Trabalhador aqui é esforçado

Funcionário brasileiro tem vontade de aprender, diferente de outros, diz o chefe francês do Ibis no país

Do UOL, em São Paulo
Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL
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O francês Patrick Mendes, CEO da AccorHotels na América do Sul, que inclui hotéis como Ibis, Novotel, Sofitel e Mercure, é um entusiasta do Brasil. Para ele, a simpatia dos brasileiros os torna diferentes como funcionários, mais dispostos a melhorar os serviços.

Nesta entrevista exclusiva para a série UOL Líderes, ele fala, entre outros, do potencial turístico do Brasil, da disputa com empresas de aluguel privado, como o Airbnb, e do excesso de oferta de quartos no país depois da Copa e das Olimpíadas.

Otimismo, vontade e curiosidade do brasileiro são impressionantes

Para o setor de serviços, em que se incluem os hotéis, a chamada "experiência" do cliente conta cada vez mais. É basicamente como ele se sente tratado. Para isso, é preciso que os equipamentos estejam em ordem (um wi-fi rápido, um chuveiro quente, TV grande, ar-condidionado com a temperatura certa) e que os funcionários sejam bem treinados.

"Nós temos quase 16 mil colaboradores no Brasil. É um desafio garantir consistência de experiência para o cliente", afirma Patrick Mendes, CEO da AccorHotels na América do Sul.

Segundo ele, esse desafio no país é compensado pelo esforço do brasileiro. "É muito mais fácil para nós do que em outros países -e eu trabalhei em vários. Realmente vejo no Brasil muito mais facilidade para formar as pessoas. Os colaboradores são muito mais inclinados e empenhados em providenciar uma experiência diferenciada."

O brasileiro tem uma grande capacidade de aprendizagem. O otimismo, a vontade e a curiosidade são impressionantes. Sendo de fora, vejo uma diferença enorme. Há uma curiosidade real, sincera de querer ser melhor e aprender

A empresa tem seu próprio centro de treinamento, a Academia AccorHotels. Mendes diz que, quando abre um curso, sempre há mais candidatos do que vagas.

"Essa academia treina milhares de pessoas. Todos os anos os nossos colaboradores têm vários dias de treinamento e acesso a uma plataforma online, onde eles podem fazer tudo, desde gestão, saber como acolher um cliente, conhecimento de vinho, como fazer uma cama, tudo."

 

É difícil planejar negócio no país

Copa e Olimpíadas atraíram hotéis, mas riquezas do país são desconhecidas

A Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 causaram a abertura de hotéis além da necessidade atual do país. Mas, mesmo assim, o Brasil está abaixo da média mundial de oferta de quartos e, com uma boa estrutura, deve crescer muito, avalia Patrick Mendes.

Há uma guerra de preços, com concorrência forte. Tivemos dois eventos grandes nos últimos cinco anos que aumentaram significativamente a oferta hoteleira. Entre a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, chegaram muitos hotéis ao Brasil. Uma oferta superior à demanda. Hoje a demanda está retomando pouco a pouco, mas vai demorar um tempo ainda para haver uma demanda adequada à oferta."

Segundo ele, na Europa, há 12 ou 13 apartamentos de hotel por mil habitantes. Nos EUA, 16, 18 apartamentos por mil habitantes. No Brasil, menos de 3. "Então, há muito potencial no país de crescimento no turismo corporativo, de eventos e de lazer em resorts, praias e turismo cultural. Mas para isso não basta fazer um hotel sozinho."

Para o turismo crescer, você precisa de infraestrutura, de aeroportos, de voos, de trem, de estrutura rodoviária, de promoção do turismo

Riquezas do Brasil têm de ser mais conhecidas

O CEO da Accor diz que as riquezas do país precisam ser mais mostradas para o mundo.

"Eu não sou brasileiro, mas virei um brasileiro defensor do Brasil, e muita gente me questiona: 'mas o que você, como francês, está fazendo aqui no Brasil?'. Eu adoro o Brasil, acho que aqui tem muito potencial, tem muito para fazer, e as riquezas do Brasil, tanto a corporativa como o lazer, praias, cultura, Amazônia, tudo o que existe permitiria haver muito mais turistas de negócio e de lazer."

