Ninguém gosta de pagar juros

Taxas cobradas pelos bancos afetam imagem e causam reclamações contra o setor, diz chefe do Banco Toyota

Lucas Lima/UOL e Arte/UOL
Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

Reclamação à vista

A percepção dos bancos na sociedade é afetada negativamente pelas taxas de juros, que sempre são vistas como exageradas, avalia o diretor-presidente do Banco Toyota do Brasil, Luiz Montenegro, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes.

Para ele, os bancos precisam se comunicar melhor com a sociedade. Também considera que o brasileiro tem baixa educação financeira, afirma que as instituições do setor devem ajudar a melhorar isso e espera que os juros cheguem a uma faixa "digna", o que, na sua visão, seria abaixo de 1% ao mês.

Os juros e a imagem dos bancos

UOL - Os bancos são muito criticados pelos clientes, têm uma imagem muito ruim. Como encaram isso?

Luiz Montenegro - A gente vem trabalhando cada vez mais para demonstrar que as instituições financeiras têm vários papéis. O primeiro papel é o de emprestar. Muitos pensam que é só isso, mas há muito mais. Em um país onde a população tem uma capacidade de poupança, a função do banco é ser o guardião dessa poupança, desse investimento, fazendo isso de uma forma boa, para que o consumidor se sinta devidamente remunerado por ela.

Na outra ponta, quando o consumidor precisa de financiamento, que ele tenha a sensação de que está pagando um custo justo em relação ao benefício que está obtendo. Essa relação precisa ser mais sedimentada.

Já fiz várias vezes essa pergunta em vários locais do mundo sobre o conceito das instituições financeiras, e não é só privilégio do Brasil [a imagem negativa]. É ao redor do mundo, porque a percepção é de que existe um ganho muito grande [dos bancos]. Não é bem assim. 

Os meios de comunicação hoje são muito mais eficientes, e isso pode ajudar o sistema financeiro a se comunicar melhor, de forma mais rápida, mais transparente, e esclarecer esse tipo de coisa. Hoje, se você tem um problema, vai para a internet e quase em real time está em todas as mídias. Todos estão tentando se comunicar melhor, de forma mais transparente, para melhorar essa percepção, não só do mercado financeiro, mas de qualquer outro setor.

O que o mais desagrada os clientes de um banco?

Os juros. É óbvio que ninguém gosta de pagar juros, mas todo mundo gosta de receber, ter uma poupança. O Brasil vem em uma oscilação de taxas de juros muito grande. Hoje, por exemplo, é notória essa redução constante promovida, não só pela política monetária, mas também por todo o mercado financeiro.

Mas, de qualquer maneira, ainda existe essa percepção -que é justa- de que as taxas de juros reais no Brasil são muito altas. A tendência, se o governo continuar aplicando essa política e se os spreads bancários continuarem sendo reduzidos, é a gente ter esse item de certa forma melhor resolvido para o futuro.

A educação financeira ainda é uma barreira na população brasileira. A educação financeira realmente ainda precisa ser mais assimilada pela população.

Eu tenho uma atuação na Febraban, e nós oferecemos programas de educação financeira pesados.

Fazemos workshops e temos o site. Nós esperamos que cada vez mais a população em geral se desenvolva nesse sentido para exercer o seu direito de fazer pesquisa e saber onde se paga uma taxa de juros menor, como pode utilizar os seus recursos por meio de financiamento ou investimentos.

Essa é a principal barreira em que a gente vem trabalhando. Mas a população também precisa se conscientizar de que deve conhecer melhor os aspectos financeiros da economia brasileira.

O que você precisa fazer na hora de comprar qualquer coisa é primeiro pesquisar o valor do bem em vários fornecedores e, segundo, se for financiar esse bem, ter certeza de que vai pagar a menor prestação. Quanto vou pagar de entrada? R$ 10 mil. Quanto vai ser a minha prestação? R$ 500.

Faça uma pesquisa e escolha o que for menor, mesmo sem conhecer qual é o tamanho dos juros. Isso daí é uma atividade que deve ser mais bem assimilada.

Os juros no Brasil estão com um viés de chegar a taxas comparáveis às de outros países mais ou menos do mesmo porte do nosso. Se isso acontecer, o consumidor vai se sentir motivado a comprar carros por meio de um financiamento a taxas, digamos assim, mais dignas.

Que taxas o sr. consideraria dignas?

Abaixo de 1% já é uma maravilha, se acontecer... Abaixo de 1% ou próximo disso.

