UOL – É possível usar produto de beleza fora da validade? Existe alguma diferença entre a validade no Brasil e no exterior?
Flávia Bittencourt – Data de validade no exterior é normalmente depois que abriu o produto. Vai passar uma máscara, normalmente vem escrito: ‘vale por seis meses após a abertura do produto’, porque aí, sim, ela pode ressecar e não ficar com a mesma qualidade que teria se estivesse fechada. Um batom, a mesma coisa, ele pode derreter, pode ficar no sol.
No Brasil, a data de validade é a partir da data de fabricação, o que é muito diferente do que acontece lá fora. E isso é complicado, principalmente quando você trabalha com importação. Imagina, tem de estar preocupado em mandar para o Brasil logo o primeiro lote que foi fabricado e fazer o acompanhamento dessa data de validade em todos os nossos sistemas, em todas as lojas. É muito difícil. E os nossos sistemas, até por ser uma companhia internacional, não estavam preparados para isso, porque isso só acontece no Brasil.
Posso usar depois da data de validade? É isso. Se for da data de fabricação e ele está fechadinho, você nunca usou, dificilmente vai ter algum problema. Em nenhum lugar do mundo tem. Agora, depois que você abriu, aí sim tem de tomar certo cuidado, onde é que você deixou, que exposição teve ao calor, ao sol, se foi corretamente fechado ou não, enfim.
Imposto é um vilão no caso dos importados? Existe alguma possibilidade de termos no futuro preços menos assustadores de importados?
Imposto é um problema de importação? Claro que é. Óbvio que ter um produto produzido no Brasil é mais barato do que um produto importado. Por outro lado, também depende da escala.
Quando é produzido em escala mundial, o custo daquele produto muitas vezes fica baixo e, mesmo com a carga de imposto que você tem no Brasil, ele não chega tão caro. São várias coisas que têm de ser levadas em consideração.
Diria que o setor de cosmético como um todo tem bastante imposto em cima, justamente por ser considerado supérfluo. Quando você olha a quantidade de imposto que há sobre um perfume, um batom, um produto para a pele, é bem pesado, seja ele nacional, seja importado. Claro que o importado acrescenta mais, até porque existem o transporte e o imposto. Mas o cosmético, como um todo, tem uma base tributária alta.
A maior parte dos produtos vendidos na Sephora é importada. Há alguma perspectiva de mudança?
A barreira é você encontrar produtos que sejam bacanas, que a consumidora queira, que sejam bons, de qualidade. Esse é o filtro que nós fazemos. Não é se o produto é importado ou nacional. Temos marcas nacionais bacanas, e não há problema nenhum em aumentar isso.
Na verdade, fico procurando marcas bacanas no Brasil, que tenham uma qualidade alta, que tenham um valor percebido pelo cliente para colocar na loja.
A Sephora, na verdade, é uma grande curadora de marcas, porque tenho a possibilidade de olhar no mundo todo e ver o que há de bacana para a brasileira. Se essa solução estiver aqui no Brasil, melhor ainda.
Qual é a política da Sephora para produtos testados em animais? Vocês têm alguma barreira para isso?
Temos, por exemplo, a Kat Von D, que é uma marca vegana, completamente focada em ter o produto mais clean, que é uma nova tendência do mais natural possível, com menos testes.
Tudo isso, claro, encarece um pouco o produto, porque você quer que ele não tenha teste, que seja o mais natural possível, mas, ao mesmo tempo, que tenha alta fixação, alta pigmentação. Então é sempre um balanço de como você faz essas coisas todas.
Temos uma Kat Von D, uma Clinique, uma série de marcas que têm essa bandeira de não testar em animais. Mas não é uma política necessariamente da Sephora como um todo, nem no Brasil nem globalmente.
Até porque as marcas que são do grupo da Sephora não são cruelty free...