Ele cita vários pontos turísticos de que gosta. "Viajei pelo Brasil muito mais do que muitos brasileiros. Primeiro porque temos 250 hotéis, e eu tento visitar quase todos. O Pantanal me impressionou, a Amazônia, Foz do Iguaçu, Rio, Aparados da Serra, Gramado, Lençóis Maranhenses, São Miguel dos Milagres, Trancoso, Chapada dos Guimarães. São vários locais que visitei e achei fantásticos."

O Brasil tem um potencial enorme, um acolhimento enorme, pessoas dedicadas que nós devemos estruturar e promover para realmente fazer deste país uma riqueza mais conhecida no resto do mundo.

Conscientização de autoridades

Mendes diz que a Accor está trabalhando com o Ministério do Turismo e com prefeituras para promover cidades importantes dentro e fora do Brasil. "Isso são elementos positivos, há uma conscientização dos órgãos públicos de que turismo é uma indústria importante, que pode gerar emprego e trazer grande resultado para o futuro."

Outro ponto que está sendo melhorado é a qualidade da infraestrutura, na sua visão. "A Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos ajudaram muito. O Rio é impressionante. Tem transportes rodoviários, aeroportos e hotéis de grande qualidade. São Paulo também."

Para o CEO, os dois grandes eventos também ajudaram a melhorar a imagem do país, apesar dos casos de violência. "Copa e Jogos Olímpicos mostraram que o Brasil consegue fazer coisas maravilhosas. Agora temos que capitalizar sobre isso."

Crise, segurança e burocracia

Patrick Mendes aponta também problemas que seguram o crescimento do turismo brasileiro. A crise econômica é o destaque.
 
"A hotelaria sofre há três anos problemas muito críticos. Viagem e hotéis é um dos gastos que você elimina logo no início. Temos menos viagem de turismo, viagem de negócio e viagem de evento. A primeira coisa que devemos melhorar é a atividade econômica do Brasil."
 
Em segundo lugar, vem a segurança. "Segurança, para hotéis, para turismo, é fundamental. E aqui ainda é um problema sério para nós. Quando estou lá fora, as pessoas questionam ainda, apesar de muitas melhorias, muitas cidades fizeram um esforço grande, ainda temos problemas de segurança e não foram comunicados ao resto do mercado os esforços feitos."
 
A terceira coisa a melhorar no Brasil são os processos administrativos, diz Mendes. "A burocracia complica fazer negócio no país. Isso é um elemento que também dificulta. Nós temos que resolver esses assuntos para facilitar negócios de fora, facilitar novas empresas que vão criar produção, serviços, empregos."
 

Potencial do Brasil permite explorar mais o turismo

Airbnb e hotéis vão conviver, mas as regras têm de ser iguais

O serviço de aluguel de apartamentos particulares Airbnb é uma grande concorrência para os hotéis. "O Airbnb impacta a hotelaria mundial e a brasileira também. O Rio faz parte das cinco principais cidades do Airbnb em termos de inventário [apartamentos disponíveis]. Impacta sobretudo o segmento econômico. Nós somos impactados, por exemplo, nos Ibis e em alguns midscale [hotéis intermediários], por causa dos preços baixos do Airbnb. Mas também criou uma nova demanda", diz Patrick Mendes.

Para ele, há duas maneiras de ver o efeito do Airbnb. "Uma é o acréscimo da demanda. Quando você viajava para visitar a sua mãe ou o seu primo, ficava na casa deles. Agora talvez você vá alugar um quarto ou eventualmente um Airbnb. Outra maneira de ver é como um concorrente em algumas faixas do segmento econômico em algumas cidades."

Accor também tem serviços de aluguel

O Airbnb não é a única empresa que aluga apartamentos particulares. "Há várias que trabalham neste aluguel de apartamentos, até nós", afirma Mendes.