E não há um papel dos bancos na educação financeira das pessoas?

É um papel primordial porque ninguém melhor que os bancos para conhecer os meandros financeiros desse mercado. As inconsistências, os custos, os riscos. Nós temos programas de análise de crédito, cred scoring, extremamente avançados exatamente para calcular esse tipo de risco, e a responsabilidade de um banco, óbvio, é que aquele tomador, com aquele risco, vai ter problema, e como bom pai e uma boa mãe, vai dizer não.

Um bom pai não é aquele que fala sim para os filhos, mas o que também sabe dizer não. O Banco Toyota desenvolveu junto com a Toyota Financial Corporate na Índia um sistema em que dizemos para o cliente que ele pode ter um financiamento dentro de certas condições.

Há dez anos era sim ou não, ou aprova desse jeito ou não aprova. Ficamos mais flexíveis e agora estamos desenvolvendo um sistema para dizer isso automaticamente. Baseado no seu perfil de renda, perfil de empregabilidade e outros perfis, nós dizemos sim para seu empréstimo se você fizer isso: X% de entrada, uma parcela de Y reais. Assim, você não vai ter problema de pagar.

Como os bancos veem o cliente brasileiro?

Há uma certa limitação do conhecimento financeiro, uma certa vergonha de fazer muitas perguntas para tirar dúvidas [na hora do financiamento]. Acredito que isso não seja só no Brasil.

O brasileiro precisa melhorar nesses dois pontos: educação financeira e necessidade de entender aquilo que está fazendo.

Mas está melhorando. As novas gerações não se contentam em fazer compras emocionais, não se dão por satisfeitos com qualquer informação.

Eles realmente pesquisam, vão em todos os sites. Demoram até um pouco mais para tomar decisões, nesse aspecto de compra, mas quando tomam, tomam conscientes.

Hoje em dia no mercado automobilístico essa geração mais nova entra no concessionário sabendo igual ou mais do que o vendedor. Eles não deixam barato, fazem com que tudo seja esclarecido, e isso é muito bom para todos os lados, porque temos a consciência de que estamos fazendo uma venda justa, e o consumidor tem a consciência de que está comprando aquilo que queria ou que resolveu efetivamente comprar.

Longe do momento ideal, ainda, mas estamos caminhando para esse momento.

Os juros e a imagem dos bancos

Brasileiro tem vergonha de perguntar sobre finanças

UOL - Como uma pessoa pode evitar erros na hora de fazer um financiamento?

Luiz Montenegro - Pesquiso muito o Reclame Aqui. E vejo reclamações muito por falta de conhecimento. A pessoa às vezes fecha um negócio sem saber exatamente o que está fechando.

Talvez seja uma característica brasileira de ter um certo receio no momento da negociação de pegar pesado com o vendedor e falar: "Quero entender isso melhor. Não entendi aquilo." Ir mais fundo nos aspectos negociais daquilo que está fazendo.

As pessoas precisam perder a vergonha de fazer perguntas. E ter certeza de que entenderam, não importa se fazem a pergunta três ou quatro vezes.

Na maioria das vezes, o problema não é o entendimento do consumidor, é a forma como o vendedor está explicando. O vendedor não está atingindo o nível adequado de explicação para que uma pessoa normal consiga entender aquilo que está fazendo.

Isso é um aspecto relevante, não só no mercado automobilístico, estou falando de qualquer coisa. Comprou um apartamento, um imóvel, um terreno, um cachorro em um pet shop. Falta um certo tempo para que a pessoa tenha certeza daquilo que está consumindo.
 
As pessoas têm vergonha de parecer desinformadas?

A pessoa às vezes tem aquela vergonha de falar: "poxa, não entendo nada disso! Estou aqui passando o papel de desconhecedor da coisa." Ninguém é obrigado a entender essas coisas de primeira.

O sr. acha que as pessoas e os bancos tratam responsavelmente as finanças?

Isso evoluiu bastante no Brasil. Em 2009, quando o mercado de crédito estava muito aberto, o mercado automotivo chegou a vender quase 4 milhões de veículos no país.

Havia uma oferta de produtos, mas também uma oferta enorme de crédito. As pessoas calculavam que os juros estavam baixos, juro zero, juro de 0,99%, e ainda não tinham de pagar entrada.

Elas iam lá e compravam um carro compacto. Parecia que a prestação daria para pagar. Saía dali empolgado, com a família inteira. Para em um posto de gasolina empolgado e tinha de encher aquele tanque. E percebe que isso não estava na conta. Daí vai estacionar o carro em um estacionamento de shopping. Entra no shopping e, por conta da empolgação, vai comprar alguma coisa.

