interferência que acontece durante a exibição do programa. Você tem um banner, por exemplo, que pode ser estático ou animado, e ele entra no programa da RedeTV!. Essa é a forma como o telespectador vê.

O anunciante recebe uma espécie de um painel no qual consegue ver online quantas pessoas foram impactadas por aquele estímulo comercial, como se ele estivesse anunciando na internet. É muito simples, só que é necessário um software proprietário para conseguir controlar isso.

Quando contratamos isso com um determinado anunciante, contratamos um determinado número de impactos. Então, necessariamente, entregamos aquilo, porque se está dando um pouco menos, exibimos em programas num momento em que a audiência está mais alta, para impactar mais pessoas.

O Estado e as empresas

A RedeTV é assim

  • Fundação

    1999

  • Funcionários diretos

    1.500

  • Empregos gerados indiretamente

    2.000

  • Número de anunciantes

    1.000

  • Unidades

    Cinco geradoras (Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo), 60 afiliadas e 700 retransmissoras

Da compra da Manchete à saída do Pânico

UOL - Você começou no mercado de trabalho vendendo produtos...

Marcelo de Carvalho - Sou engenheiro químico de formação. É uma coisa engraçada, porque eu não conheço outro executivo de televisão que seja engenheiro químico, e nós somos uma rede de televisão com dois sócios engenheiros. O meu sócio é engenheiro eletrônico, e eu sou engenheiro químico.

Num determinado momento da minha faculdade, não por opção, mas por necessidade, eu comecei a trabalhar em vendas. Eu me formei e, em vez de trabalhar em fábrica, continuei com vendas.

Comecei como trader, exportador de produtos domésticos. Depois eu peguei muito jovem uma empresa paralela que fazia todo o merchandising da Globo, que se chamava Apoio. Meu chefe era o Jorge Radid, uma pessoa absolutamente brilhante. Trabalhei numa época em que o doutor Roberto [Marinho] trabalhava, o Boni trabalhava.

No auge da Rede Globo, nós vendíamos novela com 90% de audiência. E essa minha carreira me levou para o meu lado empreendedor. No começo da década de 90, eu e o Amilcare [Dallevo] nos conhecemos e montamos uma empresa para prestar serviços de telefonia interativa para as redes de televisão, ou seja, os telespectadores poderiam participar de programas de televisão.

Um exemplo na TV Globo foi o ‘Você Decide’: as pessoas ligavam e podiam optar por 'Maria vai casar com João ou vai se separar do João?' Aí casou. 'Maria vai brigar ou vai ficar boazinha?' Normalmente Maria briga. Nós províamos essa plataforma de serviço.

Aí montamos uma produtora, essa produtora cresceu muito, e, no final, acabamos montando a RedeTV!.

Um olho meu sempre está em vendas, no comercial, em marketing, em como distribuir, está em saber como nossos produtos estão sendo aceitos. Nunca foi fácil, mas é uma história interessante, da qual tenho bastante orgulho.

Quando vocês adquiriram as concessões da Manchete, muito se questionou se vocês, de fato, tinham condições de fazer a aquisição. Vocês tinham condições?

A Manchete não existia mais, ela ficou um ano sem pagar seus funcionários. O governo falou: 'A Manchete acabou, até logo. Alguém quer ficar com as concessões?' Todos queriam ficar com os ativos, queriam ficar com as novelas: ‘Chica da Silva’, ‘Pantanal’, ‘Mandacaru’, queriam ficar com os prédios, as instalações, os estúdios.

Justamente nesta época vínhamos de uma empresa bastante capitalizada que era nossa empresa de produção. Fomos os únicos que falamos: 'ok, vamos operar os canais, mas não vamos ficar com nenhum ativo'. Tudo o que você viu da RedeTV! até hoje foi montado do zero.

Você ser empresário no Brasil, particularmente empresário de televisão, é uma coisa desafiadora, é uma loucura. Por duas razões: macro e micro. A macro: a legislação do Brasil.

O Brasil é um ambiente que trabalha contra o empreendedor, não trabalha a favor. O Brasil é o país que tem o maior número de ações trabalhistas do mundo, é uma usina que praticamente obriga o trabalhador a entrar com uma ação mentindo para ver se ele ganha alguma coisa. Porque a justiça trabalhista é uma loteria, é um cassino.

Até essa reforma muito bem-vinda que foi feita há pouco tempo. Se o cara perdesse, ele não pagava nada, e se ele ganhasse, ganharia o que ele pediu. Então quem não quer? Vou a um cassino e não preciso pagar as fichas se eu perder.

