Em busca do doce saudável

Indústria pesquisa chocolate com menos açúcar, mas cliente exige sabor, diz chefe do M&M's

Do UOL, em São Paulo
Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL
Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

O consumidor cada vez mais quer saúde, mas não abre mão do sabor. Isso é um desafio para a indústria do chocolate, diz, em entrevista ao UOL Líderes, Filipe Fonseca, presidente da Mars Brasil Chocolate & Food, fabricante de M&M's e Snickers. Ele conta se chocolate no Brasil tem mais gordura e menos cacau e mostra que o brasileiro consome o doce de um jeito diferente do resto do mundo.

A Mars não fabrica só chocolate. Também testa no sul do país um arroz instantâneo que fica pronto em dois minutos e é dona até de rações de gatos e cães, como a Royal Canin. A empresa, que tem M&M's à vontade para seus funcionários, foi eleita a 11ª melhor para trabalhar no Brasil.
 

Consumidor quer saúde, mas não abre mão do sabor

O presidente da Mars Chocolate, Filipe Fonseca, fala neste trecho como a indústria trata consumo de doces, saúde e informação para o consumidor:

Existe uma consciência cada vez maior dos consumidores, isso é claro. É papel da indústria garantir que ela ofereça, primeiro, as informações corretas. O consumidor tem de saber o que está comprando para adaptar ao estilo de vida dele. Mas a indústria também tem de ter um comprometimento de fazer parte da solução.

A gente trabalha em buscar fórmulas com redução não só de açúcar, mas de gorduras, sódio, isso faz parte. Principalmente a grande indústria está sempre pesquisando maneiras de fazer isso sem comprometer o sabor

Há uma coisa interessante: o consumidor não está disposto a fazer uma troca e comprometer o sabor a que ele está acostumado. Então isso se torna uma equação difícil, mas sim, isso faz parte.

Esse é um desafio. Existe bastante pesquisa, não só nossa, a indústria como um todo está pesquisando alternativas e vendo como faz. Mas acho que até agora algo que seja tão saboroso e que atenda a necessidade do consumidor eu desconheço que a gente já tenha a solução. Temos de garantir que o consumidor entenda bem o que ele está consumindo e faça as escolhas dele. Mas a gente vai continuar trabalhando para entender como é que a gente consegue fazer essas alterações e esses ajustes [chocolate mais saudável, com menos açúcar], desde que o consumidor continue aceitando.

Porções menores para reduzir as calorias

A outra parte que eu acho bastante interessante é a questão de porções. A indústria poder oferecer porções que se adaptem aos diferentes estilos de vida, às diferentes dietas das pessoas. A gente globalmente tomou uma decisão há alguns anos de que nenhuma porção individual nossa deveria ter mais do que 250 calorias. Então todos os nossos produtos, as porções individuais hoje no mundo inteiro têm até 250 calorias. Agora estamos aumentando o nosso portfólio para até 200 calorias.

Lançamos recentemente no Brasil um Snickers que tem 100 calorias. Ela é uma porção reduzida, mas na qual o consumidor tem a mesma experiência em relação às texturas, aos sabores, mas com menos calorias.

A escolha vai ser sempre do consumidor. Vai da vontade do consumidor na hora, mas acho que ajuda na saúde. As porções reduzidas ajudam justamente a equilibrar esse balanço calórico que o consumidor tem de ter durante o dia.

O consumidor quer fazer as escolhas dele, não quer que ninguém escolha por ele. Ele quer ser empoderado

A indústria tem um papel em relação a isso. No nosso caso, fomos a primeira indústria a colocar as quantidades recomendadas diárias e o que está contido em todos os nossos produtos, porque a gente acredita que o consumidor tem de ser informado para poder tomar a decisão se aquele é um produto adequado ao que ele quer consumir.

Os rótulos têm de ser claros, as informações para o consumidor têm que ser muito claras e transparentes

A indústria tem um papel também em continuar ajudando na questão da atividade física, continuar estimulando.

Chocolate é indulgência. Você olha no total da população, e ele não faz parte da dieta regular das pessoas. A maior parte das pessoas come ocasionalmente. Então, existem outras questões relacionadas ao açúcar que também têm que ser vistas.