Assim sai de lá com prestação do carro, prestação do seguro, um carnê de roupa para a família. Ou seja, infelizmente dançou, consumiu mais do que aquilo que a renda permitia consumir. Havia muito disso. Todo o mercado sofreu. O mercado financeiro amargou um índice de inadimplência muito alto.

Teve que parar de operar praticamente ou reduzir muito as operações. O consumidor infelizmente teve de pagar as dívidas. A maioria acho que pagou, uma característica muito importante para citar em relação ao brasileiro.

O brasileiro não gosta de ficar devendo. Ele quer pagar as dívidas, o problema é que às vezes não sabe como, por conta daquilo que consumiu.

No final das contas, penso que todo mundo aprendeu. Foi um processo de aprendizado de todos. Hoje o mercado está muito mais consciente. Algumas pessoas falam que os bancos fecharam as portas. Não é bem assim. Houve uma conscientização muito maior de como prover recursos ao longo prazo ao público consumidor.

E esse público também está mais restrito. Hoje em dia os índices de rejeição de crédito são muito menores, não porque os bancos queiram oferecer menos crédito, mas porque o consumidor que quer tomar o crédito vai com mais consciência do que pode pagar, ou pelo menos tem uma razoável segurança de que pode pagar.

O sr. não  acha que essa conscientização pode ser só medo da crise? Que, quando a economia melhorar, a situação volte a se descontrolar?

É um conjunto de fatores. Crise, desemprego, taxas altas, uma conscientização dos bancos. Quer dizer, esse conjunto de fatores faz com que isso aconteça. Óbvio  que se houver um momento de empolgação lá na frente, um boom, claro que vai haver uma distorção, mas com certeza muito menor, em patamares muito mais razoáveis dos que houve no passado.

Com certeza, ninguém vai oferecer mais financiamento de cem meses. Isso já aconteceu lá atrás. Financiamento de um automóvel em cem meses, para o Brasil, ainda estava um pouco prematuro para acontecer. Aliás, eu não conheço nenhum país no mundo que ofereça cem meses.

Falta educação financeira

Leasing para financiar carros?

UOL - O financiamento no Brasil tem soluções que só são praticadas aqui?

Luiz Montenegro - Há soluções que não temos. O leasing operacional, que não é um financiamento, não é um aluguel de carro, mas é um híbrido dos dois, existe lá fora, nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa. Mas não temos no Brasil, exatamente pela volatilidade da nossa economia.

É um produto que sempre pressupõe uma estabilidade financeira para que todos possam prever o que acontece daqui a dois, três anos, porque nessa modalidade de leasing  o consumidor simplesmente devolve o carro para a empresa de leasing e pega outro carro, e a empresa de leasing se encarrega de vender esse carro e auferir um ganho ou uma perda nesse negócio no final do contrato.

No Brasil, ainda é um pouco difícil de ter essa previsibilidade, embora já existam empresas que ofereçam esse tipo de leasing, principalmente para frotas, para administração de grandes volumes de veículos e empresas. São mais arrendamentos corporativos. No exterior este tipo de financiamento é usado por pessoas físicas. 

A vantagem seria poder trocar de carro sem preocupar em vender o seu atual?

Exatamente. Não precisa se preocupar com a venda desse carro no final. Ele só precisa conservar aquele carro direitinho como se fosse seu para que, ao final desse período, ele devolva o carro e pegue um outro. Esse é o que nós não temos aqui, e lá fora tem.

O que nós temos aqui é um produto chamado Ciclo Toyota, que cobre a lacuna do leasing operacional. O cliente adquire o carro num financiamento. Ele dá uma entrada de 30%, paga 24 ou 36 parcelas e, ao final do contrato, tem uma parcela balão ao redor de 30% do valor do bem. Mas ele não precisa necessariamente pagar essa parcela. Ele devolve o carro, por um preço de mercado, e o carro cobre o valor da parcela final e o valor da entrada de um novo veículo. E ele fica sempre trocando de carro, como se fosse um leasing.

Com relação ao número de prestações de um financiamento, o Brasil é muito diferente do resto do mundo?

As pessoas não se preocupam muito por quanto tempo vão pagar aquele carro porque elas reservam X% da renda mensal e pronto. Não importa se o financiamento vai a 60 meses, a 80 meses, porque ela sabe que daqui a 24 meses está na hora de trocar de carro. Vai ao concessionário, faz a troca e continua pagando uma prestação muito próxima à anterior.