Depois, há o ambiente tributário, complicado, difícil. E o ambiente regulatório, terrível, falta de crédito, falta de lógica de crédito, tudo muito complicado.

E depois há o mercado. O mercado brasileiro de televisão aberta é uma anomalia, porque você tem uma rede de televisão que tem 34% de audiência hoje, na média. E, se você pegar o mercado publicitário, 89% do dinheiro está na Globo.

Fomos contagiados por ações trabalhistas que demoramos 14 anos para ganhar até o Supremo Tribunal Federal, até transitar em julgado.

Até hoje as televisões -nós, a Bandeirantes, a Record, o SBT-, realmente disputamos uma fatia do mercado que é infinitamente menor do que a nossa audiência.

Então é um ambiente extremamente difícil, e temos muito orgulho de ter chegado a essa pujança, a esse momento em que estamos, com milhares de empregados, todo mundo recebendo direito, com instalações de primeiríssima linha, sem ter R$ 1.

Quando você fala das ações que chegaram até o STF, são as ações da Manchete?

Gente que trabalhou para a Manchete em 1990 –a RedeTV! começou em 99– e o camarada falava assim: 'Eu quero receber dele, fui produtor deles'. E nós dizíamos: 'Então diz qual é a cor do estúdio, onde é a porta do estúdio?’ Não sabia. Mas aí entra na Justiça, pede o quer e ganha. Aí você tem que defender, defender, defender, e no transcorrer disso perdem-se centenas e centenas de milhões de reais.

O ecossistema para o empreendedor no Brasil é muito difícil. Empreendeu aqui, faz sucesso em qualquer lugar do mundo. Vai para Harvard e dá aula.

Mas, então, vocês chegaram a assumir o passivo trabalhista?

Não, nós jamais assumimos. Nós fomos acionados e depois ganhamos.

Porque o seu sócio chegou a comentar em uma entrevista à época que isso seria assumido por vocês, não?

Não, jamais, nunca. Por isso é que nós não ficamos com os ativos, nada, nem uma lâmpada. Só ficamos com o canal, não temos mais nada. Isso é uma coisa lógica. Só que no Brasil, uma coisa lógica como essa demora 14 anos para você conseguir ganhar.

A RedeTV! também teve que superar a perda de programas importantes em 2012...

Acho legal falar disso, porque as histórias de superação nos ensinam, e são lições que podemos passar para os outros.

De 2011 para 2012 aconteceram várias coisas: primeiro houve uma restrição de crédito muito grande, por conta de uma dessas crises no mercado financeiro. Segundo, nós perdemos o nosso programa mais visível na época que era o Pânico.

O Pânico saiu daqui em fevereiro de 2012, e as pessoas falavam: 'Agora os caras não vão para a frente, agora os caras vão quebrar'.

Faz parte de todo canal de televisão os artistas irem para outros lugares, programas migrarem para outros lugares. Isso é normal. Há artistas de Hollywood que estão no estúdio A e vão para o estúdio B, programas importantes que acabam.

No caso, o problema foi que eles saíram atirando, falando mal. Então foi muito difícil para nós, porque criou uma imagem muito negativa. Mas fomos como formiguinha, trabalhando, reduzimos custos, buscamos aumentar as receitas e fundamentalmente olhar para a grade de programação.

E, com muita felicidade, vejo que o Encrenca, que hoje ocupa o lugar que era ocupado pelo Pânico, dá mais audiência, com uma rentabilidade muito maior. E noto, até com tristeza, porque os humoristas eram extremamente talentosos, que o Pânico, que foi para a Bandeirantes, acabou.

Então você vai na receita clássica: tem que cortar despesa, aumentar receita e olhar para o seu produto.

Acho que uma hora o Pânico perdeu a identidade de ser um programa de humor, saudável, da família, a que todo mundo assistia junto, a garotada gostava, e passou a ser uma programa muito picante, muito sexual.

O Encrenca trouxe de novo aquela ingenuidade no humor que todo mundo gosta, e hoje nós estamos caminhando para dois dígitos de média, num embate grande a cada semana pelo segundo, terceiro lugar, com mais de 10% de share e faturando muito bem.

Depois da crise que aconteceu agora, em 2016/2017, fomos a rede de TV que menos cortou gente, a que mais estreou programas e a que mais ampliou a sua rede física de afiliadas.

Isso é uma lição bacana para nós e também para o empreendedor: não desanime quando há crises.

Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL

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