"A AccorHotels decidiu entrar nesse negócio de uma maneira um pouco diferente. Nós adquirimos várias empresas que trabalham nesse segmento de private rental [aluguel particular de apartamento]. Por exemplo, compramos o One Fine Stay, que é o líder mundial, compramos uma participação significativa em Oasis Collections, compramos a empresa Travel Kiss, nos EUA. A grande diferença é que são apartamentos e serviços no segmento luxo e upscale, com alguns serviços prestados, como chek in, check out, eventualmente café da manhã. Não é um hotel, mas é um apartamento de luxo."

O CEO diz que há clientes que às vezes buscam hotéis e, em outras ocasiões, um apartamento. "Há um verdadeiro crescimento desta demanda, e há clientes que são multiuso. Você pode ser cliente de um hotel, mas numa certa situação pode precisar de um apartamento. Vai querer um apartamento mais confortável para cinco pessoas, por exemplo. É complementar. É uma demanda mais de lazer, mais familiar. O segmento corporativo ainda quer ter um hotel, ter mais facilidade, não ter de esperar a limpeza do quarto, quer uma coisa mais conveniente. É evidente que um hotel é muito mais conveniente quando você está numa estadia curta, a negócio. E quando está a lazer e quer uma coisa garantida, você vai a um hotel. Ainda há grande espaço de sucesso para hotéis. O Airbnb vai continuar, vai encontrar o seu caminho, mas os dois vão conviver."

Há espaço para todos desde que as regras sejam iguais

A regulamentação que enquadra a atividade do Airbnb em algumas cidades da Europa e dos EUA é defendida por Patrick Mendes.

"Não se trata de uma batalha entre a velha e a nova economia. É necessário jogar com as regras equivalentes. Então o que estão fazendo Nova York, São Francisco, Miami, Paris, Barcelona? Enquadrar juridicamente o modo de funcionamento do private rental, inclusive para as nossas empresas que compramos. Enquadrar é ter a certeza de que o apartamento é do dono, de que é um aluguel de temporada, que não é um apartamento construído para ser um hotel disfarçado, ter a certeza de que as taxas e impostos são pagos, ter a certeza de que a segurança mínima está sendo providenciada. Então é tudo isso que nós queremos: jogar com as mesmas regras. É só isso. De resto, o Airbnb, o aluguel de temporada, o Accor, as outras marcas, o ambiente dos hotéis e apartamentos, o private rental vão conviver, mas é preciso haver regras comuns."

Concorrência gerada por buscadores de preços

Os sites que comparam preços de hotéis são outra ferramenta importante usada pelos clientes para conseguir achar as melhores ofertas. Qual o impacto disso nos negócios?

"Acho que a tecnologia é um fato, e para mim ajuda mais do que atrapalha", declara Mendes.

"Há dois anos, a Accor decidiu investir quase US$ 300 milhões em nível mundial no Plano Digital, para melhorar a experiência digital do cliente. No website AccorHotels, no aplicativo, 47% dos nossos clientes reservam online. Recentemente compramos a FastBooking, que lançamos no Brasil há 6 meses. Ela nos permite integrar hotéis independentes na nossa plataforma de distribuição. Ou seja, você no accorhotels.com vai encontrar um Novotel, um Sofitel, mas também pode encontrar um hotel independente, um Ca'd'Oro, um Senac."

Segundo ele, os comparadores de diárias são um "complemento".

"Trabalhamos com todas as plataformas de distribuição, de comparação de preços. O que é importante é garantir a paridade tarifária. Ou seja, você não pode encontrar uma tarifa mais barata do que no site da Accor. Pelo contrário. Se você tem um cartão fidelidade AccorHotels e reservar no site accorhotels.com, você vai achar preços mais baixos. Nós precisamos, queremos e gostamos de trabalhar com essas plataformas. Mas também tentamos trabalhar com nosso website e nosso programa de fidelidade. Faz parte da vida ter comparativos, ajuda a experiência do cliente. Se o cliente utiliza uma plataforma, eu vou estar nessa plataforma, mas vou encontrar um um equilíbrio para trabalhar com ele de maneira rentável."