Mesmo as marcas do grupo LVMH [união dos nomes Louis Vuitton e Moët Hennessy, o grupo francês reúne marcas de luxo em vários segmentos. Produtos Dior, Guerlain, Givenchy, Kenzo, Kat Von D, entre outros, fazem parte do portfólio; a Sephora também integra o grupo] não temos obrigação nenhuma de tê-las ou não no nosso portfólio. A curadoria de marcas que vendemos aqui no Brasil é feita no Brasil, para brasileiras.
O que tentamos ver é a aceitação e a adaptação dessas marcas, e já trouxemos para o Brasil marcas que não funcionaram e são top ten vendidas lá fora. Se no Brasil a consumidora não se identificou por algum motivo, não temos problema nenhum, a gente tira a marca e traz outra.
Essa é uma das coisas que estamos aprendendo cada vez mais, dificilmente trazemos uma marca que entra ocupando um espaço muito grande na loja, começamos com 'one bay' [uma parte], testamos, vemos se há uma conexão, colocamos no site primeiro e, a partir daí, vamos expandindo.
É possível fazer um produto de qualidade sem usar testes?
Com certeza é. De novo: custa mais caro. É sempre uma questão de custo, é muito mais do que só da qualidade. Vai ficando mais caro, vai ficando mais difícil. Mas é possível fazer, e já existem muitas marcas.
Essa é uma tendência cada vez maior, principalmente o consumidor millennial vem buscando cada vez mais isso, e as marcas têm tentado responder. Acho que é esse o balanço: como trabalho custo, como trabalho um produto o mais clean possível e ao mesmo tempo de alta qualidade, alta durabilidade, muito eficiente.
Estávamos comentando outro dia que a geração da turma de 40, 50 anos acredita menos em produtos naturais. Talvez porque na época em que começamos a testar produtos de beleza, os naturais não eram tão eficientes, era uma escolha entre um produto natural ou um produto de qualidade.
Hoje em dia isso já não é mais verdade. Você tem produtos naturais com qualidade enorme, e é isso o que tentamos mostrar para a consumidora.
Você apostou num modelo de quiosque. Foi com a intenção de trazer um público que não seria atraído de imediato para as lojas?
Foi para tentar resolver um problema. As pessoas pensam: ‘puxa, na loja da Sephora, é tudo importado, então deve ser caro’. Brasileiro tem essa ideia de que, se é importado, é caro. A segunda coisa é que as pessoas pensavam que a nossa loja é tão luxuosa, tão bonita, então é cara.
Não era essa a nossa intenção. Queríamos ser democráticos, queríamos que todo cliente pudesse entrar e comprar na nossa loja. Com esse objetivo, eu fiz uma análise, pegamos a nossa marca própria que é a Sephora Collection e baixamos o preço no Brasil, alinhamos com o preço dos competidores locais, marcas tradicionais brasileiras, que todas as brasileiras consomem.
As vendas subiram, mas pouco. Nós fizemos uma pesquisa, e as clientes continuavam não entrando [nas lojas]. Havia produto que elas costumam comprar, no preço que elas costumam comprar, colocamos o produto na vitrine e, mesmo assim, havia um bloqueio de ela entrar na nossa loja.
Bloqueio esse que não acontece no site. No site, 60% das nossas vendas é para cliente classe C. E na loja essa conexão com a cliente de uma renda mais baixa, mais média, não acontecia. Qual foi a ideia? Vamos tirar a marca de dentro da loja.
O quiosque é muito democrático, você não tem nem de passar pela porta. Vamos ver se essa consumidora vem e interage com o nosso produto e cria uma conexão. E o resultado foi fantástico, realmente elas vieram, compraram. E depois ela continuava essa compra, passava a entrar na loja, ia para o site.
Há outras coisas que o quiosque ajuda, a testar alguma marca, aumentar o conhecimento de marca, e para expansão é muito mais fácil abrir um quiosque do que abrir uma loja. Mas o objetivo principal foi esse: falar com uma consumidora que, por algum motivo, se sentia inibida de entrar na nossa loja.