É papel da indústria alimentícia como um todo fazer parte da solução, trabalhar com as autoridades, com os consumidores e trazer alternativas e transparência, isso é o mais importante.

Indústria pesquisa para ter chocolate com menos açúcar

Brasileiro come chocolate de jeito diferente do mundo

O brasileiro consome chocolate de um jeito diferente do resto do mundo, diz Filipe Fonseca, presidente da Mars Brasil Chocolate & Food. Além disso, aqui se come bem menos que em outros países, e é importante ficar de olho no rótulo para não se enganar e comprar um doce com "sabor chocolate", em vez de chocolate mesmo. Leia a seguir este trecho da entrevista e entenda esses pontos:

O mercado de chocolate brasileiro se desenvolveu no consumo futuro. A família divide uma caixa de bombons ou um tablete grande, como uma sobremesa. É consumo futuro porque você compra e vai comer depois, não é um consumo que você faz na hora, que compra na rua porque deu vontade de comer alguma coisa.

A maior parte do mercado no Brasil era de consumo futuro e ainda é. É oposto do resto do mundo, onde a maior parte é consumo imediato, em que você consome a porção de uma vez só, porções menores.

Isso foi uma grande oportunidade que a gente viu. Nós temos as barras de chocolate individuais, as porções individuais de M&M's. O consumo futuro, as caixas de bombons e os tabletes vão continuar tendo o papel deles. Mas a categoria pode se desenvolver, até porque a frequência de compra de chocolates no Brasil é menor do que em vários outros países. Há espaço para crescer.

O Brasil já é um dos maiores mercados de chocolate do mundo, mas ainda pode crescer. O consumo médio do brasileiro é de 2,5 kg de chocolate por ano. Na Suíça, são 8,98 kg/ano e na Alemanha, 7,89 kg

Doce “sabor chocolate” não é chocolate e confunde consumidor

A legislação é clara em relação ao que é chocolate. Os produtos que não podem ser chamados de chocolate são identificados como "sabor chocolate" ou alguma coisa assim. Mas quando o produto é chamado de chocolate é porque cumpre a legislação vigente.

Talvez não esteja tão claro para o consumidor porque está escrito 'sabor chocolate', mas é muito claro o que a indústria pode ou não pode chamar de chocolate

Quando a gente fala que é chocolate é porque é chocolate, ele tem as quantidades mínimas de derivado de cacau dentro do produto. Todos os produtos da Mars são chocolate.

Chocolate no Brasil tem mais gordura vegetal e menos cacau?

Eu posso falar dos nossos produtos. Realmente gordura vegetal é mais resistente ao calor do que a manteiga de cacau. Mas não necessariamente precisa ter a gordura hidrogenada, ou a gordura vegetal, para fazer um chocolate aqui no Brasil [por causa do calor]. Você tem chocolates puros aqui.

O consumidor consegue perceber no sabor se tem ou não quantidade maior do produto. Basicamente, chocolate é a massa de cacau, manteiga de cacau, açúcar, leite e algum emulsificante.

Você pode colocar alguma coisa para estabilizar um pouco mais em relação a calor, à questão ambiental. Mas se você foge muito da fórmula o consumidor percebe

Laboratório no sul da Bahia estuda cacau mais produtivo

A Mars tem um centro de pesquisa de cacau no sul da Bahia, para estudar tecnologia, cultivo, espécies existentes e produtividade. A gente trabalha com técnicas de produtividade com os agricultores, e essas técnicas a gente exporta para todo o mundo.

A empresa fez uma parceria com a IBM, globalmente, um tempo atrás, para decodificar o genoma do cacau. E tornamos pública essa pesquisa para garantir um cacau sustentável, resistente a pragas e que faça um bom chocolate. Há variedades que são muito resistentes a doenças, mas não fazem um bom chocolate. E existem algumas que fazem bom chocolate, mas não são resistentes.

Ainda não inventaram chocolate gostoso e sem açúcar

200 milhões de clientes atraem empresa mesmo com crise

Apesar da crise no Brasil, a Mars considera o país estratégico para investir por causa do tamanho do mercado. A empresa, eleita em 2016 a 11ª melhor para trabalhar no Brasil, segundo a consultoria Great Places to Work, não faz só chocolate. Também produz arroz. 