Hoje no Brasil o prazo médio de um financiamento gira em torno de 40, 42 meses no máximo. Eu diria a você que esse é o prazo médio, porque há 60 meses também, mas no caso da Toyota o cliente financia um carro por 36 meses, mas não aguenta e quer trocar esse carro antes e daí ela troca em uma média de 27 meses. Isso é o Brasil, tudo acontecendo muito rápido.

Vergonha de perguntar e entender

O Banco Toyota é assim:

  • Fundação:

    1937 no mundo (Toyota Motors) e 1999 é o início da operação no Brasil (Banco Toyota)

  • Funcionários no mundo:

    349 mil (Toyota Motors)

  • Funcionários no Brasil:

    150

  • Atendimentos:

    5.500 financiamentos e operações de leasing por mês (Brasil) e 300 mil no mundo

  • Unidades:

    Uma no Brasil e 37 no mundo

  • Financiamentos:

    Realizados em 2016: R$ 2,3 bilhões (Brasil). Previstos em 2017: R$ 2,9 bilhões (Brasil)

  • Lucro recorrente previsto em 2017:

    R$ 104 milhões (Brasil)

  • Participação do Brasil nos resultados globais da empresa:

    2%

  • Porcentagem de mercado:

    Market share na venda veículos: 8,5% (Brasil) e 10,2% (mundo)

Chats devem substituir call centers e melhorar vida de clientes

UOL - Como avalia a relação com os clientes?

Luiz Montenegro - Nós temos regras extremamente rígidas para, por exemplo, atendimento dos clientes nos nossos call centers. Nenhum cliente pode deixar de ser atendido. E isso vem evoluindo de uma forma bastante efetiva. O desenvolvimento tecnológico e o monitoramento disso é que vão fazer que haja uma melhor percepção não só do nosso setor, mas de muitos outros setores. Vamos ter que trabalhar melhor. Não tenho a menor dúvida.

Call center é sempre um ponto de reclamação dos consumidores. Como resolver isso?

Com tecnologia digital e educação. Nós atendemos no Banco Toyota, um banco pequeno, de 140 mil clientes, 37 mil ligações por mês. Um negócio incrível. Por que tantas pessoas ligam? Não ligam para reclamar só. Ligam para tomar informações, para saber como estão as coisas.

Implantamos um sistema digital no qual 80% das dúvidas podem ser tiradas por meio da web. Então, a coisa está se alterando, e acredito que muito em breve o número de acessos ao site do Banco Toyota será muito maior do que pelo telefone.

Isso vai acontecer no mercado inteiro. O cliente não vai precisar ficar esperando para alguém atender. Acaba isso. A pessoa vai acessar a web, fazer perguntas e praticamente em um chat receber a resposta imediatamente.

Com isso, nós vamos ter que ter pessoas mais preparadas, profissionais cada vez mais preparados para poder dar uma resposta a tempo e adequada ao consumidor. Eu acho que essa é a evolução dos call centers no mundo inteiro.

Qual é a função e como funciona um banco de fábrica de carros? Atende também a pessoas que não são clientes da Toyota?

A Toyota criou há muitas décadas um braço financeiro chamado Toyota Financial Service Corporation para poder, exatamente, tratar o financiamento ou o arrendamento mercantil de veículos da marca ao redor do mundo.

Hoje nós temos 37 empresas espalhadas em vários países. Este banco nasceu exatamente com essa missão, oferecer produtos financeiros que suportem as vendas dos produtos da marca, que são os veículos.

Além disso, nós também oferecemos financiamentos para aqueles veículos que vocês encontram nos showsrooms das concessionárias. As lojas não precisam pagar os carros antes de vendê-los. Elas financiam e pagam quando os vendem.

Paralelamente a isso, também oferecemos seguros, não só de carros, mas também o seguro prestamista, que cobre eventual perda de emprego, por exemplo. São serviços oferecidos a todos os consumidores.

E o que diria para um jovem em início de carreira?

A primeira coisa é a seguinte: não saiam do Brasil. Fiquem porque a gente precisa de mentes brilhantes aqui também. A segunda: informem-se, mas transformem essa informação em conhecimento, ou seja, busquem informações úteis e as transformem em conhecimentos úteis para a vida, para a economia, para a família, para tudo. E sejam bastante visionários.

Lucas Lima/UOL e Arte/UOL

Curtiu? Compartilhe.

Topo