Cama desarrumada é casa real

Casa arrumada o tempo todo só em anúncio; 70% não fazem cama, diz chefe das marcas Minuano, Francis e Ox

Armando Pereira Filho Do UOL, em São Paulo
Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL
Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

As pessoas querem facilidade para cuidar da casa e da beleza pessoal, diz José Vicente Marino, presidente da Flora, dona de marcas como sabão e detergente Minuano, sabonete Francis e xampu OX. "Aquela casa do comercial, toda arrumadinha, não existe."

O executivo participou da série de entrevistas UOL Líderes. Ele fala sobre como o tipo de desodorante revela o desenvolvimento econômico de um país, dá dicas de carreira e reflete sobre a importância da educação para o Brasil.

70% não arrumam a cama quando acordam

Todo mundo quer uma vida mais prática hoje em dia. Esse é um conceito fundamental para uma empresa de beleza pessoal e limpeza do lar, como a Flora, diz seu presidente, José Vicente Marino.

A vida é mais simples. Então as pessoas querem soluções mais simples. Aquela casa do comercial, toda arrumadinha o tempo inteiro, não existe. O consumidor já não é assim. 70% acordam e não fazem a sua cama de manhã

"O mercado cada vez mais entrega soluções práticas. Quando você chega à casa de alguém, ele não vai te mostrar uma bandeja brilhando e dizer: 'Olha como eu sei limpar a minha bandeja'. Quando eu era criança, minha avó e a minha tia me mostravam a bandeja brilhando, um orgulho."

Segundo ele, o hábito, a rotina de cuidado pessoal, a rotina de cuidado com a casa vem se transformando ao longo dos anos. "Os homens se cuidam mais do que se cuidavam antigamente, as mulheres se cuidam de outras formas."

Ele diz que um exemplo é que a mulher no Brasil começou a cuidar mais da pele do rosto do que cuidava no passado.

Casa arrumadinha só existe em propaganda

Desodorante mostra avanço da renda do brasileiro

O tipo de desodorante que um povo usa pode revelar muito sobre seu nível de renda, diz José Vicente Marino, presidente da Flora.

A partir de 2008 a 2013, o consumidor brasileiro migrou para produtos melhores, mais caros.

Por exemplo, há 30 anos, os desodorantes no Brasil eram aqueles sprays líquidos de apertar. Depois o consumidor foi se sofisticando e passou a ser o roll on. Hoje, disparado, o aerossol é o maior segmento. Tem uma válvula mais cara, é um aplicador mais sofisticado.

Ele diz que, com a crise econômica, os gastos estão sendo cortados de novo. "O que está acontecendo recentemente no Brasil, nos últimos 2 ou 3 anos, é que, com a situação econômica e o desemprego, a renda disponível para consumo está diminuindo, e o consumidor está ficando cada vez mais orientado a preço. Cada vez mais sensível a preço e fazendo melhores escolhas. A gente está começando a assistir a um movimento de 'trade down' (corte). O consumidor está abandonando algumas coisas."

Mas, antes de abandonar, ele busca a mesma coisa um pouco mais barata. "E aí as marcas desafiantes, de boa qualidade, têm uma oportunidade imensa. Nossa empresa acredita que é uma grande oportunidade para as nossas marcas. Por isso estamos investindo tanto em marca agora."

Sabonete é mais fácil de trocar que xampu

Para Marino, o consumidor vai experimentar. Se o produto tiver qualidade e for um pouquinho mais em conta do que o líder, o consumidor vai se apegar. Porque preço passou a ser decisivo.

Essa mudança depende do tipo de produto. Produtos mais comoditizados (genéricos) são mais fáceis de ser substituídos pelo consumidor, como sabonetes. Mas os clientes têm mais apego a itens como xampus e condicionadores. Mesmo sendo mais caros, eles tendem a ficar com sua marca preferida.

"Sabonete é sabonete. Xampu não, é para o meu cabelo, é aquela marca, eu quero isso, eu quero aquilo. Quando o consumidor tem um relação emocional com uma categoria, o preço é menos importante."

No segmento de limpeza do lar, por exemplo, sabão em barra também é facilmente substituível. "Você olha lá e acaba levando. Claro, a marca faz muita diferença, mas preço passa a ser muito relevante hoje no Brasil [para alguns itens]."

O desodorante como indicador da força econômica

Brasileiro gosta tanto de perfume que cheira até desinfetante

"O brasileiro é apaixonado por fragrância, por perfume", diz José Vicente Marino, presidente da Flora. Isso vale tanto na limpeza de casa, como em produtos pessoais. "O Brasil é o maior mercado de perfume do mundo. Pouca gente sabe disso, mas o maior no mercado de colônias e de perfumes do mundo é o Brasil."

A gente vê no ponto de venda: se uma consumidora está comprando um produto para limpar o chão, a primeira coisa que ela faz é abrir a tampa e cheirar

"O brasileiro gosta, vem da nossa herança do índio, de tomar banho, de estender o frescor do banho, vem de toda essa origem antropológica a história do banho. E do clima também, a gente gosta de dar uma chuveirada sempre que possível. Então brasileiro gosta de fragrância."