Nos seus escritórios e fábricas, tem chocolate à vontade para os funcionários, junto com frutas. Saiba mais sobre a empresa no relato do presidente da unidade de chocolates e alimentos no país, Filipe Fonseca:

A categoria de chocolates como um todo sofreu nos últimos dois anos. Em 2016, caiu em torno de 10% em volume e cresceu ligeiramente em valor, em torno de 5%. A categoria vinha crescendo de forma acelerada nos últimos dez anos, até 2014. A situação política e econômica afetou o negócio.

Em relação à Mars, o foco em consumo imediato tem ajudado a ter alguns resultados positivos.

Em 2016, nosso faturamento cresceu 19%. Fomos o player que mais cresceu nos últimos quatro anos. Desde 2012, superamos o crescimento da categoria. É claro que a gente poderia provavelmente ter crescido mais sem a crise.

Vejo o futuro com bastante otimismo. Apesar de ainda haver volatilidade política e econômica, indicadores apontam que vamos na direção correta. Crescimento, inflação menor, redução de juros 

É claro que há muita coisa acontecendo, mas vamos continuar focados e investindo. A Mars olha os investimentos a longo prazo. Queremos construir um negócio para os próximos 30 anos.

E esse mercado no Brasil tem hoje 200 milhões de pessoas, onde há muito para desenvolver nas categorias de consumo. É um mercado gigantesco e com muito potencial.

Estamos investindo mais este ano do que no ano passado e estamos fazendo isso ano após ano porque a gente realmente acredita no que vem por aí

Investimentos de R$ 1 bi e produção totalmente brasileira

Estamos investindo muito em duas coisas: na construção das marcas e no aumento das nossas capacidades internas. A Mars como um todo anunciou investimento de R$ 1 bilhão no Brasil até 2020 para aumento da capacidade produtiva.

A área de chocolates e alimentos terá mais ou menos metade deste investimento. Hoje produzimos no Brasil as marcas M&M's e Twix e importamos Snickers. Nosso objetivo é que até 2020, quando realizarmos todos os investimentos, a gente tenha toda a nossa produção dos itens principais aqui no Brasil.

Arroz de 2 minutos é testado no sul do país

A Mars está testando há cerca de dois anos um arroz expresso de uma de suas marcas, a Uncle Ben’s.

Fizemos um piloto no sul do Brasil, tem arroz branco, arroz integral, risoto. Fica pronto em dois minutos no micro-ondas. Somos pioneiros com essa tecnologia aqui no Brasil, e é um produto muito interessante. É uma conveniência saudável.

Não está no mercado nacional. Continua nas capitais do sul, e nós estamos estudando e pegando todos os lados desse piloto para a gente ver quais os próximos passos dessa estratégia.

Com M&M's à vontade e na lista das 11 melhores para trabalhar

Na empresa, temos um diálogo muito aberto com todo mundo. Acho que [a posição entre as melhores para trabalhar] é uma combinação disso tudo. Tem a questão dos benefícios, como ginástica laboral nos escritórios, frutas que os associados podem comer, tem o chocolate também [para comer à vontade], que é uma parte de que os associados gostam com certeza, mas é o conjunto de tudo isso que faz com que seja um bom ambiente, uma das melhores empresas para trabalhar.

Chocolate no Brasil tem mais gordura vegetal e menos cacau?

A Mars é assim

  • Fundação

    1911 nos EUA, por Frank C. Mars; início da operação no Brasil: 1978 (fábrica em Eldorado do Sul, RS)

  • Funcionários

    Cerca de 2.500 no Brasil e 80 mil no mundo (78 países)

  • Unidades

    Brasil - 5 fábricas (Descalvado-SP, Mogi Mirim-SP, Guararema-SP, Recife-PE e Ponta Grossa-PR) e 7 escritórios (São Paulo, Campinas, Descalvado, Rio de Janeiro, Guararema, Recife e Ponta Grossa); mundo - 421 unidades de produção em 78 países. Sede em McLean, Virgínia (EUA).