Como fica a competição dos hotéis com o Airbnb

A AccorHotels é assim

  • Fundação

    1967 (Lille, França); início da operação no Brasil: 1977

  • Funcionários

    + de 13 mil no Brasil; + de 240 mil no mundo

  • Número de hotéis

    252 no Brasil; 4.100 no mundo

  • Alguns dos hotéis

    Ibis, Ibis Budget, Ibis Style, Novotel, Mercure, Mama Shelter, Raffles

  • Faturamento em 2016

    576 milhões de euros nas Américas; 5,6 bilhões de euros no mundo

  • Principais concorrentes (Brasil)

    Atlantica, Blue Tree, Allia Hotels, Nacional Inn, Transamérica

Eduardo Vessoni/UOL Eduardo Vessoni/UOL

Que fatores deixam um hóspede realmente frustrado num hotel?

"A primeira coisa que desagrada um hóspede é o engano, ser enganado. Você ver uma foto na internet, uma foto maravilhosa com uma piscina, você chega ao hotel não tem piscina, e o quarto que você vai receber é totalmente desatualizado. São coisas básicas, mas ser enganado é o pior", diz Patrick Mendes, CEO da AccorHotels na América do Sul. Ele diz que, entre os planos do grupo para melhorar e ampliar seus serviços, está a oferta de comida e bebida, e não só hospedagem. "Estamos fazendo esforço muito grande na área de restaurantes e bares. Nós somos conhecidos como um grupo de hotéis. Eu quero ser conhecido como um grupo de restaurantes, bares, sala de eventos e hotéis. Hoje 30% a 40% do nosso negócio na América do Sul e no Brasil se refere a restaurantes e bares. Se você for ao Pullman Vila Olímpia, ao Ibis Style Faria Lima, ao Novotel Morumbi, ao Mama Shelter no Rio, você vai ver isso que eu estou dizendo agora. Isso já começou."

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O que era luxo há 10 anos agora virou básico; wi-fi é o mínimo

Uma boa experiência de alimento e bebidas e um design legal. Essas são algumas exigências que os hóspedes fazem de um hotel, diz Patrick Mendes. "Você quer entrar num hotel diferente, com design inovador, cadeiras com um tecido mais inovador, uma televisão top de linha. Então, tecnologia e design são elementos que aparecem como uma preocupação do cliente. O básico virou o luxo de cinco ou dez anos atrás. Há 10 anos você achava que ter um bom wi-fi era um luxo, ter uma tv com 50 canais era um luxo, que ter uma cama de dois metros era um luxo. Agora já não é. Você quer uma cama grande e confortável, um chuveiro com regulagem muito boa, uma tv com 70 canais, um wi-fi de alta velocidade. O brasileiro viajou muito, e o nível de exigência é muito grande. Se eu perguntar ao meu filho de 14 anos o que é mais importante num hotel, ele vai dizer wi-fi."

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Na carreira, seja flexível, faça tudo, aprenda sempre e viaje muito

"Comecei como sommelier, degustador de vinhos. Trabalho em hotelaria desde o início, tenho 49 anos e comecei com 15 anos, passei por todos os empregos imagináveis. Vejo três pontos importantes. O primeiro é: flexibilidade total. Passei por vários empregos, vários países, você tem que ser flexível, sempre aceitei mudar a família, mudar de país, deixar tudo de um lado para ir a outro lado, aprender os idiomas. A segunda é aprender até o fim. Todos os dias aprendo, tento ler e descobrir novas coisas. Ainda há dois anos eu fui fazer mais um curso na Europa. Não pode acreditar que acabaram os estudos, que tem 23 anos, vai trabalhar e parar de estudar. Não. Neste mundo de movimento permanente, você tem de estudar constantemente. A terceira é networking. Consegui crescer na minha vida porque encontrei pessoas e foram essas pessoas que me deram dicas. E não pode ser relacionamento só por Facebook ou Instagram, esse é um dos elementos. Mas precisa de contato olho no olho, se não você fica numa bolha."

Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL

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