Para limpeza de casa, o que importa é funcionar

Marino diz que eficiência é a questão principal para produtos de limpeza. "Em limpeza do lar, cuidado com a roupa, o que o consumidor mais quer é que funcione. O produto tem de ser eficiente. Quero um produto para lavar a louça que desengordure louça. Quero um produto para lavar o piso que deixe o piso limpo. Quero um desinfetante que proteja e desinfete, que mate os germes."

"Depois acho que a marca é bem relevante. A marca cria uma notoriedade, cria uma personalidade que representa para o consumidor alguma coisa, e o consumidor quer aquela marca porque quando ele compra já vem uma série de coisas junto. Vem a eficiência, um cheiro bom, já vem uma série de atributos para aquele produto."

Setor de beleza exige produtos mais naturais

No setor de produtos pessoais é um pouco diferente. "Aí é mais indulgência, eu estou cuidando de mim, estou cuidando do meu corpo. Então há muita consciência corporal, a consciência corporal está aumentando no Brasil, as pessoas querem produtos melhores, produtos mais naturais, mais vegetais."

Também existe a necessidade de funcionar bem. "Se a pessoa tem a pele seca, ela quer hidratar a pele. Um hidratante que funcione. Um banho mais hidratante, ou um banho mais perfumado, um banho de proteção e limpeza. E fragrância... Fragrância realmente é a paixão do brasileiro. O cheiro é uma coisa é muito importante, não é pouco, é muito importante."

"A Flora tem marcas muito icônicas, como Neutrox, que tem um cheiro supercaracterístico. Nós estamos relançando a marca Neutrox neste ano. Quando a gente vai conversar com o consumidor, eles dizem: 'Pelo amor de Deus, não me troca o cheiro'. Então, tem aquela identidade olfativa na empresa, aquela identidade que te remete a um monte de coisas. O cheiro mexe com as suas emoções."

A paixão brasileira por perfumes

A Flora é assim:

  • Ano de fundação

    1980

  • Funcionários

    1.500 diretos e 300 indiretos

  • Total de produtos

    300

  • Principais produtos

    Limpeza: Minuano e Assim; higiene pessoal: sabonete Francis e produtos para cabelos OX, Neutrox, Kolene e Karina.

  • Fábricas

    3

  • Faturamento em 2016

    R$ 1,3 bilhão

  • Faturamento previsto em 2017

    R$ 1,45 bilhão

  • Principais concorrentes

    Unilever, P&G (Procter & Gamble), Colgate, Quimica Amparo, L?oreal

No Brasil, produtos de bebê custam mais caro

No Brasil, produtos de bebê custam mais caro do que os de adultos. Isso é diferente em outros países e difícil de explicar para executivos estrangeiros. Nos EUA, os produtos de bebês são mais baratos. Quando você vai conversar com um americano que vem aqui, a primeira coisa que a pessoa fala é que há algo errado. Então você tem de explicar, tem de mostrar o mercado, por que que é mais caro. Cada mercado tem as suas características, e o produto é feito para o mercado. É claro que, com a globalização, está tudo se tornando muito parecido. O mesmo xampu que você acha aqui encontra na Rússia, em outros países da Europa, nos EUA, na Austrália. O mundo está se homogeneizando, mas ainda há muita particularidade.

Educação é a grande transformadora

Sou um fã da educação, acho que é a grande transformadora da cultura e do país. Por isso dou minha contribuição no instituto Akatu pelo consumo consciente. Todos os gerentes de marketing da Flora são professores da escola Germinare. Eles dão aula toda semana para alunos do ensino fundamental e médio. O Brasil deveria fazer um mutirão a favor da educação. E enxergar os problemas de frente, o Brasil precisa de reformas importantes. Essas reformas que estão sendo encaminhadas são fundamentais. E fica todo mundo só defendendo seu interesse. Acho que educação e mudança de comportamento, é disso o que o Brasil precisa. De maneira urgente, rápida e com muita disciplina. Porque a gente está perdendo o bonde do mundo, nós vamos ficar para trás.

Economia ainda não vai se recuperar

Acho que o mercado ainda em 2017 não vai voltar a crescer de maneira relevante. Talvez ele pare de cair, e cresça 1%, 2% na média, de maneira geral, mas ainda não vai ser o suficiente para mudar o resultado das empresas. No caso da Flora, a gente acredita, pelas novas iniciativas, que vamos navegar bem neste ano. Agora, a gente não está planejando para 5 anos porque ninguém tem bola de cristal. A gente está mais no curto prazo. Sabemos o caminho que queremos seguir, mas vamos adaptando a estratégia à medida que o consumidor voltar a responder. Adotamos estratégias de dentro para fora, de se aproximar dos clientes, de investir nas marcas, que tem dado resultado e acreditamos que 2017 vai ser um ano bom.

Carreira: não se acomode nem mude demais

Não carreira, não pode se acomodar, e também não pode ficar mudando, pulando de galho em galho. Tem muita gente, que você olha o currículo da pessoa e ela ficou um ano e meio ali, um ano e meio aqui... Então, o que você fez mesmo? Quais foram suas entregas? Sempre falo isso para as pessoas: "não fique mudando muito de área, mudando muito de posição, faz começo-meio-fim, tenha um pouco de paciência". No mundo, tudo é instantâneo hoje, mas você tem que ter um pouco de paciência se a pessoa quer seguir uma carreira executiva. Agora, se ela quer ser empreendedora, aí tem que tomar coragem e seguir em frente.

Simon Plestenjak/UOL e Arte UOL

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