  • Comércio

    Mais de 100 mil pontos de venda no Brasil. Em 2016, a empresa ampliou sua rede de distribuição em 15%

  • Faturamento em 2016

    Mundo: + US$ 35 bilhões: não revela faturamento no Brasil

  • Principais produtos

    Alimentos humanos: M&M's, Snickers, Twix (chocolates), Masterfoods (molhos e temperos), Uncle Ben's e Ráris (arroz especial); alimentos para animais de estimação (unidade com outra presidência): Royal Canin, Pedigree, Whiskas, entre outras

  • Participação e concorrência

    Chocolate: participação de 5,7% (Nielsen), entre as top 4 no Brasil; alimentos: Ráris tem liderança em arroz especial, com share record de 33% em volume; alimentos para animais de estimação: é lider global; no Brasil, tem share de 38,8% em volume para Pedigree e Whiskas e 4,3% para Royal Canin. Os principais concorrentes são: Brasil - Coca-Cola, Unilever, Nestlé, Mondelez, Pepsico, Kraft/Heinz, Kellogg´s, Danone, General Mills, Hershey´s e Ferrero; mundo - os mesmos do Brasil mais Campbell´s (sopas enlatadas)

  • Outros dados

    Prevê investir R$ 1 bilhão no Brasil de 2012 a 2020; opera na América Latina há mais de 40 anos; em 2016, foi eleita a 11ª melhor empresa para trabalhar no Brasil (Great Place to Work); 40% dos gerentes no mundo são mulheres; no Brasil, 39% dos cargos de liderança são ocupados por elas; em 2016, mais de 23 mil funcionários no mundo participaram de atividades voluntárias, com 10 mil horas; no Brasil, foram 4.151 horas de voluntariado; não faz anúncios para menores de 12 anos nem usa personagens infantis para divulgar a marca

Stan Studio/Divulgação Stan Studio/Divulgação

Cor dos M&M's varia conforme regras de saúde dos países?

Temos fórmulas globais aprovadas. O consumidor tem a mesma experiência onde ele estiver. Mas é claro que localmente a indústria tem de seguir a legislação local, e existem diferenças de matérias-primas aprovadas para uso e até a disponibilidade desse material nos mercados. Isso pode dar alguma diferença, então nós temos algumas fórmulas aprovadas para a experiência do consumidor ser a mais próxima. É assim que funciona: quando necessário, fazemos as adaptações para seguir a legislação local. No Brasil, temos todo o processo de aprovação na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). É um processo até longo de aprovação de novas matérias-primas. É uma questão importante. Dependendo da legislação, você pode importar matérias-primas de um mercado, mas não de outro. O tamanho é padrão, acho que aí não tem nenhuma especificidade. Mas tem especificação interna nossa que diz qual o tamanho que as lentilhas de M&M's têm que ter para dar experiência [de sabor]. Em relação especificamente à regulamentação de cores, não há nenhum caso que eu me lembre de que tenha nos afetado recentemente.

Divulgação/ Facebook.com/caolinaria Divulgação/ Facebook.com/caolinaria

Empresa faz M&M's e ração de cachorro Royan Canin

A Mars é globalmente dividida em segmentos de negócios que funcionam de forma independente. Aqui no Brasil temos três diretorias: a unidade de chocolates e alimentos humanos, que é a que eu represento; tem a unidade pet care e tem a unidade royal canin, que também é pet care, mas é um segmento especializado de pet care, que são rações com tecnologia nutricional muito avançada, que a gente vê como outro mercado. Nós tomamos as decisões independentes, e essas linhas de reporte vão até o nível global, e só aí no nível corporativo, onde está o CEO global e tudo, que esses negócios se juntam. Se pensamos em fazer M&M's para cachorro? Não, não sei se isso ia funcionar. Os paladares são bastante diferentes e realmente os pets são muito mais ligados na questão de proteínas, carnes e outros tipos de sabores, então não acredito que seja uma ideia. Não sei se já se pensou nisso. Mas com certeza nós temos o que chamamos de indulgências para pets, que seria comparável a um chocolate. Nós temos nossos snaks para os pets, como os biscoitos. Um deles é uma supernovidade que, além de os cães adorarem, são funcionais porque ajudam a limpar os dentes.

Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL

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